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    Arquivo: Edição de 15-05-2007

    SECÇÃO: Crónicas


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    Limbo

    Ao tomar conhecimento do novo dogma sobre o Limbo – estado em que permanecerão as almas dos que morrem sem baptismo, antes do uso da razão (anjinhos) – feita por Bento XVI, recordei o culto das almas.

    Haver uma localidade de Portugal de nome Purgatório lá para os lados de Albufeira, no reino dos Algarves, é sinal da importância do culto das almas. Os caminhos transmontanos-durienses estão (estavam) povoados de "monumentos" às alminhas. Nas pedras graníticas ainda se colocam flores, e vêem-se ranhuras de introdução de moedas. O morto ou morta, abatidos nesse caminho ou encruzilhadas, tinham direito a uma prece.

    Quem não rezou, após o terço das longas noites de Inverno transmontano, pelas almas do Purgatório?

    Após as orações aos familiares e amigos, chegava-se às das Almas do Purgatório, principalmente as mais abandonadas! Seguia-se a Salvé-Rainha, dita em pé, antes da liberdade de movimentos para a pequenada! O primeiro a saltar do escano era comigo!

    Numa sala existia um quadro envidraçado das almas do Purgatório. Como era o mais novo dos irmãos, recebia os ensinamentos, como se fosse chamado à lousa da escola, onde se faziam as contas.

    Via no quadro das almas uma espécie de banda desenhada, pois a Maria Elisa fazia-me imaginar as figuras a libertarem-se do fogo do Purgatório. Quando voltávamos aos exercícios, tinha que ouvir:

    – Vês, vês!, depois das rezas, já estão mais afastadas do fogo!

    Ia à parede, meter o nariz na representação e, não sei se era pelo reflexo do vidro, imaginava e dizia:

    – Anda cá ver!… estão mais perto do Céu!

    A figura austera do anjo julgador, de balança na mão e rodeado de nuvens, pesava as alminhas sacrificadas, pois, como diria o Dr. Medina, passados anos:

    – As que não se salvam vão rechinar no Inferno!

    À Lúcia, a leccionar numa Escola Preparatória de Nova Lisboa (Huambo), nasceu-lhe uma segunda filha. Com a anuência do marido, resolvera dar-lhe o nome de Zoraima!

    Qual o que?, correu as Conservatórias do Registo Civil de Angola, e nenhuma aceitou o nome - não constava das listas, pronto!

    O que pensou a Lúcia, nascida e criada numa aldeia vinhateira do Douro, acordar o marido de sobressalto pela madrugada, dizendo:

    – Afonso, vamos à Missão de S. Vicente baptizar a menina. Está tão mal que pode morrer e não vai para o Céu. (mentira piedosa).

    A noite luminosa e cálida da Missão Católica foi perturbada pelo aparecimento de um carro a buzinar e uma mãe, com um bebé muito embrulhado, quase a chorar, a acordar o Frei António, para implorar:

    – Baptize a minha filha! …

    Frei António abriu a capelinha. E quando deitou a água-benta na cabecita da Zoraima ficou tranquilo. Só no registo do acto é que proferiu:

    – Zoraima?! Porquê?

    – É bíblico!

    No outro dia, a Lúcia entrou "triunfante" na Conservatória do Registo Civil, mostrou a certidão do baptismo da Missão, e conseguiu o registo civil da filha!

    Por: Gil Monteiro

     

     

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