O duplo castigo
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Pintura PAULA REGO |
Porque punir duas vezes a mulher que faz um aborto clandestino?
Haverá maior sofrimento, físico e psicológico, que um acto que normalmente é realizado porque não há condições efectivas de criar uma criança com o mínimo de dignidade?
Sim, porque quem o pode fazer em segurança não arrisca nem a vida nem é chamada de criminosa.
É esta hipocrisia de quem tem dinheiro e conhecimentos sobre os métodos contraceptivos, para quem a vida é fácil e por vezes dupla, que é capaz de acusar uma mulher, quantas vezes sem capacidade económica, mental, de afecto ou qualquer espécie de formação e sensibilidade para criar uma criança que me revolta.
Mas uma coisa é certa: quem sou eu para julgar os outros?
Cada caso é um caso e o que importa é compreender o que nos coloca o próximo referendo: SIM OU NÃO À DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ DENTRO DAS DEZ SEMANAS?
Li hoje com muita atenção o artigo de Frei Bento Domingues publicado no “Público”, com o qual me identifico plenamente.
E apetece-me dizer como ele: «(...) Eu, incompetente me confesso». Na verdade sei que, por formação, temperamento, forma de estar no mundo, à partida não tinha força ou capacidade moral para o fazer mesmo numa situação limite, mas nunca se sabe onde está essa barreira, esse limite…
De qualquer forma, quem sou eu para julgar?
Uma coisa é certa, sou capaz de entender o sofrimento dessas mães sem meios económicos, sem informação médica que as acompanhem, que arriscam a vida ou a sua saúde porque têm consciência da sua incapacidade para criar uma criança com dignidade.
E volto ao artigo de Frei Bento Domingues, onde se pode ler: «(…) O "sim" à despenalização da interrupção voluntária da gravidez dentro das dez semanas é contra o sofrimento das mulheres, redobrado com a criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, da cultura do aborto».
«(...) É saudável, é normal que a lei de um Estado laico não tenha que estabelecer o que é bem e o que é mau sobre o ponto de vista religioso».
Nesta perspectiva, eu penso que o acto de votar no dia 11 de Fevereiro é algo de muito pessoal, que não se pode confundir com políticas de Estado ou de partidos, mas da consciência de cada um.
O que se vai votar é se neste país as mulheres podem optar por um aborto até às dez semanas, com acompanhamento médico que as ajude a fazê-lo de uma forma esclarecida, mais consciente, sem medos nem riscos para a sua saúde, ou se, pelo contrário, achamos que a lei que existe é boa e não é necessário mudar nada …
Por:
Fernanda Lage
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