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    Arquivo: Edição de 15-11-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Inquietações da Igreja Católica

    Os bispos portugueses foram a Roma “prestar contas” da sua actividade dos últimos oito anos, numa prática regular designada por visita “ad Limina”. Antes da partida, a comunicação social veiculou a notícia de que os trinta e quatro prelados aproveitariam a ocasião de se encontrarem com Bento XVI para se queixarem das dificuldades que vêm sentido nas relações com o Governo português e, naturalmente, solicitarem a sua intervenção na defesa do que consideram ser os deveres do Estado para com a Instituição que tão marcadamente com ele colabora nos domínios do social e da saúde.

    Acontece que, depois do encontro dos bispos portugueses com o seu “colega” de Roma, o que deu lugar a tratamento noticioso foram as palavras do Papa na parte que recomendou aos prelados que «é preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma igreja ao ritmo do Vaticano II», ao mesmo tempo que afirmava que «a maré crescente de não praticantes» deve levar os responsáveis diocesanos a uma cuidada avaliação da «eficácia dos percursos de iniciação actuais».

    Perante tais explícitos “recados”, os membros da Conferência Episcopal Portuguesa logo tomaram algumas decisões. Uma delas consiste no estudo da eficácia dos rituais de iniciação, impondo às dioceses a elaboração de relatórios sobre vários campos da pastoral, com ênfase para a catequese, os quais serão posteriormente analisados pela própria Conferência Episcopal. Ouvido sobre o assunto, o professor de Sociologia das Religiões na Universidade Católica, Alfredo Teixeira, emitiu opinião de que a solução para chamar os fiéis à igreja e contrariar a crise de vocações, poderá não passar pelos meios tradicionais de mais padres e paróquias, mas talvez pela criação de unidades mais amplas que as simples paróquias. Tudo somado, para bispos e teólogos, uns relatórios e uma redução de paróquias resolverão os problemas que levaram Sua Santidade a manifestar a sua preocupação relativamente à perda de influência da Igreja Católica no seio da comunidade portuguesa. Não nos parece que a solução passe por aí.

    Enfileirando com os que entendam que a religião católica continua hoje a depender da existência de párocos, dificilmente compreenderemos que em pleno século XXI, na Europa, com uma população bem mais informada e culta que a da Idade Média, a doutrina emanada da religião católica possa ser aceite pelos crentes, de forma sustentada, se transmitida por outros evangelizadores que não os padres devidamente preparados para, adaptando os textos doutrinários originais, os apresentem com mensagens que digam algo que interesse a quem os ouça. E não menos dúvidas temos se, repetindo ciclicamente um dos mesmos leccionários dominicais (A, B, e C) nas missas dominicais, com homilias acentuando o lado profético e milagroso dos textos, se capte a atenção de quem já os escutou durante muitos anos, tantos que para a maioria, a mensagem já não constitui novidade e, consequentemente, não provoca curiosidade de mais uma vez lhes prestar atenção. Resultado? É cada vez menos a frequência nas missas dominicais e, dos que nelas participam, raros são os jovens e não mais os crentes do sexo masculino.

    Naturalmente que, tal como os mais preparados e responsáveis religiosos, não temos a solução mágica para que as igrejas voltem a encher-se de fiéis, mas temos a convicção de que, ou mudamos radicalmente de atitude, ou não devemos esperar resultado diferente do que, a médio prazo, os padres católicos sejam coisa do passado e as igrejas se apresentem como os conventos e mosteiros actualmente: desertas.

    Diz o poeta que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», como há dias um cónego da diocese de Lisboa lembrava numa homilia dominical. A Igreja Católica é demasiado lenta em alterar as suas práticas para se manter em linha com as mudanças operadas na sociedade civil. Já foi assim no século XVI, aquando do cisma provocado pelas teses de Martinho Lutero, clérigo alemão que chegado a Roma se escandalizou com o luxo da cúria romana e com o “comércio” da venda de indulgências para custear a construção da nova basílica de S. Pedro. Entrando em ruptura com a hierarquia, questionou, entre outras coisas, a autoridade do Papa, a missa em latim, o celibato dos sacerdotes e o culto dos santos, vindo a casar-se com Katharina von Bora e a instituir um movimento religioso que deu lugar ao protestantismo. Igrejas sem santos começam agora a aparecer, como acontece no santuário dedicado ao Coração de Maria, na freguesia dos Carvalhos, inaugurado dia 11 de Novembro pelo cardeal D. José Saraiva Martins, adjunto do Papa Bento XVI, enquanto que missa na língua nativa, só surgiu em finais da década de sessenta do século passado, em resultado do Concílio Vaticano II.

    De todas as alterações, a que se vai revelando mais urgente para a continuidade do culto da Igreja Católica, passará por acabar com o celibato dos padres, obstáculo que provoca que num país, e num tempo, onde abundam candidatos a cursos superiores, sem conseguirem vagas, os seminários estejam desertos. Não estaremos a viver o tempo dos responsáveis da Igreja Católica se interrogarem quanto ao que deve ser feito para assegurar a existência de padres em número e em qualidade que garantam o serviço religioso que os crentes solicitam e a manutenção da Igreja Católica exige? Estarão os esclarecidos bispos convencidos que voltarão a recolher as ovelhas tresmalhadas com apenas mais alguns relatórios e encerramento de umas tantas igrejas, ou supressão de algumas ou muitas paróquias?

    Reafirmamos que não temos solução milagrosa para o problema que preocupa o Papa e os bispos portugueses. Mas temos uma certeza: se algo de muito diferente não for experimentado, a prática da religião católica será cada ano menor que a do ano anterior e, quando acordarem, já outros ocuparam o espaço que durante milénios fora reservado aos sucessores dos apóstolos de Jesus Cristo. A inércia não é boa conselheira.

    Conjuntamente com o acabar do celibato, que como se sabe não é dogma nem tem bases escriturísticas, intui-se urgente e recomendável que a hierarquia derrube a barreira que impede as mulheres de frequentarem o seminário e de serem ordenadas presbíteras, abandonando-se definitivamente a discriminação dos sexos na prática de todos ou da maioria dos actos de culto, acompanhando, assim, a sociedade civil que evoluiu nesse sentido. Muitos se recordarão que frequência do ensino universitário, exercício de magistraturas judiciais, elemento das forças militares, paramilitares e policiais, eram actividades exclusivas dos homens. Hoje, o sexo feminino está presente em todas estas áreas e, em algumas, maioritariamente.

    Saibam os titulares da hierarquia da Igreja Católica atempadamente perceberem os sinais dos tempos, saindo das sacristias na defesa do “rebanho”, aproveitando, igualmente, as homilias dominicais para enriquecer e actualizar a catequese e informar os crentes dos conteúdos das encíclicas papais e das notas pastorais dos bispos, provocando nos participantes das eucaristias o interesse e curiosidade em ouvirem ensinamentos novos e úteis às suas vidas de cidadãos livres e cultos. Caso contrário, continuará a decadência.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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