Fernando Nobre, presidente da AMI
«Entre a satisfação e a frustração»
Vive, ao que diz, entre «a grande satisfação e a frustração». É, sem dúvida, um homem de convicções. Mas também e sobretudo, um homem de acção. A prová-lo está a AMI – Assistência Médica Internacional –, uma organização humanitária com chancela nacional que há muito galgou fronteiras. Fernando Nobre, médico e mentor da reconhecida instituição passou pelo Porto. E entre a chegada do Afeganistão e a partida para a República Popular do Congo, com o check-in à espera, Fernando Nobre dispensou uns parcos minutos para falar da AMI e de si. Aqui fica, obrigatoriamente breve, o registo da brevíssima conversa.
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Fotos MANUEL VALDREZ |
Natural de Angola, com ascendência em Távora, no Douro, Fernando Nobre, presidente da AMI, provém de uma família de protestantes que no século XVIII foi obrigada, por perseguição religiosa, a fugir de França para a Holanda. Passou 20 anos em Bruxelas, grande parte deles a estudar. «Levei 16 anos para me formar», diz, com um sorriso a aflorar os lábios. E explica: «Foram sete de liceu, cinco de Cirurgia Geral e mais quatro de Urologia». Depois….
Depois, corriam os anos 70 e Fernando Nobre “chocava”, de frente, com os "Médicos sem Fronteiras". A partir de então, sentido o apelo das missões humanitárias, «não segui a auto-estrada da minha vida, não fui catedrático em Bruxelas e criei o meu próprio carreirinho». A que deu o nome de AMI – Assistência Médica Internacional, uma Organização Não Governamental (ONG) com fins humanitários e mundialmente reconhecida, fundada em Dezembro de 1984, aquando do seu regresso a Portugal.
Hoje, com 54 anos, 4 filhos – dos 9 aos 24 anos – Fernando Nobre diz-se «o chefe de uma pequena orquestra». Que não é, afinal, tão pequena quanto isso: a AMI conta, nos seus quadros, com 170 funcionários, para além de 300 voluntários. Em Portugal, dispõe de dois centros de abrigo nocturnos, no Norte (Porto e Gaia). Há mais sete centros “Porta Amiga” em funcionamento: cinco na Área Metropolitana de Lisboa, dois em Coimbra, um no Funchal, um em Angra do Heroísmo e um em Ponta Delgada. No total, são dez os equipamentos sociais no país – e que passarão, em breve, a treze.
Mas a AMI há muito que passou fronteiras, tendo mesmo conseguido ser considerada como a melhor ONG. Participou já em missões humanitárias em 57 países, estando actualmente presente em 24, com equipas próprias, a financiar obras através de parcerias locais – caso recente do Afeganistão, onde deverão ser investidos 18 mil contos para a criação de um orfanato e uma escola.
Agora, entre uma e outra viagem – chegado do Afeganistão, Fernando Nobre nem tempo teve de desfazer as malas, já aviadas para a República Popular do Congo – não esconde a satisfação pela obra feita.
"ESPÍRITO
DE MISSÃO"
Crente numa qualquer entidade – "Deus, Jeová, Alá, Luz, chamem-lhe o que quiserem, eu acredito em algo superior e acredito no espírito de missão» – Fernando Nobre sente-se, não poucas vezes, revoltado. Com as muitas «guerras feitas em nome de Deus, do Bem contra o Mal» – «afinal, todos nós temos uma quota-parte da culpa», refere – com o Protocolo de Quioto que, relembra, «não está a ser cumprido», com a condição sub--humana de «1/3 população mundial a viver abaixo do limiar da pobreza». O médico fala de um «patamar de valores humanamente correctos», tantas vezes subvertido, aponta o dedo aos “poderes” que não bastas vezes se não coíbe de afrontar já que, ao invés de ajudarem, complicam…
«Não viajo para salões VIP's, para hotéis, para gabinetes de ministros», afirma Fernando Nobre, desafiando os cépticos: «A quem acha que vendemos banha da cobra, só respondo: venham ver».
Com participação activa em missões a que já quase perdeu a conta, nos cinco continentes, o médico missionário admite que houve três que o marcaram indelevelmente: Chade, em 81, o Líbano, em 82 e o genocídio do Ruanda, em 94. «Em qualquer delas, a população foi uma vez mais a grande vítima».
Inúmeras vezes e durante longas temporadas ausente do país, Fernando Nobre tratou de consolidar, ao longo de duas décadas de vida, as “grandes traves mestras” que dão corpo à AMI. «Sei que posso confiar em todos e em cada um dos meus colaboradores. Por isso, estou tranquilo».
Tranquilo também porque cumpriu (e superou) a velha máxima: já fez um filho – (quatro, por sinal) –, já plantou uma árvore, já escreveu um livro. Só espera poder ainda realizar um velho sonho: «construir um hospital em África, talvez na Costa do Marfim, quem sabe…». E, quem sabe, também, "continuar a caminhada até ao fim, com honestidade e dignidade", fazendo jus à ideia que desde sempre elegeu como sua:
«A favor de todos, contra ninguém».
Por: Emília Trindade
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