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    Arquivo: Edição de 18-06-2014

    SECÇÃO: Património


    TEMAS ALFENENSES

    A agra de Azevido e os caminhos «não centenários» ou «não estruturantes» de Alfena

    «Na agra de Azeuido huma leirinha que corre de norte a sul e tem de comprido do d.º norte ao sul trinta e coatro uaras e de largo de nasente a poente dezassete uaras e está de mato e tem alguns sobreiros nouos e uelhos, leuará de sameadura alqueire e coarta de senteyo, tem pela p.te do nasente hum marquo que a deuide de outra leira de Bento fernamdes de Cabeda e da p.te do poente parte com a estrada do Porto e do norte com S.to Tirso e do sul com o Ribr.º de Azeuido.»

    Juíz Cristóvão Alão de Morais, em 11 de junho de 1689.

    Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena

    A AGRA DE AZEVIDO NOS ANOS DE 1960 (RETIRADA DE «ALFENA, A TERRA E O SEU POVO»
    A AGRA DE AZEVIDO NOS ANOS DE 1960 (RETIRADA DE «ALFENA, A TERRA E O SEU POVO»
    Vem este artigo a propósito da gritante e recorrente falta de conhecimentos históricos e geográficos dos nossos autarcas a qual, no caso da agora Cidade de Alfena, tem assumido proporções inimagináveis e trazido consequências desastrosas.

    O recente “processo dos limites” é um bom exemplo disso.

    Como já referimos em artigos anteriores, os limites da freguesia de Alfena estão perfeitamente definidos em variados documentos históricos, alguns dos quais datados da Idade Média, mas sobretudo na descrição que foi efetuada, por ordem de D. Pedro II, pelo Doutor Cristóvão Alão de Morais, corregedor do cível e desembargador da Relação do Porto, descrição essa transcrita para o Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena, documento existente no Arquivo da Universidade de Coimbra.

    A descrição atrás referida foi transcrita, na sua grafia original, pelo Pe. Domingos Moreira, na sua obra “Alfena – a terra e o seu povo”, datada de 1973, e ainda, numa grafia modernizada, pelo Pe. Januário dos Santos, na obra “Alfena – ontem e hoje”, de 1984.

    Mesmo admitindo que os documentos atrás referidos não fossem conhecidos, uma qualquer pessoa de medianos conhecimentos que olhasse para a geografia local, com alguma facilidade saberia os limites, uma vez que, tratando-se, na sua maioria, de limites naturais, bastaria seguir as cumeadas dos montes que circundam os vários lugares que historicamente constituem Alfena, para lá chegar…

    Pese embora esses factos, na Primavera de 2000, nos trabalhos preparatórios dos Censos 2001, alguém inventou uns limites, totalmente estapafúrdios, que mais tarde seriam assumidos por «oficiais» por um organismo da Administração Central do Estado que tem por função, entre outras, de proceder ao levantamento dos limites administrativos dos municípios e freguesias portuguesas.

    Criado o imbróglio, e sem a menor perspetiva de que os nossos autarcas conseguiriam resolver a questão, a AL HENNA procurou colocar a discussão no único plano onde ela seria efetuada de forma séria, e esse é o plano dos documentos históricos. Julgamos que o conseguimos e, depois de algum trabalho, as várias freguesias envolvidas chegaram a um acordo que, embora não corresponda aos exatos limites historicamente definidos no Tombo de 1689/90, em nossa opinião, aproxima-se daqueles de forma satisfatória.

    No entanto, vários meses depois do tal acordo, o facto é que o processo parece ter sido esquecido numa qualquer “gaveta”, sem que os nossos responsáveis autárquicos mostrem algum interesse em alterar esse status quo. De facto, parecem bem mais interessados na angariação de votos, em eventos “folclóricos” de efeitos certos a curto prazo, continuando, dessa forma, a história e as tradições de Alfena a serem maltratadas…

    E a comprovar isso mesmo estão as recentes declarações do senhor presidente da Junta, no decorrer da última sessão da Assembleia de Freguesia de Alfena, a propósito do corte do trânsito na designada Rua do Rego, no âmbito das obras que estão a ser realizadas pela Câmara Municipal debaixo do viaduto da A41, no coração da nossa cidade. Disse o autarca, perante uma sala razoavelmente preenchida, que «o caminho não era centenário» e, mais à frente, que «o caminho não era estruturante».

    De facto a atual Rua do Rego, que mais corretamente se deveria designar de Rua de “Azevido” ou da “Agra de Azevido” (infelizmente, trata-se de mais uma incorreção da toponímia alfenense que considera o Ribeiro de Azevido, afluente da margem esquerda do Leça, um mero “rego”) não será só um caminho centenário, como muito provavelmente será mesmo milenar, por se tratar de um troço da estrada medieval que ligava Portucale a Vimaranes (as modernas Porto e Guimarães).

