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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    Pai

    O José Rui era o mais novo de cinco irmãos. Era o ai-jesus duma casa de lavradores transmontanos remediados. Recebia paparicos de toda a gente, mas mais do que todos os da avozinha – viúva a viver no mesmo lar. Quando nasceu, a mãe já tinha quarenta anos. A lida da casa, o cultivo das terras, o tratamento do cavalo, junta de bois e a cabra morinha tomavam-lhe muito tempo, portanto, o benjamim da família foi quase criado pela avó. As dependências eram tais que a avó era a mãezinha, assim apelidada por si e pelos irmãos. A mãe era a mãe!

    O pai era mais novo que a mãe, já viúva quando casou. O primeiro marido deixou-a grávida, em meio ano de casamento, e foi à procura da árvore das patacas para o Brasil; onde faleceu de acidente, quando começava a mandar uns patacos para a compra de leiras e lameiros na Tenaria.

    Quando o António Augusto, filho de boa-gente, jovem livre do serviço militar, resolve casar com a viúva, já com um filho a ir para a Mestra, deixou toda a gente de boca aberta! Iria dar certo? O Augusto, pouco dado a trabalho das terras, e a Ana Augusta, habituada à precoce viuvez, iriam ser felizes? Foram, infelizmente, durante poucos anos. Pois, como direi, o José Rui ficou órfão de pai aos seis anos!

    O pai do pequeno passou a viver na Tenaria, e surpreendeu os mais cépticos. Como os trabalhos agrícolas não o motivavam, montou uma taberna! Vendia desde o vinho ao copo, ao arroz ou bacalhau; fósforos, tabaco e petróleo! Era mais que uma quitanda das antigas.

    Na porta do estabelecimento, ocupando a loja duma típica casa granítica de perpianho com escadas exteriores, já tinha publicidade de alguns produtos em promoção. Exemplos: numa lousa de escola, escrevia vinho de pipa nova, vinho de Bujões; os fornecedores de petróleo pespegaram, no cimo da porta de castanho um lindo reclame em chapa, onde se via o amarelo-verde de um girassol e, por baixo, a palavra mágica “petróleo sunflower”.

    No dia de descarregar o vinho de pipa nova, todos os passantes e mirones tinham o direito a provar a pinga!

    Até o caldeireiro, de oficina passageira no largo em frente, assíduo consumidor, tinha a oferta de um copo de dez cheio! Se a mulher Cassilda estava por perto, recebia igual oferta!

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    ERA MAIS DOMINGO

    QUE OS DOMINGOS

    NORMAIS...

    Os negócios da taberna, a compra e venda ou troca de bois de trabalho; algumas ovelhas, cabras e porcos, comprados e vendidos ou dados ao ganho (mais tarde, o lucro era metade arrecadado) deram prosperidade e possibilidade de até ter criado para tratar dos animais, principalmente, a junta de bois de carro, o cavalo e a burra .

    O que mais encantou o José Rui foi a burrinha Jeremias dar à luz um burrico! Foi o primeiro a dar uns passos escarranchado no dorso do pequeno animal.

    A vida sedentária levada na loja, as jogatinas do chincalhão com os amigos, os meios copos de vinho, entre as vozes do jogo, levaram--lhe o fígado ao estado de uma cirrose pouco cuidada e medicada.

    O dia de S. José era feriado. Era mais domingo do que os domingos normais. Nesse feriado, até o Senhor Prior rezava missa na Capela da Tenaria, a abarrotar de fiéis do lugar e vindos das redondezas como das Fragas, Vessadios e de Fonteita.

    Apesar da constante vigilância da GNR e das multas pesadas sobre o cumprimento do horário das tascas, o António Augusto ainda atendeu clientes, apesar da ilegalidade. De tarde, sentado nas escadas graníticas, que levavam ao patamar do piso superior, conversou com os jornaleiros em descanso domingueiros (era feriado), numa de conversa puxa conversa.

    Sentindo-se um pouco indisposto, chamou a Ana Augusta, subiu as escadas e, no patamar, na vez de virar para a sala e cozinha, seguiu em frente para o quarto, dizendo:

    – Vou descansar um pouco. É dia de S. José, vem fazer-me companhia.

    Deitado, a Ana Augusta sentou-se na cama e começaram a conversar, o que não era habitual. E, quando ela tentou desligar os assuntos tristes e dolentes, dizendo que ia buscar-lhe um chá, prendeu-lhe a saia , e não a deixou ir. “Vais depois”, disse.

    Continuou a descrever os factos do passado, do presente e do futuro, onde a preocupação eram os filhos, em especial o traquinas mais novo.

    – Cala-te lá! – dizia, com meiguice, a mulher de coração entristecido.

    – Não sejas tolo, és muito novo para pensares assim. Parece que vais morrer!?...

    Quando conseguiu desabafar todas as preocupações, muito terno, murmurou:

    – Se não te importas, agora bebia um chazinho.

    Quando voltou, de chávena de chá fumegante, com um pires de cavacas, alegrando a voz e de mansinho, tocou no marido, e disse:

    – Não durmas que ainda bate o sol nas escadas! É dia de S. José.

    Abanou-o, abanou-o ... e nada. Louca, gritou:

    – Ai!!!... Ai!... O meu Augusto morreu!...

    Por: Gil Monteiro

     

     

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