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    Arquivo: Edição de 30-05-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    Efraristó, Rodes!

    Deste barco há milénios ancorado no Mar Egeu à vista da antiga Ásia Menor, recordo os aventureiros gregos, ródios em particular, que destas águas fizeram sua estrada e demandaram paragens longínquas em busca de negócios com os mais diversos povos da bacia mediterrânica, passando mesmo às costas atlânticas. Da varanda do quarto de hotel, capitão na sua ponte de comando, alongo os olhos sobre as ondas que nos separam da actual Turquia, quase toco aquela mole rochosa, inóspita, que já fez parte do território aqueu.

    Para além daquelas montanhas há vales e colinas onde cresceram cidades e se ergueram templos sob o oráculo de Zeus, Poseídon, Hera ou Atena com uma infinidade de invocações tais como aquelas que damos a Deus ou à Virgem Sua mãe. Ali floresceram comunidades importantes que, ao longo de muitos séculos, partilharam e desenvolveram realizações com a marca inconfundível do seu povo.

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    O lugar onde me encontro foi berço de grandes culturas desde a Idade do Bronze, pelo menos 3000 anos antes de Cristo. Foi influenciado pelas civilizações micénica e minóica que resultaram de um estreito contacto com o território da Ática, várias ilhas vizinhas do Egeu e algumas das mais desenvolvidas cidades da Ásia Menor. Centros populacionais muito importantes deste território como Ialissos, Lindos e Kamiros juntamente com Kos, Cnide e Halicarnasso na Turquia hodierna formaram a “exapolis” dórica que desenvolveu papel de enorme relevo no incremento da civilização clássica na arte e na literatura. Em Halicarnasso nasceu Heródoto, o “pai da História”. Rodes tornou-se o centro de uma cadeia importante. Talvez por isso, foi uma das primeiras ilhas a adoptar o alfabeto fenício que constituiu um notabilíssimo avanço para todo o mundo grego e uma autêntica revolução no campo dos negócios dessa era proto-histórica. Como outros, também fundaram colónias, nomeadamente a cidade de Gela na Sicília em associação com os cretenses, no intuito de controlarem a rota comercial do ocidente. Essas colónias eram politicamente independentes mas ofereciam claras vantagens para os seus interesses económicos.

    Era eu ainda pré-adolescente quando ouvi mencionar, pela primeira vez, as “sete maravilhas do mundo antigo” entre elas o “Colosso de Rodes”. Não se me afigurava uma estátua mas um bloco de rocha informe, de enormes proporções. Afinal tratava-se mesmo de uma representação antropomórfica em honra do sol (Helios) e encontrava-se edificada sobre dois altos pilares à entrada do porto de Mandraki. Feita em bronze, erguia-se a 31 metros da base e o seu escultor Cares, de Lindos, precisou de doze anos para a concluir. Destinava-se a homenagear o seu deus em agradecimento pela vitória que lhes concedera sobre Demetrius Poliorceta, rei macedónio que sitiou a ilha em 305 a.C. mas foi obrigado a levantar o cerco pouco tempo depois ante a bravura com que os guerreiros ródios se bateram, abandonando no terreno máquinas de assalto e outro equipamento bélico. Com a venda deste material os ródios obtiveram a quantia necessária para a construção do monumento que deslumbrou o mundo e atraiu sobre esta pequena ilha o reconhecimento da História. Pena foi que a sua existência tivesse sido tão breve pois que, em 226 a.C ., um violento sismo o apeou do seu pedestal. Actualmente, no lugar ocupado pelo colosso encontram--se duas corças em bronze.

    Rodes tem muitas outras razões de que se orgulhar. Surpreendentemente, a arte atingiu, nesta sociedade, um nível que honra a tradição grega. Como toda a região do Mediterrâneo oriental, sofreu vicissitudes várias ao longo dos tempos e foi influenciada, quer por ocupantes, quer por povos com os quais estabeleceu laços comerciais. No fim do século VIII a.C. os ródios criaram vasos de rara perfeição cujos elementos decorativos dominantes eram as aves, e que podem admirar-se no Museu Arqueológico local assim como as ânforas de estilo Phikeloura, também ornadas com pinturas de aves e de outros animais, produzidas um século e meio mais tarde. As estelas funerárias do século V a.C. representam um notável avanço relativamente às equivalentes egípcias pois mostram a figura humana de frente enquanto a cabeça surge de perfil formando um conjunto natural e harmonioso. No entanto, as mais conhecidas obras de arte produzidas na ilha são da época helenística (330 a 30 a.C.).

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    Os grandes êxitos artísticos ocorrem no domínio da escultura. Os mais conhecidos são, indubitavelmente, o conjunto escultórico Laocoon que se encontra no Museu do Vaticano e a Vitória de Samotrácia que enriquece o Museu do Louvre em Paris. No Museu Arqueológico de Rodes encontram-se cópias das duas obras e ainda outras originais como a Afrodite no Banho, e a cabeça do deus Helios que muitos estudiosos consideram ter pertencido ao célebre Colosso. Curiosamente, se a fama das obras se perpetuou, o mesmo não sucedeu aos nomes dos seus autores. Porquê? A resposta é simples: nesta época os artistas não eram vedetas, muitos nem sequer assinavam os respectivos trabalhos, porque consideravam o que faziam como um mester e não como uma criação original, o escultor era um técnico, tal como o carpinteiro ou o pedreiro, que se encarregava de uma actividade e era pago pelo que fazia.

    Rodes foi ainda romana, independente sob o domínio dos Cavaleiros Hospitalários vindos de Constantinopla e que salvaram a ilha de soçobrar ante os otomanos, turca, italiana, alemã (durante a Segunda Grande Guerra) e, finalmente, integrada na Grécia em 1947 quando este país se tornou independente. De todos estes períodos guardou realizações monumentais ou de outro cariz. A velha cidade de Rodes, capital da ilha, guarda o maior número de atracções: o traçado urbano, os cinco portos que atestam a sua vocação marítima e importância comercial, as muralhas, o castelo e palácio do Grão-Mestre e as várias residências dos cavaleiros conforme o país da sua naturalidade, o Museu Arqueológico. Lindos é outra das pérolas desta ilha histórica pela sua localização, os seus monumentos incluindo uma Acrópole, as ruas estreitas cheias de lojas e quase em permanência inundadas pelos turistas (fora da época estival o comércio encerra às 17 horas), praias e miradouros.

    Este é um daqueles lugares que nos deixam boas lembranças e um enorme desejo de regressar. Não por acaso, o turismo é, hoje, talvez a maior indústria da ilha e em plena expansão.

    Efraristó, (Obrigado) Rodes!

    Por: Nuno Afonso

     

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