Revolução “ruidosa” na Administração Pública
O primeiro-ministro acaba de apresentar 333 medidas para combater a burocracia e facilitar a vida dos cidadãos e das empresas, enroupadas num programa que dá pelo nome de “Simplex”, elaborado pela Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa (UCMA), credor do apoio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a qual se propõe monitorizar a concretização dos vários projectos por que passará a reforma dos serviços do Estado, com reflexos em algumas áreas das autarquias locais, na medida em que se anuncia legislação que aligeirará a tormenta dos cidadãos, sempre que precisam de entrar em relação com estas entidades.
Das iniciativas planeadas, fazem parte algumas que a concretizar-se, implicarão simplificações administrativas que os cidadãos deverão aproveitar e aplaudir. Com efeito, se no que diz respeito ao diário da república, a substituição do suporte de papel pela via electrónica, o impacto para a generalidade das pessoas pouco se fará sentir, salvo para quem tenha por actividade profissional necessidade de acompanhar permanentemente a evolução legislativa ou os anúncios de publicações obrigatórias, sempre se dirá que, ao disponibilizar diária e gratuitamente o acesso ao “jornal oficial”, o governo contribui para que os cidadãos se defendam melhor da secular questão, de que “a ignorância da lei não aproveita a ninguém”.
Mas há iniciativas anunciadas que merecerão ser mais efusivamente aplaudidas pela generalidade dos cidadãos, tais como: a eliminação da exigência da grande maioria de certidões, a desnecessidade de matricular os alunos que passam de ano e se mantêm na mesma escola, a marcação de consultas médicas em hospitais que passarão a ser asseguradas pelos centros de saúde, e uma outra que simplificará muito a vida dos cidadãos nas suas relações com as autarquias. Estamos a falar do regime simplificado que será criado para licenciamento de obras que, se chegado a bom porto, poderá implicar “enterrar” o actual licenciamento, a apreciação do projecto de arquitectura e a comunicação prévia de obras no interior das edificações, tramitação que será desnecessária para as realizar. Para muitos acabar-se-á os tormentos de mendigar e pagar para realizar pequenas obras nas suas habitações.
SIMPLIFICAÇÃO
SERÁ BEM-VINDA
Toda a simplificação que a execução do programa “Simplex” promova, será bem vinda, na medida em que eliminará muitas canseiras e milhares de horas perdidas nos serviços públicos, locais onde é tradição que se saiba quando lá se chega, mas nunca se poderá prever a hora a que deles se sai e ainda menos, que o assunto que lá nos leve fique resolvido. A este propósito, ocorre-nos dar a conhecer aos estimados leitores de “A Voz de Ermesinde” aquela “máxima” da gíria da função pública que um dia ouvíamos a um amigo: se a coisa se pode complicar, para quê simplificá-la? Um outro pensamento que nos assalta é o pesadelo que esta alteração legislativa provocará em muitos autarcas e funcionários públicos, que deixarão de poder brandir esta arma contra os cidadãos que não lhes sejam partidariamente afectos, ou que não tenham por hábito desembolsar pequenas ou grandes quantias, ou ainda se recusem a visitar determinados gabinetes de advogados, para verem os seus processos a “andar”.
NECESSIDADE
DE CAUTELAS
Como em tudo na vida, este movimento de simplificação que o governo se propõe pôr em marcha, a grande velocidade, encerra em si alguns riscos que, se não forem tomadas algumas cautelas, poderá acontecer deitar-se fora o menino com a água do banho.
Uma delas dá pelo nome de “simplificação preventiva”, ao abrigo da qual todos os actos legislativos passarão a ser avaliados em função do impacto financeiro que as iniciativas terão na administração pública, nos cidadãos e nas empresas, através do teste “custo/benefício”, dependendo a decisão final da conclusão a que se chegue. Sendo o propósito louvável, esperemos que da sua aplicação não resultem decisões que, pelo facto de onerarem as finanças públicas, sejam um entrave intransponível para a manutenção ou melhoria das condições de vida dos visados. Lembremo-nos das declarações de alguns ministros, designadamente, Saúde, Educação e Justiça, para vermos que, efectivamente, se olharmos as coisas apenas pelo ângulo do económico/financeiro, poderemos não contribuir para o bem-estar das populações, bem pelo contrário, regredir nos avanços conseguidos, como é exemplo a retumbante quebra na mortalidade infantil, colocando Portugal em lugar cimeiro na série considerada pela OCDE.
RECEIOS
Quando o ministro da Saúde anuncia o encerramento acelerado de “blocos de parto” em seis cidades, com o argumento de que neles não há movimento que justifique a sua existência, sendo um deles, o de Barcelos, que Marques Mendes diz que serve anualmente um número de utentes superior a um hospital da cidade do Porto, é caso para recear que as parturientes de Barcelos, Santo Tirso, Oliveira de Azeméis, Amarante, Figueira da Foz e Elvas passem a correr um risco agravado no sucesso das suas gravidez. Isto para além do desconforto que o transporte sempre implica e a distância das suas famílias agrava, para não falarmos do que poderá vir a acontecer em Elvas, com o “empurrar” das grávidas para os serviços de saúde da vizinha cidade espanhola de Badajoz. Já entregamos aos espanhóis o melhor das empresas que tínhamos, agora propomo-nos contribuir para a rentabilidade das suas unidades de saúde.
Pelo lado da ministra da Educação, o encerramento de largas centenas de escolas do primeiro ciclo, a grande maioria também situada no que se convencionou designar por “Interior”, também não augura nada de bom para a redução do insucesso escolar e para a interrupção da desertificação do mesmo “Interior”. Se aos decisores se impusesse que os seus filhos, alunos do primeiro ciclo, passariam a sair de casa manhã cedo, para regressar já muito tarde, sofrendo pelo meio as agruras de um transporte incómodo e frequentemente pouco seguro, e de largas horas à espera da chegada ou partida, seria caso para se dar um “doce” a quem assinasse a aplicação da medida.
Quanto ao ministro da Justiça, esperemos que as impetuosas simplificações não desagúem num calvário para os incautos que de boa fé intervêm nos negócios sem a segurança de um título produzido por entidade investida na função de assegurar a legalidade dos instrumentos, a pretexto de que já não é necessário a escritura pública para provar que certo bem foi adquirido em determinadas condições. De um ministro que se julga admitir que em próxima revisão do Código Penal se deveria “livrar” os políticos de serem julgados em tribunais de primeira instância, como qualquer outro cidadão, será prudente estar atento às suas propostas.
SUGESTÕES
Não fiquem dúvidas, porém, de que estamos do lado dos que desejam total sucesso para as medidas anunciadas, que certamente provocarão uma salutar “revolução” nos procedimentos da Administração Pública, implicando menos incómodos para os cidadãos, menor burocracia e, consequentemente redução de custos da respectiva “máquina”. Sugerimos, por isso, que imediatamente se encarregue a UCMA de avaliar os procedimentos, os custos/benefícios e reais necessidades de pessoal da Presidência da República, Assembleia da República, Governo e Autarquias, na firme convicção de que concluirá pela redução do número de ministérios e secretarias de estado, deputados e autarcas em regime de permanência, a que se deverá juntar os muitos e caros “séquitos”, medidas que conduzirão a elevadas economias para o erário público, sem quaisquer perdas de eficácia das instituições. Já que se começou, e bem, continuemos a “cruzada”, a bem de Portugal e dos portugueses.
Por:
A. Alvaro de Sousa
|