Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 29-02-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 30-11-2019

    SECÇÃO: História


    foto
    MEMÓRIAS DA NOSSA GENTE (11)

    Tradições agrárias: O Dia da Matança do Porco

    Concluímos nesta edição a temática da “matança do porco” iniciada no mês anterior em que falámos da criação e dos cuidados com os suínos, nomeadamente nos cuidados a ter por parte dos criadores com algumas doenças e na importância do “capador”. Hoje trataremos do dia da matança, dos petiscos associados a esta tradição e da importância da carne de porco na alimentação da população desse tempo.

    O matador, depois de se certificar que o «bicho» estava em jejum, aproximava-se, pois este, entretanto, havia sido solto para o quinteiro, com milho na mão para o atrair e com a corda pronta para, logo que fosse possível, o pudessem «laçar». Conseguido este intento, o animal era arrastado para o carro de bois, onde seria amarrada a cabeça com a corda que trazia presa à boca e finalmente metida a faca. A «cabeçalha» do carro de bois era utilizada, em vez dos típicos «bancos de matar», quando se tratava de grandes suínos, por ser mais segura.

    Era vulgar ver a dona da casa, ou outra mulher que a sua vez fizesse, na tarefa de durante o ano dar de comer ao «bicho» e que por esta razão se lhe tinha afeiçoado, abandonar o local e refugiar-se, onde não ouvisse o seu «choro». Algumas, porém, mais corajosas participavam neste acto, a maioria das vezes tomando a seu cargo o alguidar, o recipiente geralmente usado, para aparar o sangue que, como se sabe, era utilizado não só no célebre arroz de sarrabulho, como no enchimento de chouriços.

    Após o abate, o animal era chamuscado com «mãos cheias» de centeio a arder tirado de um colmo(2), que havia ficado guardado para este fim e depois a sua pele lavada com sabão e esfregada com uma pedra especial, que ficava de um ano para o outro.

    Limpo era, então, aberto pelo matador para que lhe fosse retirado o interior: vísceras, coração, fígado, rins etc. Uma mulher, geralmente era uma tarefa feminina, aproximava-se com um cesto, forrado com um lençol, para onde caíam essas miudezas e depois de uma rápida separação das partes que iam ficar na salgadeira, seguiam as tripas para o tanque mais próximo, ou ribeiro, para as despojar do conteúdo do seu interior e lavá-las devidamente.

    OS PETISCOS E AS PIADAS

    OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELO TI NORBERTO QUELHAS, NA MATANÇA E NA ABERTURA DOS PORCOS, AINDA NA POSSE DE UM DOS SEUS FAMILIARES
    OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELO TI NORBERTO QUELHAS, NA MATANÇA E NA ABERTURA DOS PORCOS, AINDA NA POSSE DE UM DOS SEUS FAMILIARES
    O porco, depois de lavado interiormente, era finalmente pendurado pelo osso, junto ao rabo, num suporte de ferro, geralmente preso numa trave na parte da casa, onde se encontrava a salgadeira, com a ajuda de quase todos os homens que participaram na matança. Terminado este serviço, todos eles se dirigiam para a cozinha, onde a mulher da casa já estava a preparar umas febras frescas e rojões, para «aquecer o estômago» dos que participaram em trabalho tão extenuante, alguns deles apenas com o «mata-bicho» (um copo de aguardente) que haviam tomado, antes de começarem o trabalho.

    Ao fim de um dia a escorrer, o porco era então descido e começava a operação do desfazer, isto é, do retalhar em peças (presuntos, lombos, pernas, cabeça, etc.), levada a cabo na maior parte das vezes pelo próprio matador.

    Num alguidar à parte, eram postas febras e outros bocados de carne, em «vinha d’alho», carne esta destinada ao enchimento de chouriços e salpicões. A salgadeira era previamente cheia com sal grosso que, há uns anos atrás, se vendia à arroba, sem qualquer tipo de protecção e algumas partes, nomeadamente os presuntos, eram esfregados em «vinha d’alho», antes de serem mergulhadas no sal.

    Por último, refira-se que, apesar de se estar perante um trabalho sério, verificavam-se, sobretudo, no final alguns momentos de brincadeira e pregava-se mesmo, aos novatos algumas partidas e dichotes, como este em que se pedia aos jovens para ir buscar ou apanhar «o rojão do banco». É evidente que, se o visado não percebesse o alcance da partida, os momentos que se lhe seguiriam seriam de gozo e mesmo de humilhação para ele. Todos os experimentados nestas andanças sabiam que o animal, vendo-se preso e numa aflição tão grande, deixava, quase sempre, nesse lugar, vestígios do interior do seu intestino.

    Costume a realçar, que prova os laços de amizade e os vínculos de solidariedade existente entre as pessoas da «aldeia», era a entrega de um pequeno prato de carne, tipo travessa, que o lavrador, que tinha desmanchado o porco, mandava aos vizinhos, nesse dia, geralmente por uma criança, que recebia sempre, sempre qualquer coisa em troca. Os outros, quando «matassem», faziam o mesmo, como já vinha acontecendo há gerações.

    OS TALHOS E OS CARNICEIROS

    Acresce dizer que, na altura a que nos reportamos, período antes dos anos sessenta, a carne de suíno era a base da alimentação das comunidades agrícolas e mesmo da restante população. No princípio do século havia apenas nesta terra um talho, na Travagem. Depois da Segunda Guerra Mundial encontramos já cinco, sendo um deles de carne de cavalo(3), actividade comercial que, hoje, não existe.

    Nas casas de lavoura – e nem todas – o bife era apenas reservado para os dias de festa e domingos e, na maior parte, vedada aos moços de servir. O abastecimento desta «carne de ricos» era, ainda, nos inícios dos anos cinquenta, feita por uma «Carniceira» que, de cesta de verga no braço, tapada com um bem tratado pano de linho, a andava a entregar de casa em casa. «Carniceira» era o termo usado não só para designar o trabalho desempenhado, como denominava a família a que pertencia. O mesmo se passava relativamente ao vendedor do peixe que o vinha vender às casas dos lugares, transportado num cesto à cabeça, ou em duas seguras no extremo de uma vara, conforme se tratasse de uma mulher (primeiro caso), ou de um homem.

    (...)

    Leia este artigo na íntegra na edição impressa.

    Nota: Agora pode tornar-se assinante da edição digital por 6 euros por ano. Após fazer o pagamento (de acordo com as mesmas modalidades existentes na assinatura do jornal impresso) deverá enviar-nos o nome, o NIF e o seu endereço eletrónico para lhe serem enviadas, por e-mail, as 12 edições em PDF.

    1 Este artigo (texto e foto) baseia-se na publicação do autor, “Ermesinde: Memórias da Nossa Gente”.

    2 Colmo - molho de centeio.

    3 Talho de carne de cavalo – Esteve estabelecimento esteve aberto, durante anos, no actual cruzamento do Gazela (Rua 5 de Outubro e Rua Ribeiro Teles).

    Por: Jacinto Soares

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].