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    Arquivo: Edição de 31-05-2016

    SECÇÃO: Crónicas


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    Acaso ou autoescolha?

    Quando nasceu a minha filha, adquiri um álbum para guardar as recordações dos seus primeiros anos de vida. Quase todos fazemos algo assimna vã ilusão de que, dessa maneira, conseguiremos dominar o tempo, guardá-lo connosco em pedacinhos uma vez que a nossa memória é incapaz de cumprir sozinha tal missão. Entre dezenas de pensamentos e frases sugestivas impressas no álbum, lembro-me de uma que rezava: "ninguém sabe quando nasce, para o que nasce uma pessoa". Não é um daqueles pensamentos transcendentes que parece resumirem uma regra de vida na sua aparente singeleza. O sentido é óbvio, pensamos nós, ninguém pode saber como será a vida de quem acaba de nascer. Será saudável? Virá a ser feliz? Estas e uma infinidade de outras possíveis interrogações acodem-nos ao espírito, sobretudo quando se trata de um filho ou de alguém que nos é muito querido.

    Mas não vou ocupar-me, aqui e agora, de filhos e das naturais preocupações que eles inspiram. Esses momentos de perplexidade, de dúvida, de incerteza, acompanham todos os seres humanos pelos anos afora. Vivemos cercados de interrogações, somos uma permanente interrogação que se desloca de uma frase para outra. Quando entramos neste mundo, temos um enquadramento, um conjunto de circunstâncias que podem determinar o nosso futuro ou talvez não: a situação económica da família, o meio em que ela vive, o projeto que os pais traçam para nós. Noutros tempos, os filhos seguiam, por regra, a ocupação dos pais mormente quando se tratava de profissões não especializadas, mas também podia dar-se o caso de o filho querer ir para a cidade grande ou para o estrangeiro o que, sendo desafiador, era, de igual modo, arriscado. Sabemos que a nossa gente sempre ousou enfrentar o desconhecido. Diz-se, com frequência, que não há lugar no mundo onde não se encontre um português. No presente, as variáveis são mais numerosas, por conseguinte, mais imprevisível o futuro. Curiosamente, Ortega Y Gasset quando escreveu a frase que o tornou mais conhecido, apesar de toda a sua notável obra filosófica,não falou em circunstâncias,termo que poderia significar um conjunto de condições determinantes para que algo acontecesse, mas em circunstância, muito mais abrangente mas também mais assertivo: "o homem é ele e a sua circunstância". Lembra que algo imprevisto pode alterar o rumo da nossa vida em qualquer momento, não obstante o quadro previamente existente.

    Houve um programa na RTP, quando a existência de canais privados de televisão era apenas um não-assunto para a maioria, uma ambição mais ou menos amadurecida para alguns interessados nesse tipo de empreendimento, em que personalidades de relevo na sociedade portuguesa eram entrevistadas para que enunciassem qual teria sido a medida de compatibilidade entre os sonhos de infância/juventude e a realidade de cada uma delas. Curiosamente, nenhuma dessas figuras públicas - políticos, empresários, banqueiros, gestores de topo, arquitetos, engenheiros, médicos - afirmavamser aquela, a profissão que tinham imaginado quando eram crianças. Na memória de alguns estaria um bombeiro em uniforme de gala e capacete dourado, desfilando à frente da multidão em dia de festa; um médico de bata branca e estetoscópio pendurado ao pescoço a pedir ao doente que inspirasse e expirasse; um oficial das Forças Armadas, dragonas nos ombros e medalhas ao peito. Eram figuras sérias, hieráticas, respeitáveis, de grande consideração pública que impressionavam crianças e adultos. Curiosamente, nos sonhos da pequenada do seu tempo não entravam nem o professor nem o padre, as pessoas mais respeitáveis para os adultos, sobretudo nas pequenas comunidades mas que não tinham lugar na memória infantil, uns porque castigavam fisicamente os não cumpridores, outros porque passavam a Missa de costas voltadas para as pessoas e falavam uma língua que eles não compreendiam e faziam com que os seus pais os repreendessem por passarem a cerimónia a mexer uns com os outros. Havia quem tivesse uma história mais longa, sonhos sucessivos à medida que os anos passavam e a tal circunstância desviava o rumo da sua história.

    Por: Nuno Afonso

     

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