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    Arquivo: Edição de 31-03-2020

    SECÇÃO: Destaque


    Fotos ALBERTO BLANQUET
    Fotos ALBERTO BLANQUET
    GENTE DA NOSSA TERRA

    Gobi: um puro talento da arte (desenho) de cujas obras é impossível desviar o olhar

    Fascinante. Foi esta a palavra que nos saltou de imediato assim que cruzamos olhares com o trabalho deste jovem de 27 anos que mais do que um ímpar e incrível talento para o desenho ostenta um amor incondicional pela arte, transmite em cada palavra que exprime uma ambição permanente de se superar a si próprio com o objetivo de ser cada vez melhor naquilo que faz – arte urbana, retratos queimados e retratos de realismo natural.

    E para orgulho de Ermesinde ele é um filho da terra. Passemos pois a palavra a Gobi, cujo fascinante – nunca é demais repetir esta palavra – dom (artístico) merece ser admirado e aplaudido de pé.

    Diz-se que o talento, ou um dom, é algo que nasce com a pessoa. Pode ser verdade. Mas também é algo que se procura todos os dias, com trabalho, dedicação, crença, persistência, ambição e acima de tudo paixão. Gobi tem tudo isto e muito mais dentro de si. É um autodidata, sim, um autodidata, assim se considera, dado que tudo o que aprendeu até hoje no que toca à arte não foi num banco de escola, mas sim sozinho, e é assim que de dia para dia vem evoluindo de forma galopante e tornando-se um notável artista na verdadeira aceção da palavra.

    Mas todas as histórias têm um princípio, e a ligação de Gobi ao desenho, à pintura, tem início ainda em criança, quando em casa via a sua mãe fazer do desenho um hobbie. «Quando era mais novo via a minha mãe a desenhar, ela tinha o gosto pelo desenho. E embora na altura eu não ligasse muito ao desenho pensava para mim como é que era possível a minha mãe fazer aquilo e eu não conseguir fazer? Eu fazia umas coisitas, mas… não me interessava muito», lembra Gobi. Aliás, o desenho, segundo nos diz, era um passatempo familiar, já que também o seu irmão tem uma boa mão para o desenho, mas nunca aperfeiçoou este hobbie, contrariamente a Gobi, que sensivelmente em 2011 começou a encarar a arte, o desenho neste caso, como algo mais sério.

    Basicamente, ele foi o único da família que agarrou com paixão e determinação esse dom familiar. «Digamos que fui o mais persistente da família e não quero deixar esse dom adormecer», diz.

    Ainda na linha do tempo, o ano de 2014 aparece como aquele em que Gobi realiza o primeiro trabalho mais a sério, juntamente com o amigo Ricardo Oliveira, hoje em dia tatuador profissional, trabalho esse efetuado numa escola de condução em Campanhã a troco de nada. «A partir de então o meu bichinho começou a aumentar e aí é que surgiu um amor (pela arte) que se calhar já o tinha dentro de mim, mas estava adormecido. Mas com o passar do tempo fui fazendo isto (arte) unicamente e agora basicamente só quero fazer arte e tudo o que seja para inovar, imaginar, para reestruturar espaços, é algo que adoro fazer e quero continuar a fazer».

    Gobi é como já vimos um autodidata, foi por si, pelo dom que com ele nasceu, que hoje os seus trabalhos, seja em arte urbana, sejam em retratos queimados, ou retratos de realismo natural e também ilustrações que transmitam algum tipo de mensagem são cobiçados por todos os que travam conhecimento com o seu trabalho. E são cada vez mais aqueles que se sentem fascinados por este dom.

