AGORARTE REALIZOU MAIS UM DOS "ENCONTROS DE POESIA"
"Espírito" de Bocage pairou na Vila Beatriz
A acolhedora Sala da Lareira da renovada Vila Beatriz serviu de palco a mais um dos "Encontros de Poesia de Ermesinde" que a Agorarte - Associação Cultural e Artística, através da sua "Oficina de Letras", vai regularmente oferecendo ao público apreciador destes eventos culturais.
Numa altura em que ainda é recordada a passagem do bicentenário da morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage, não se podia nem devia deixar passar esta efeméride sem dedicar a este extraordinário vulto da poesia portuguesa da segunda metade do século XVIII a homenagem, ainda que singela, que ele bem justifica e muito merece.
QUEM FOI BOCAGE?
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu no Largo de Santa Maria com a Rua das Canas Verdes, ao lado da igreja de Santa Maria da Graça, em Setúbal, a 15 de Setembro de 1765.
Seu pai, o bacharel José Luís Soares de Barbosa, foi aprovado para o Desembargo do Paço e nomeado juiz de fora para Castanheira e povos, ouvidor e depois advogado.
Sua mãe, D. Mariana Joaquina Xavier Hedois Lustoff du Bocage, era descendente de um brilhante oficial de marinha francês.
A sua infância ficou profundamente marcada por dois infaustos acontecimentos:
• Com seis anos de idade, vê seu pai ser preso por dívidas ao Estado e condenado a seis longos anos de cadeia.
• Sua mãe morre também, precocemente, deixando-o órfão de tenra idade.
Com 14 anos de idade, vai, como voluntário, assentar praça como cadete no regimento n.º 7 de infantaria de Setúbal, transitando daqui para a Academia Real da Marinha, entretanto criada pela rainha D. Maria I.
Mais tarde, há-de aperfeiçoar os conhecimentos ali adquiridos na Academia dos Guardas-Marinhas, criada em Agosto de 1782.
ONDE COMEÇA UMA VIDA DE AVENTURA...
Bocage aprendera bem várias línguas: o Latim, o Francês e o Italiano.
No mais íntimo do seu ser, porém, ansiava vir a tornar-se um segundo Camões, achando mesmo que, nas suas vidas, havia claros e múltiplos sinais que os tornava muito iguais:
«Modelo meu és tu, mas... oh, tristeza!...
se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza".
Tal como o celebrado autor de "Os Lusíadas", Bocage fez questão de ir ao Oriente e esteve em Goa, em Damão e em Macau.
Aqui foi ainda mais infeliz do que na passagem pelos territórios da então Índia Portuguesa, pese embora o facto de poder ter contado com a protecção do governador de Macau – Lázaro da Silva Ferreira – e do negociante Joaquim Pereira de Almeida, que o recebeu, o agasalhou e o apresentou à sociedade macaense.
Ao regressar a Portugal em 1790, foi apanhado pelo turbilhão das ideias liberais que haviam sustentado a Revolução Francesa.
Bocage não lhe resistiu e, prontamente, compôs muitos sonetos em honra da Liberdade.
Porém, o forte despotismo da época não podia deixar de perseguir quem, como o poeta, tinha um acrisolado apego à liberdade!
CONHECENDO AS AGRURAS DA PRISÃO...
Denunciado à intendência da polícia como autor de uns papéis ímpios, sediciosos e satíricos que apareceram clandestinamente com o título de "Verdades duras", foi preso quando se preparava para partir para o Brasil, a bordo da corveta "Aviso".
Metido no Limeiro, há-de, mais tarde, contar os tratos que ali lhe deram: como o apalparam, o "segredo" em que foi lançado, as perguntas que lhe fizeram e, finalmente, tudo quanto sofreu até à transferência para os cárceres da Inquisição.
Seis meses depois, dava entrada no Mosteiro de S. Bento da Saúde, em Lisboa, para, um mês depois, passar para o Hospício de Nossa Senhora das Necessidades dos Clérigos de S. Filipe Nery.
Os frades do Oratório facilmente o "doutrinaram" e, devido à protecção do ministro José de Seabra e Silva, poucos meses após foi restituído à liberdade, por não lhe terem encontrado no processo motivos de condenação.
Foi em 1804 que Bocage começou a sentir os primeiros sintomas da doença que o levaria à morte - inflamação das carótidas.
Os últimos tempos da sua vida foram muito penosos para o infeliz poeta, agitado de terrores e ansiedades, vendo-se pobre e doente.
Morre em Lisboa a 21 de Dezembro de 1805.
Como alguém escreveu, "A Literatura portuguesa perdeu, então, um dos seus mais lídimos poetas e uma personagem plural, que , para muitas gerações incarnou o símbolo da irreverência, da frontalidade, da luta contra o despotismo e de um humanismo integral e paradigmático".
A OFICINA DE LETRAS, MAIS UMA VEZ, CUMPRIU...
Carlos Faria abriu a sessão, seleccionando três poemas brejeiros do grande vate: "Epigrama imitado", "O cão e a cadela" e "A macaca". Foi o humor caustico a marcar presença!
António Sousa, com notável segurança e apurada técnica, deliciou a assistência declamando alguns dos sonetos que são marcas importantes da produção bocagiana. Merecidíssimos os aplausos que ouviu!
Álvaro Mendonça, seguro e eficaz como já é hábito, revelou, uma vez mais, a qualidade da sua voz, muito bem colocada, muito bem timbrada, própria também de que tem uma cultura musical que também ajuda.
Cláudia Almeida continua a demonstrar, à saciedade, por que é que a poesia, para si, é uma verdadeira paixão: segura, convincente e com um futuro brilhante à sua frente. Especialmente, quando tem oportunidade de declamar os seus poetas favoritos: Florbela Espanca ou Fernando Pessoa.
O público, que foi sublinhando as diversas intervenções com quentes aplausos, saiu certamente satisfeito com mais esta produção da AgorArte.
É também oportuno referir as excelentes condições que a Vila Beatriz oferece para actividades deste género, pelo que a nossa Câmara Municipal só tem que continuar a facilitar a sua utilização.
Por: Carlos da Maia
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