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    Arquivo: Edição de 30-08-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    Húngria ou Hungria?

    Era eu muito jovem em 1956 aquando da invasão da Hungria pelas tropas do Pacto de Varsóvia, o que valia por dizer da URSS. Portugal, um país católico em que a Igreja e o Estado mantinham um relacionamento muito íntimo, viveu com particular emoção as vicissitudes por que passou o povo húngaro. O invasor era o comunismo representado pela Rússia. Acresce que o culto de Fátima teve origem no mesmo ano em que o primeiro regime comunista foi instaurado e as declarações atribuídas aos videntes falavam da conversão da Rússia como um dos mais importantes objectivos da mensagem divina transmitida pela Senhora de branco. Desde então, nas igrejas, padres e catequistas ofereciam orações por essa intenção, a que se juntou mais tarde a necessidade de implorar que a Hungria fosse salva. Na minha aldeia a menina Aninhas, encarregada de enunciar as intenções, nunca se esquecia de dizer:

    – Pela conversão da Rússia e pela salvação da Húngria, Pai Nosso e Ave Maria.

    O desmoronamento dos regimes comunistas na União Soviética e nos países de Leste não lhe arrefeceu a devoção, apesar do acesso que já tinha aos principais meios de comunicação social. Em meados da década passada ainda lhe ouvi o oferecimento.

    Perdoe o leitor estas associações quando o meu propósito é falar da Hungria, que recentemente visitei, e, neste caso, não será relevante que a palavra tenha o acento tónico na penúltima ou na antepenúltima sílaba.

    Imagine que vai caminhando e vislumbra, a razoável distância, uma pessoa que vem em sentido contrário. A dada altura parece-lhe que se trata de um conhecido seu, talvez até de um amigo e fica satisfeito com a possibilidade de porem a conversa em dia. Mas, à medida que os contornos se vão definindo melhor, apercebe-se de que a sua visão o iludiu e que se trata de alguém que lhe é de todo desconhecido. Além disso, não gostou da sua fisionomia, pareceu-lhe um indivíduo antipático, metido em si ou pretensioso. Mais adiante dizem-lhe que se trata de uma excelente pessoa, muito inteligente e de grande cultura, alguém que vale a pena conhecer. Logo que a oportunidade surge constata a veracidade da informação.

    Julgo que esta alegoria traduz bem o que o visitante experimenta antes e depois de um contacto com a Hungria e o seu povo. De longe parece--nos um país que de há muito conhecemos pela história e que despertou a nossa simpatia na data acima referida quando ousou introduzir reformas ao regime comunista que ali vigorava desde o fim da 2ª Grande Guerra. Alguns lembrar-se-ão de figuras como o primeiro-ministro Imre Nagy, demitido, condenado à morte e executado e o Cardeal Mindszenty, muito conhecido pela obra realizada e pelas atitudes corajosas que sempre tomou em relação ao nazismo e ao comunismo, condenado, refugiado e, finalmente, exilado. Os apaixonados pelo futebol lembrar--se-ão, certamente, da famosa equipa húngara que perdeu ingloriamente o Campeonato do Mundo de 1954 mas deslumbrou pela excelência do futebol que então praticava. Hidegkguti, Puskas, Kócksis e Czibor destacaram-se nessa Selecção maravilha e acabaram por integrar as equipas do Real Madrid (Puskas) e do Barcelona (os restantes).

    Quando visitamos o país invade-nos uma certa frustração: os húngaros são mais do que reservados, parecem tristes e alheados do que se passa à sua volta. Até os exuberantes italianos e os gárrulos espanhóis refreiam os seus ânimos perante o ambiente que os cerca. Se um húngaro demorar o olhar sobre si mais do que uma fracção de segundo é porque algo de errado se passa consigo. Procure um espelho o mais depressa que puder. Nos guichés as funcionárias atendem-nos com secura, quase parecem robôs no cumprimento das suas tarefas, nas lojas as vendedoras raramente se nos dirigem a perguntar se podem ajudar como sucede entre nós; se pedimos a alguém uma informação, despacha-nos laconicamente e nem sempre o faz, por desconhecimento do inglês ou de outro idioma que não o seu.

    No entanto, uma observação atenta leva-nos a descobrir um país de grandes potencialidades, organizado, e com um nível económico semelhante ao nosso. Não conseguimos averiguar números exactos quanto aos salários, empregabilidade dos cidadãos e outros itens que é costume invocar quando se pretende uma análise mais rigorosa da situação económico-social de um povo. Soubemos que o salário mínimo deve rondar os sessenta mil florins, (não obstante pertencer à União Europeia, a Hungria ainda não aderiu à moeda única) aproximadamente duzentos e cinquenta euros, que a factura dos restaurantes é, via de regra, um pouco menos dolorosa do que entre nós. Como se trata de um país interior, os menus dos restaurantes não costumam apresentar pratos de peixe e, quando a excepção acontece, servem-nos peixe congelado.

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    Ao percorrermos o país de norte a sul, verificamos que é coberto por uma mancha florestal densa e variada, em que não há sinais de incêndios. Os terrenos são férteis, mormente no centro-sul, uma imensa planície plantada de milho, trigo, girassol. Nas chamadas “terras altas” inclinadas sobre o lago Balaton há grandes vinhedos cujos produtos são alvo de intensa promoção turística mas que, na minha modesta opinião, têm ainda um longo caminho a percorrer para competirem com os vinhos dos principais países da Europa Ocidental.

    Em próximas crónicas falarei sobre o distrito de Kerszthely a que pertence o lago termal de Heviz, o maior do género na Europa, muito próximo do lago Balaton, também ele uma das mais vastas superfícies líquidas no Velho Continente. Darei conta duma visita de dois dias a Budapeste e de outros dois a Viena de Áustria, mais próxima do nosso empreendimento do que a própria capital da Hungria.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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