    ARTE AINDA É POUCO

    VALORIZADA EM PORTUGAL

    Mas fascínio não quer dizer que as pessoas que olham as obras de Gobi, ou de outro artista qualquer, não “olhem para trás” na hora de pagar o valor justo para ter essa obra de arte nas suas mãos. É uma realidade do nosso Portugal, que este jovem artista lamenta. «Eu quero viver da minha arte, tanto no meu país, como fora do país, se calhar. Em Portugal eu diria que é quase impossível (viver única e exclusivamente da arte). Não digo impossível porque para mim nada é impossível, mas é quase impossível, pois infelizmente tudo se resume à base de nomes, muitas coisas se baseiam por intermédio do nome de alguém ou de outra pessoa. Não estou com isto a desvalorizar nenhum artista, até porque a arte é dividida em milhares de vertentes, só que neste país é muito difícil viver só da arte, e além de ser muito difícil as pessoas têm tendência a pegar em tudo o que é mais barato. Mas elas não têm culpa disso, porque o ordenado aqui não é nada bom, mas também o comum português está habituado a ter “caviar por 1 euro”. Respeito isso, mas sei que a minha arte vale muito mais do que isso e eu trabalho para isso. O cidadão português, por norma, quer uma coisa original, diferente, mas depois vai à internet comprar um papel de parede que milhões de pessoas compraram e acabam por ser iguais à procura da diferença. Mas querem ser diferentes, querem ser originais e também querem pagar 20 euros por aquilo, e como é lógico eu não trabalho por esses valores porque sei que o meu trabalho vale mais. Por exemplo, se um cliente me disser que quer fazer um trabalho numa parede e que eu não faça esse trabalho a mais ninguém, que seja um trabalho único, com certeza que não faço a mais ninguém. Mas as pessoas têm de pagar por esse trabalho único e têm de se mentalizar que é uma obra feita à mão».

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    Gobi sublinha que ama a sua arte e nesse sentido diz-nos que «há dois ou três anos consecutivos que trabalho 10 ou 12 horas por dia, e, faça sol ou faça chuva, eu não saio de casa. Porquê? Porque estou com o objetivo em mente de ser melhor, que é para chegar a palcos onde a maioria não chega, e eu tenho vários exemplos (desta área artística, digamos assim), como o Vhils, ou o Mr. Dheu, que são artistas portugueses (de arte urbana) consagrados mundialmente, que conseguiram chegar ao topo. Por isso, se eles conseguem eu também consigo, é tudo uma questão de tempo, de ambição, de trabalho».

    Sublinha, com lamento, que no nosso país as pessoas ainda não valorizam os artistas e o seu trabalho como estes merecem. «Eu faço peças únicas, originais. Cada trabalho demora, por vezes, três semanas a ser feito. Coloco muito sentimento no meu trabalho e as pessoas querem pagar meia dúzia de trocos por aquilo? Não pode ser. Ou seja, estou no país errado, embora na minha opinião, a pouco e pouco, já estamos a mudar as mentalidades das pessoas em relação à arte, ao seu valor justo. A arte faz a diferença em todos os sítios», diz enquanto projeta uma vida também fora do país, num local onde o seu trabalho possa ser valorizado da forma devida, procurar pessoas num outro país que valorizem aquilo o que faz, dizendo que contrariamente ao que fazia no passado não irá mais voltar a trabalhar de graça ou a troco de algo. «Mas o meu objetivo também passa por ficar aqui, e procurar pessoas que valorizem o meu trabalho. De certa forma, essa valorização já existe, mas ainda não em termos de me pagarem bem por aquilo que eu faço».

    IR PARA FORA PARA SER RECONHECIDO CÁ DENTRO

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    Ciente de que em Portugal ainda é difícil viver apenas da arte, dá conta de que «bate na pedra sem ver água a sair» há já 7 ou 8 anos neste capítulo, lamentando ainda que o país dê valor aos artistas, de várias áreas, após eles terem sido reconhecidos e aplaudidos no estrangeiro, dando o exemplo de duas das suas maiores influências na arte urbana, Vhils, Mr. Dheu e Odeith. Nomes hoje venerados em Portugal que tiveram de ir para o estrangeiro para serem reconhecidos em Portugal. «Antes de eles irem para fora já eram muito bons no que faziam, só que infelizmente a nossa sociedade é assim, não valoriza. Mas quando são reconhecidos pelos “vizinhos” aí já são bons».

