Tempo de outono
É no outono que se prepara o inverno – fazem-se as colheitas, armazenam-se os cereais e o vinho, guarda-se a lenha, preparam-se compotas, marmeladas e licores para adoçar as noites de inverno.
Há séculos que é assim, o tempo organizado segundo um calendário que se repete de acordo com a posição do sol e da lua em relação à terra.
E mais uma vez é outono, alguns ainda cumprem estes rituais de guardar e conservar produtos para consumir ao longo do ano, vão às feiras de S. Miguel e das colheitas que se repetem pelo país, fazem a marmelada, compotas e conservas, cada vez menos e por diferentes razões, o mundo mudou nos últimos tempos, rápido demais para o meu gosto, mas é neste mundo que vivemos e com o qual temos de lidar.
Hoje dizem os sociólogos que vivemos numa sociedade capitalista de consumo, mas esta forma de viver não foi sempre igual e o próprio consumismo também apresenta variantes.
Gilles Lipovetsky, professor de Filosofia na Universidade de Grenoble considera três fases no chamado capitalismo de consumo.
O primeiro ciclo surge no século XIX e termina na Segunda Guerra Mundial: Corresponde ao período de desenvolvimento da revolução industrial, caracterizado pelo aparecimento dos grandes mercados e armazéns, o desenvolvimento de infraestruturas modernas de transportes e de comunicação, caminhos-de-ferro, telégrafo, telefone, que permitem o desenvolvimento do comércio em grande escala.
O segundo ciclo inicia-se no Pós-Guerra, por volta de 1950, e é muitas vezes apelidado de «sociedade da abundância»:
Corresponde a um período de um grande crescimento económico, de um certo modo a uma democratização do poder de compra de bens como o automóvel, televisão, aparelhos eletrodomésticos. Com a generalização do crédito a maioria das pessoas passou a adquirir bens independentemente das suas posses.
 |
"OUTONO" PINTURA ARCIMBOLDO |
No entanto este tempo da «felicidade paradoxal atrai soluções igualmente paradoxais. Precisamos, claramente, de menos consumo, entendido como imaginário proliferante da satisfação, como esbanjamento de energia e como excrescência desregrada dos comportamentos individuais.
(…) Precisamos igualmente, sob certos aspetos, de mais consumo: para combater a pobreza, para auxiliar os idosos e oferecer cuidados de saúde melhores às populações, para utilizar melhor o tempo e os recursos, para nos abrimos ao mundo». (1)
Terceiro período com início nos finais da década de 70:
Gilles Lipovetsky chama-lhe «sociedade do hiperconsumo com que caracteriza os novos comportamentos, ostentatórios, consumistas, vorazes, hedonistas».
Paralelamente a este hiperconsumo surgem muitas críticas e uma nova classe social de hiperconsumidores preocupados com a ética!...
São muitas as contradições em que vivemos neste mundo, nesta Europa, neste país. Ainda há dias o próprio Governo caiu nesta esparrela. Foi-nos pedido que poupássemos e agora lamentam que a economia decline …
Penso que ainda vai levar algum tempo para que surjam novas maneiras «de produzir, de efetuar trocas, mas também de avaliar o consumo e de pensar a felicidade». (1)
E é no meio destas contradições que encontramos uma crise económica e financeira que para ser ultrapassada e aportar em bom porto terá que encontrar uma outra forma de viver em sociedade.
Eu por mim continuo a fazer o meu outono, a apanhar lenha, caruma e pinhas, nozes, avelãs, castanhas, marmelos e rosa brava.
(1) Lipovetsky Gilles, “A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo”, Edições 70, LDA Junho de 2010.
Por:
Fernanda Lage
|