SECÇÃO: Crónicas

O cavalo que queria ser famoso

Era uma vez um cavalo de um capitão, que viveu em Pádua, há mais de 500 anos. Certo dia, quando ia ser ferrado, entrou um ladrão no recinto. Ao vê-lo empunhar um ferro, o cavalo assustou-se e pregou um valente coice no assaltante, que foi abater-se contra um muro. O ferrador, muito agradecido, disse ao cavalo:

- Vou cravar-te esta ferradura, que me deu um génio. Quando estiveres aflito, raspa-a no chão e diz três vezes: Hihihipoho.

Um dia, em grande galope numa batalha, o cavalo estatelou-se com uma pata partida. Lembrou-se logo da ferradura mágica; escarvou o chão e disse três vezes “Hihihipoho”. Encontrou-se, de repente, numa clareira e viu um génio, que era homem da cintura para cima e cavalo da cintura para baixo.

- Que ajuda precisas, cavalo? - perguntou o centauro.

- Parti uma pata e quero que me salves de ser abatido.

O génio sacudiu a cauda três vezes e o cavalo ficou curado.

- Ainda tens dois pedidos - disse o mago. Usa-os bem!

Uns tempos depois, passou o cavalo no adro da basílica de Santo António e pôde admirar a estátua equestre ali erguida. O cavalo de bronze era tão possante, que parecia ser ele que dirigia o cavaleiro. Um pombo que andava por ali elucidou-o:

- O cavalo, não sei, mas o cavaleiro é o grande comandante Gattamelata, esculpido pelo famoso Donatello.

O nosso cavalo ficou tão impressionado com a majestade da estátua que resolveu dedicar o resto da vida a servir alguém famoso, para ser retratado com ele para a posteridade. Raspou com a ferradura mágica no chão e disse três vezes “Hihihipoho”. Viu-se logo na clareira do génio-centauro.

ILUSTRAÇÃO @RODOLFO.BISPO77

- Olha que este pedido te pode fazer falta - ralhou o génio.

- Eu quero ser retratado em bronze; nada mais me interessa!

- Leonardo da Vinci é um artista prometedor a quem muitos poderosos já recorrem. Queres ficar ao seu serviço?

O cavalo relinchou agradecido e, pouco depois, achou-se em Milão, na cavalariça de Leonardo. Estava este a arquitetar uma estátua equestre gigantesca, para a corte dos Sforza. O nosso cavalo foi medido a rigor, imaginando já, retratada em escala monumental, alguma parte do seu corpo. Infelizmente, o bronze foi necessário para fazer canhões e o projeto foi abandonado.

Muito triste com o malogro, o nosso cavalo escarvou outra vez o chão, disse três vezes “Hihihipoho” e choramingou:

- O projeto de Milão fracassou. Estou desesperado.

- Não te prometo nada, mas, se te mantiveres sempre perto de Leonardo, estou convencido de que acabarás por ter êxito.

Assim, foi o nosso cavalo parar a Florença, onde Leonardo pintava o mural de uma batalha, no salão nobre do palácio do governo. Durante longos dias, posou o cavalo para Leonardo, mas este começou a ser solicitado para trabalhos mais bem pagos, de modo que a pintura da batalha não chegou a ser concluída.

O nosso cavalo ficou muito desanimado, mas, quando pensava que era o mais infeliz dos equinos, sobreveio o pior: o seu artista, o homem a quem tinha dedicado tantos anos de sacrifício, em poses longas e difíceis, tencionava abatê-lo para lhe estudar o esqueleto, os nervos e os músculos. Entrou em pânico:

- Hihihipoho. Hihihipoho. Hihihipoho.

- Porque me

(...)

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Por: Joaquim Bispo