    Outro aspeto que Gobi lamenta na sociedade portuguesa é que quando uma empresa está à procura de um artista dá primazia a quem tenha uma licenciatura, «um mero papel. Eu não tenho nenhuma licenciatura em artes, mas por vezes um licenciado não faz metade daquilo que eu faço na prática. Mas como eu não tenho licenciatura não vou ser ouvido e o licenciado vai, mesmo que na prática eu dê 10 a 0 a essa pessoa. Enquanto noutros países isso não existe. As duas partes são ouvidas de igual forma. E em Portugal ou não te ouvem ou quando falam contigo dizem-te: ok, depois dizemos-te alguma coisa, mas acabam por não dizer nada e isso é uma falta de respeito para com as pessoas», lamenta Gobi, no sentido de frisar que no nosso país há muitos artistas que tal como ele batalham arduamente todos os dias para triunfar, pessoas que são muito boas naquilo que fazem, de áreas diferentes, mas que… não são valorizadas.

    DESCRIÇÃO DE UM TRABALHO ÍMPAR

    Mas voltemos ao trabalho concreto deste jovem artista ermesindense. Não é só ao nível da arte urbana onde Gobi se mostra um puro talento. Quem visita a sua página de facebook (@Gobioporto) e também instagram (@Gobi.art) deslumbra-se com os seus retratos de realismo queimados sobre madeira ou os típicos trabalhos de realismo sobre papel. Mas sobretudo os queimados, opinamos nós. E como nascem estas verdadeiras obras de arte deslumbrantes e únicas? Simples. «É um trabalho em que tenho uma foto ao lado. Inicialmente faço as linhas que acho importantes a lápis, mas o trabalho final é 100 por cento queimado. E o queimado é feito com uma tocha de fogo ou uma ponta de ferro a arder. Isto é um trabalho onde não existe margem de erro, se errar, o trabalho vai todo para o lixo. Posso estar a trabalhar 3 semanas (o período que por norma dura a executar uma obra destas queimadas) num quadro, mas se numa fração de segundos há uma distração essas 3 semanas vão para o lixo. Exige muita concentração e tem de ser feito tudo ao pormenor. Se errar não dá para apagar», explica.

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    E nestes trabalhos queimados e nos retratos realistas surgem muitas figuras públicas, desde atletas a apresentadores, só para citar alguns exemplos. E porquê? «Eu gosto de ver as pessoas muito para além do rótulo que a sociedade transmite. Já desenhei jogadores de futebol, atletas de atletismo, atores, ou presidentes. Antes de desenhar essas pessoas tento saber um pouco sobre quem estou a desenhar e o que elas são para além da imagem. Às vezes olho para uma pessoa e digo: esta pessoa tem uma história interessante por trás. Pesquiso mais sobre ela e na grande maioria das vezes acerto. Descubro que aquela pessoa passou por fases muito más na vida, mas conseguiu evoluir. Há outras pessoas que são sábias, outras são extremamente humildes, e eu em cada uma dessas pessoas que desenho consigo identificar-me com elas. Ou por serem humildes, ou por terem uma grande força de vontade, por serem fortes e isso toca-me. Foi isso que me levou a desenhar pessoas que não são aleatórias. É vê-las para além do rótulo. São pessoas vencedoras, e eu quero ser um vencedor e como tal tenho de me alimentar de pessoas vencedoras. Pessoas que não coloquem desculpas em nada, que procurem os impossíveis, porque eu nas minhas obras faço isso, procuro o impossível. O perfecionismo não existe em lado nenhum, mas sempre que eu o procurar eu sei que vou ser melhor. Tenho consciência que é quase impossível ser-se o melhor do mundo, apesar de na arte ser muito relativo e subjetivo, sei que estou muito longe de ser um melhor do mundo. Mas também se me perguntarem se é impossível um dia vir a sê-lo? Claro que não é impossível».

    Nas suas obras de carácter ilustrativo estão igualmente refletidos temas da atualidade mundial, como a poluição dos oceanos ou a desflorestação do Amazónia. E Gobi explica estes trabalhos como a sua visão sobre estes temas. «Na minha arte também acabo por transmitir a minha mensagem, do que penso sobre estes e outros assuntos. Expresso a minha opinião através da arte. Há muita gente que é boa a transmitir o que sente por palavras, outros por gestos, eu… é por desenhos. Não sei fazer mais nada na minha vida do que arte, do que imaginar, inovar, criar e até agarrar projetos novos sozinho ou em equipa. Os meus desenhos são um reflexo do que eu quero transmitir às pessoas».