    Esta estrada medieval que vinda do Porto, entrava em Alfena pelo Reguengo de Cabeda, muito provavelmente pela moderna Rua do Sobreiro, atravessando toda a Agra do Reguengo de Cabeda e transpondo a Ribeira de Cabeda na ponte do Arquinho (nas traseiras do moderno recinto da Senhora da Paz) e seguindo depois pelas modernas travessa e rua Agra da Seara e rua do Castanhal, em direção ao Casal de Cabeda. Este troço, provavelmente devido aos constantes alagamentos provocados pela proximidade do Leça e da Ribeira de Cabeda, foi posteriormente afastado ligeiramente mais para sul, para a encosta da Serra do Reguengo e, por alturas do Tombo de 1689, entrava em Alfena pelo monte das Poças (moderna travessa de São Vicente), seguindo depois um trajeto próximo das modernas rua de São Vicente, travessa da Ermida, rua Central do Reguengo, travessa do Castanhal, onde atravessava a vau a Ribeira de Cabeda, entroncando depois no caminho antigo (na moderna rua do Castanhal). Daí seguia pelo Casal de Cabeda (modernas rua do Castanhal e Nossa Senhora da Conceição) em direção à Igreja de São Vicente de Queimadela (ou de Alfena), pelas modernas ruas da Curpilheira e de Aldeia Nova, atravessando a Agra de Azevido pela moderna Rua do Rego e seguindo depois por um trajeto mais próximo do Leça que a atual estrada nacional, passando pelas traseiras da atual sede da Junta de Freguesia, contornado o sopé do monte de Santa Margarida e desembocando na moderna rua de São Lázaro, atravessando o Leça na “Ponte de Alfena”, junto à Gafaria.

    Daqui continuava pela moderna de rua de São Lázaro (a “Rua de Alfena”, como era conhecida e que originou o moderno topónimo do lugar da Rua) até ao Belido (e não Bolido – outra corruptela da nossa toponímia), atravessando depois o Rossio da Codesseira, entretanto quase totalmente desaparecido devido a privatizações, até ao Outeirinho, seguindo pelas modernas ruas do Outeirinho, das Alminhas e do Xisto, atravessando o lugar da Lagoa pelas modernas ruas da Gandra e da Lagoa (de notar que a ligação era feita por um trajeto entretanto parcialmente desaparecido), descendo depois pela moderna rua do Ribeiro, atravessando o Ribeiro de Covas e seguindo pela Portela Alta em direcção a Guimarães.

    Posteriormente, o trajeto sofreu outra alteração na parte sul, passando a “Estrada Real” (também designada de “Quelha da Raínha”) a entrar em Alfena pela Agra de Monforte, seguindo depois pelo Alto das Corgas, atravessando as “Parcerias das Telheiras”, passando junto ao Portal das Telheiras e seguindo pela Várzea até chegar ao Lugar de Alfena pelo lado de Baguim (daí o topónimo de “Rua Nova de Alfena” que ainda hoje existe).

    A citação inicial deste artigo foi retirada do Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena, sendo a descrição de uma leira que compunha os passais da Igreja que se encontravam emprazados em 1689. Trata-se de um terreno da Agra de Azevido, hoje atravessada em viatuto pela A41, que confrontava a sul e poente com o Ribeiro de Azevido e estrada (daí facilmente localizável ainda hoje) e a norte e nascente com terras pertencentes ao Mosteiro de Santo Tirso e uma outra leira de Bento Fernandes, do lugar de Cabeda.

    Depois de toda a trapalhada que foi o “processo dos limites” e depois do verdadeiro atentado ambiental perpetrado na Fonte da Prata e das tentativas para fazer o mesmo no Fojo, no Montenegro e em Chãos, vir considerar um troço da antiga estrada Porto-Guimarães, que atravessava toda a freguesia e permitiu que o lugar de Alfena assumisse preponderância sobre os restantes, como um mero «caminho» sem significância, diz tudo sobre o entendimento que os nossos responsáveis autárquicos têm da defesa do nosso Património comum.

    A História de Alfena, as suas tradições e património requerem estudo e conhecimento, também requerem razoáveis conhecimentos de base cultural nas áreas mais diversas, mas requerem acima de tudo aquilo que qualquer um pode ter, muita sensibilidade, muita paixão e muito amor pela nossa terra. Um bom autarca não tem de saber tudo, mas pode e deve recorrer a quem sabe e ter presente que os erros cometidos hoje podem não mais ter remédio e que quem assume uma postura autista relativamente a assuntos patrimoniais e históricos, pode fazer infligir nas gerações vindouras situações irreversíveis.

    Os alfenenses não o merecem. A AL HENNA quer e pode ajudar nesta e noutras matérias. Os alfenenses podem contar com esta associação.

    Por: Ricardo Ribeiro - Al Henna

     

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