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    Arquivo: Edição de 10-01-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Sara

    No mês de dezembro ofereci a mim mesma um bocadinho de tempo para fazer um percurso que defini previamente – ir cumprimentar pessoalmente pessoas que a vida tem colocado no meu caminho e onde estabeleci “marcos” – pontos de referência onde pousava durante um bocadinho a minha armadura e depois lá seguia de novo a minha escalada. Foi também o mês de balanço dos meus textos e, de novo e mais uma vez, equacionava a hipótese de me ficar por aqui a nível de partilhas. Continuaria com a disciplina da escrita mas passaria a guardar para mim mesma estes pedacinhos de escrita. Ia ser mais ou menos assim se num dos primeiros pontos onde parei não tivesse encontrado a Sara, uma das “guerreiras” da minha crónica de 8 de junho de 2012. Quando me viu a transpor a porta dirigiu-me um sorriso e um olhar de carinho que emocionaria qualquer um, ainda mais quando completou com um abraço como só as crianças sabem dar. Perguntei-lhe como estava a decorrer a sua adaptação à escola neste ano letivo. Respondeu prontamente: «– Melhor, mudei de escola e agora as coisas estão diferentes».

    Ficamos a falar um bocadinho e ela questionou-me como conseguia eu escrever tantas crónicas. Expliquei-lhe que encarava isso como um “TPC”, um objetivo que impunha a mim mesma escrevendo e registando por escrito aprendizagens que tinha recolhido da vida. Mostrei-lhe o caderno que trazia sempre comigo e onde apontava os temas que depois desenvolvia. Expliquei-lhe o que pensava do benefício da escrita – ajudava a compreender-nos melhor a nós mesmos, a ponderar e questionar-nos, além de que nos habituávamos também a ler, a corrigir e a aperfeiçoar o Português. Ela também poderia fazer isso, a par daquilo que queria ser quando fosse grande: “artista de criativo”, como a sua irmã mais velha – quase sempre todos querem copiar os irmãos mais velhos até perceberem que terão o seu próprio caminho, construído através da sua própria personalidade, que nunca será “papel químico” de ninguém. Para exemplificar e para que entendesse melhor, mostrei-lhe o que levava naquela altura comigo – o registo das crónicas que já tinha prontas para completar o mês de dezembro. Uma delas chamava-se “Solidariedade” e ela, de repente, pergunta-me: «– Já agora, D.ª Glória, o que a senhora faz ao escrever para dar coragem às pessoas, como foi no meu caso, também lhe posso chamar solidariedade?». Fiquei a olhar para ela e disse-lhe que isso seriam mais partilhas que iriam permitir que as pessoas me olhassem como um exemplo daquilo que não querem para si, o caminho que nunca escolheriam ou também e como alternativa aproveitarem o que de melhor conseguirem enxergar e que lhes fosse de alguma utilidade.

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    Falei com ela sobre o texto de “Reconhecimento” e a importância que os outros também tinham na coragem que me transmitiam e me faziam sentir vontade de continuar. É mais que lógico que ali estava a resposta para a minha dúvida, que vinha também de encontro ao que um dia me tinha escrito uma colega, Luísa, quando fiz um balanço em agosto, para perceber se continuava ou parava de escrever: «Se uma pessoa gostar de ler o que escreve, se para ela for importante e se isso a ajudar, já vale a pena». Lá estavam de novo os tais “sinais”, que eu aprendi a ler e…a interpretar. Nesta conversa, a Sara olhava para mim com os seus olhos grandes, de um verde-esmeralda lindo enquanto falávamos das dificuldades que sempre iremos encontrar na nossa vida. Mesmo na sua nova escola isso iria acontecer porque a mudança, por si só, não resolveu todos os problemas que fazem parte da vida. Partilhei com ela um hábito que tinha adotado e que me ajudava: todos os dias eu escolhia um pensamento positivo para me orientar. Era a forma de me ajudar a lutar por algo e dar-me motivo para viver e acreditar – pensar que todos os dias era um novo dia e em que podia sempre começar algo de novo.

    Expliquei-lhe que há coisas que os outros não podem fazer por nós e ainda que iria ser muito importante para ela aprender a conviver com as diferenças e em grupo e isto quer fossem diferenças físicas, culturais ou até de carácter. Falámos também da sorte que ela tinha ao saber que há um porto de abrigo seguro que representa a pedra basilar da sua vida – ter sempre do seu lado e à sua espera as pessoas com quem ela poderia contar: a sua família, em caso de vitórias e também de derrotas, porque nem sempre conseguimos aquilo que queremos ter ou mesmo ser. No dia seguinte a ter encontrado a Sara lia uma reflexão que escrevia um Homem com 30 anos que se tem atrevido a “construir”, levando o nome de Portugal além-fronteiras, e que a uma dada altura dizia: «…Sinto a necessidade de contribuir para a construção de um caminho diferente dentro daquilo que me dá prazer na minha vida profissional. Sinto a necessidade de trabalhar para um dia conseguir dizer que fui capaz de contribuir para o êxito e crescimento de uma modalidade. Dia a dia, sinto que o caminho que percorro é a estrada com mais luz e que me levará ao êxito. Será que existem caminhos errados?...». Também ele, hesitava e questionava-se e eu senti necessidade de lhe escrever uma pequena citação de Eduardo Galeano e que servia para os dois: «Dos medos nascem as coragens e das dúvidas as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão. Afinal de contas, somos o que fazemos para mudar o que somos».

    Também neste preciso dia, a reflexão positiva que eu tinha escolhido para me acompanhar era ilustrada por um quadro do irreverente e sempre polémico Dali: «Do chão sabemos que se levantam as árvores, algumas flores, os animais, mas também se levantam os homens e as mulheres e com estes as suas esperanças...» – o lema que encontrei em 2010 e que decidi continuar a adotar em 2013, um ano que se apresenta difícil mas onde e sempre vai estar nas nossas mãos poder mudar alguma coisa e que começa sempre, dentro de nós mesmos e, a acabar, será também e sempre dentro de nós mesmos, isto se assim quisermos, se assim deixarmos que seja.

    Por: Glória Leitão

     

     

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