    MARCA VINCADA NA CIDADE DE ERMESINDE

    Gobi tem já a sua arte vincada na Cidade de Ermesinde, mais concretamente no mercado. Quem nunca fixou durante largos minutos o olhar nos morais (alusivos a locais da nossa terra) pintados nas paredes daquele edifício? Pois bem, são da sua autoria. Recorda que este foi um trabalho realizado em regime de voluntariado. Um projeto onde a ideia inicial passava por espalhar a arte (urbana) por Ermesinde, para dar mais dinamismo à cidade, como refere, e ao mesmo tempo querer evoluir enquanto artista. O edifício do antigo cinema também esteve nos seus planos no sentido de conferir vida ao edifício que se encontra abandonado, mas tal acabou por não acontecer, ficando o artista apenas pelo edifício do mercado. Ainda há pouco tempo Gobi tentou dar continuidade ao trabalho que ali fez mas que não foi terminado, mas «dizem que não há orçamento. Para artistas de fora há orçamentos, mas para artistas da terra não há. Faço isto para eu evoluir e para a cidade evoluir comigo. E também para pessoas que têm o mesmo sonho que eu sejam alimentadas por isso, também quero que mais artistas consigam fazer arte. Mas as portas estão fechadas», lamenta.

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    Gobi diz que, neste sentido, gostava de dar mais vida à sua, à nossa, cidade, no que concerne à arte urbana, dando o exemplo de cidades como Loures, Espinho, ou Elvas, que estão com muita atividade em termos de arte urbana.

    O mesmo acontece com a possibilidade de fazer uma exposição das suas obras aqui na cidade, uma oportunidade que nunca surgiu, não que Gobi não a procurasse. «Já tentei, mas disseram-me que me davam uma resposta no prazo de duas semanas, mas não obtive resposta e tive de me deslocar ao local quase passado um ano para ouvir um não! Mas isso dá-me gozo, porque mais cedo ou mais tarde vou ganhar. Já tive pessoas no facebook a dizerem-me para expor a minha arte aqui, que a queriam ver aqui na terra. E isso faz-me sentir bem, porque sinto que cheguei a um ponto em que a minha arte está a começar a tocar nas pessoas, faz diferença na vida de muita gente, e já tenho recebido mensagens de novas gerações a pedir-me conselhos, e isso para mim é muito bom, porque nunca pensei ser uma inspiração para alguém», opina o artista que já viu a sua obra em exposição na Cidade do Porto, mais concretamente na Associação de Juventude do Porto.

    Mais do que um puro talento artístico Gobi tem a ambição de a cada dia que passa ser sempre melhor do que é hoje. E citando aquela que é uma das suas grandes inspirações de vida, Cristiano Ronaldo, que um dia disse “eu posso não ser o melhor do Mundo, mas para mim tenho de ser o melhor do Mundo para as coisas surgirem”, Gobi diz que é desta forma que as pessoas têm de pensar para atingir patamares mais elevados. E também ele frisa: «eu posso não ser o melhor do mundo, mas tenho de pensar que sou que é para um dia ser melhor do que aquilo que sou neste momento. Eu sei que não sou nenhum Cristiano Ronaldo. Agora, também sei que já estive muito mais longe do que o que estou hoje. E isto, ainda não é um terço daquilo que vou fazer no meu futuro. Desde início quem sempre acreditou em mim foi uma pessoa: eu. Desde o primeiro dia. Depois, com o passar do tempo as pessoas começaram a acreditar no meu trabalho, e hoje tenho os meus familiares e amigos que me apoiam sempre e sinto-me grato por isso».

    Quem quiser conhecer, e vale bem a pena, o trabalho deste artista ermesindense pode fazê-lo através das redes sociais:

    Facebook: @Gobioporto

    Instagram: @Gobi.art

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    Por: Miguel Barros

     

     

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