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    Arquivo: Edição de 28-02-2006

    SECÇÃO: Cultura


    ÁGORA NOS TRILHOS DE UM ÉDEN QUE URGE PROTEGER

    Couce: um chão mítico

    Há lugares que depressa nos sensibilizam, mal os tocamos. Porque são diferentes ou porque têm particularidades que, não escapando à nossa observação, nos enlevam e embriagam os sentidos. Chão de Couce, ou simplesmente Couce, é um desses espaços mágicos, um sítio de memórias, um recôndito lugar de afectos que a Natureza se encarregou de erigir para nos proporcionar uma certa serenidade.

    Distendendo-se pelas margens do pequeno rio Ferreira (subafluente do rio Douro) entre o Alto do Castelo e o Alto do Ramalho, o lugar de Couce é, ainda hoje, classificado como um paraíso natural, apesar das agressões ambientais a que tem sido sujeito ao longo dos tempos. A verdade é que muito desse pequeno éden tem resistido a todos os tipos de erosão.

    Essa será também, certamente, a opinião de quem participou na mais recente caminhada que a Ágorarte - Associação Cultural e Artística realizou no âmbito do seu plano de actividades. A iniciativa, que voltou a merecer grande adesão de caminhantes (cerca de meia centena), decorreu num ameno e primaveril sábado de Fevereiro e foi orientada, como vem sendo habitual, por Jacinto Soares, antigo director do nosso jornal, que tem dedicado grande parte da sua vida à pesquisa e estudo do património cultural, histórico e etnográfico do concelho.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ

    ESPÉCIES

    EM RISCO

    Ladeado por um grupo de elevações de terreno que formam o denominado Anticlinal de Valongo, constituído pelas serras de Santa Justa, Castiçal e Pias, Couce era até há um bom par de anos atrás, um local praticamente desconhecido e perdido entre sobreiros, carvalhos, azinheiras e medronheiros. Este local, que tem vindo a ser objecto de vários estudos foi incluído na Rede Natura 2000 (rede europeia de locais para a valorização e promoção ambientais), apresenta factores de risco que ameaçam as espécies (algumas raríssimas) de fauna e flora ainda existentes. O povoamento de espécies exóticas como os eucaliptos, as mimosas, as acácias, a poluição dos rios, a deposição de entulhos e os incêndios florestais são alguns desses factores.

    Por ali existem - como sublinhou Jacinto Soares - "muitos vestígios da presença romana, como as tégulas (telhas de rebordo de grandes proporções) e um vasto espólio de moedas descobertas nas escavações efectuadas na estação arqueológica do Alto do Castelo". Prova segura da permanência romana é também a existência de muitas zonas de mineração. São os fojos, assim designados, popularmente, por significarem armadilhas. Mais não são, porém, do que galerias e poços de onde eram extraídos os minérios.

    DIVERSIDADE

    BIOLÓGICA

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    Conhecem-se também indícios de um sistema comunitário que chegou a ser praticado pelas populações locais. Para se chegar a essa e outras conclusões muito têm contribuído - como fez questão de sublinhar Jacinto Soares - "as pesquisas que têm sido efectuadas pela ARCA - Associação Recreativa e Cultural da Azenha, que elaborou igualmente vários estudos sobre lendas, costumes e tradições do povo de Couce, a par das escavações arqueológicas e recolha de fósseis".

    Toda a região é afinal de contas um verdadeiro laboratório, quer do ponto de vista antropológico, quer do ponto de vista biológico ou ainda geológico. Ali pode apreciar-se um extenso número de cristas quartzíticas, xistos e inúmeras falhas que condicionaram a formação de montanhas, criando condições favoráveis ao aparecimento de um microclima e à consequente instalação de uma grande diversidade biológica, que infelizmente tende a desaparecer se não forem tomadas rigorosas e urgentes medidas de protecção. Existem, contudo, algumas raridades que, surpreendentemente têm resistido à voragem da interferência humana.

    SINAIS

    DOS TEMPOS

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    Mas não há bela sem senão. Algumas das espécies botânicas mais raras têm vindo a desaparecer gradualmente, quantas vezes por ignorância de quem as dizima em tarefas de limpeza ou abertura de caminhos. Também algumas antigas construções em pedra (moinhos, habitações e casas agrícolas de serventia comunitária) "foram demolidas ou estão desoladoramente abandonadas dando lugar a uma aldeia povoada de desconfortáveis casas e barracões construídos com muito zinco e alumínios", como salientou Jacinto Soares. Nem mesmo o célebre moinho do senhor Vicente, passou incólume à subversão dos tempos. Esse moinho, que em tempos não muito distantes foi centro de alegres convívios e petiscadas está agora vazio, de gente e de ruído. Cá fora, sobranceiras ao rio, restam as mesas de pedra que completam uma fantasmagórica alegoria.

    Álvaro Mendonça

     

     

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