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    Arquivo: Edição de 30-10-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    Duas novidades

    O agricultor do Douro anda sempre com o credo na boca», dizia o avô Ferreira, passeando entre os bardos das videiras, e apalpando os cachos floridos, na época do “desenfarnar” da vinha. Se o tempo ia de feição haveria boa polinização e os cachos de flores transformar-se-iam em cachos de uvas.

    O Rui, neto do Ferreira, que o acompanhava nos trajectos pela quinta de Provesende, sempre ouvia:

    Ando aflito nesta época do ano. Se há muito vento ou chuva lá se vai a novidade (colheita)! Outro perigo é o míldio e o oídio; estando atento ao calor e humidade, podem ter cura. O mesmo não acontece quando os bagos se apresentam com “farinha” ou se “queimam”, depois do pintor! ? O Rui ouvia e dava trato à imaginação:

    «Tanta praga na vinha?! Salvar a novidade?! A vindima podia ser má!...».

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA
    A vida duriense girava à volta da novidade e da venda do vinho (não incluía as hortaliças, azeite ou frutas). Nem sempre era um ano “vintage”: podia haver desavinho, queima e trovoadas; e lá se ia a colheita às malvas. Se, nos anos de fome, as crianças comiam malvas dos muros, o agricultor deixava de ir ao Porto fazer compras para o novo ano agrícola.

    O Sequeira, nascido em Soutelo do Douro, após a Instrução Primária, tentou novos estudos no Colégio de Vila Nova de Foz Côa. Como a vontade de estudar era pouca e a saudade da família era muita, regressou à vida airada da aldeia, tornando-se perito em armadilhas aos coelhos e perdizes; e, antes de assentar praça (tropa), foi para a cidade do Porto como marçano da Casa Confiança, da Rua de Santa Catarina. Como o regressar a Soutelo, a ajudar o pai na redra das vinhas, não era futuro, tirou a carta de condução, passando a vendedor de automóveis da Ford. Foi vendedor, em stand da Rua Formosa, durante muitos anos, tendo começado cedo, pois teve a sorte de um tio coronel o livrar da tropa!

    Pensando no aproximar da reforma, com o dinheiro da venda da herança do Douro, comprou um 4º andar, num prédio da Rua de Costa Cabral.

    Ano após ano, foi-se apagando o desejo de regressar a Soutelo, aquando da aposentação. Em alternativa ao meio rural, transformou a marquise em quintal agrícola! Em vasos e mais vasos, alinhados a preceito, começou a plantar tangerineiras, uma laranjeira, uma figueira e, até, uma cerejeira! O cuidar das plantas passou a ser o seu “hobby”. Quando colheu os primeiros frutos fez uma festa! Ao dar a provar as tangerinas, dizia:

    Se Maomé não vai à montanha...!

    O que deu mais no goto do Sequeira? Cultivar cebolas, alfaces, salsa e plantas aromáticas (alecrim); e, este ano, semeou abóboras! Os dois ou três rebentos ficaram raquíticos e, por vergonha, nem os mostrava às visitas!

    Mas, se o Verão foi cálido, impróprio para as abóboras, o Outono está a ser bom, portanto, as aboboreiras arrebitaram trepando ao estendal da roupa, e estão a dar frutos como peúgas a secar!

    Sabendo do acontecimento e tendo ido ao quintal das Antas, onde, desde a vistoria à nogueira, não tinha voltado, o que vejo? Entre a relva crescida, algumas aboboreiras espevitaram dando pequenos calondros! Se o tempo continuar propício, ainda vou ter uma segunda novidade!

    Só na quinta de Provesende é que assistia a duas colheitas, com feijões verdes de estaca e batatas novas na vindima.

    Por: Gil Monteiro

     

     

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