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    Arquivo: Edição de 15-02-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    Pinhal novo

    O título deste artigo poderia induzir o leitor a que nos proporíamos falar sobre a simpática Vila do concelho de Palmela. Também não nos ocorreu falar do pinhal porque eram conhecidas as minas de antimónio e de ouro que, segundo relato enciclopédico, houve na freguesia de S. Mamede, a nossa cidade de Valongo. Do que trataremos é das consequências dos incêndios da época transacta, das medidas anunciadas para prevenir nova catástrofe e do que precisa de ser feito para evitar que este país se transforme numa longa extensão de montes, serras e montanhas onde apenas se vislumbre o negro do xisto, o cinzento do granito, o espreitar do calcário, ou a tristeza de qualquer outra rocha, onde outrora houvera terra e vegetação que lhe emprestavam um aspecto policromático, e onde o verde do pinhal se impunha pela sua intensidade.

    Ninguém ficará indiferente quando nas suas deslocações pelo país se confronta com a desoladora imagem de hectares e hectares da nossa flora reduzida a cinzas, receando que se algo de muito diferente do que tem sido realizado no passado não for rapidamente implementado, o panorama tem condições de se agravar, tendendo para que, efectivamente, o país apenas sirva para dele extrairmos inertes, com todas as consequências que daí advirão para as populações e para a economia nacional.

    Não sendo especialista na matéria, espero não ser ousadia pensar que, considerando as enormes extensões de área arbórea ardida, a sua regeneração não será possível pelo processo natural, pela simples razão de que não haverá por perto quantidade suficiente de penisco que dê lugar a novos pinheiros que reponham as árvores consumidas pelas chamas, impondo-se, por isso, medidas rápidas, corajosas e desinibidas, para que esta dificuldade da natureza seja suprida pela mão do homem, quer lançando quantidades suficientes de sementes, quer recorrendo à plantação de pinheiros de reduzido porte. Sendo esta ementa de fácil compreensão, difícil será aceitar as habituais esfarrapadas desculpas com que o poder político sempre nos brinda em idênticas circunstâncias: as áreas a beneficiar são essencialmente privadas e o Estado não dispõe de recursos financeiros para resolver o problema. Logo, deixemos que o desastre se concretize para depois nos lamentarmos, de que o que havia a ser feito o não foi por culpa da miopia dos governantes de então e para não afectar a construção de obras faraónicas.

    Naturalmente que o problema nacional não será tanto a falta de recursos financeiros, antes a ausência de crânios políticos da estatura do monarca do século XIII que mandou reforçar o pinhal de Leiria para defender as terras aráveis e produzir madeira para a construção de embarcações, ou do Marquês de Pombal que soube enfrentar a tragédia do terramoto de 1755 com a célebre frase: cuidemos dos vivos e enterremos os mortos, político a quem se ficou a dever a reconstrução da baixa pombalina lisboeta e o fomento da economia. A Companhia Vinícola do Norte de Portugal (Real Companhia Velha) ainda hoje é uma referência da elevada estatura do primeiro-ministro do rei D. José, podendo ver-se na sede social desta empresa de vinhos, o retrato do seu fundador, Sebastião José de Carvalho e Melo.

    OS VERDADEIROS

    INTERESSES

    NACIONAIS

    Foto MANUEL VALDREZ
    Foto MANUEL VALDREZ
    Actualmente, perante o “terramoto” que queimou milhares de hectares da nossa riqueza arbórea, é imperioso encontrar soluções que, realmente, façam face a esta tragédia nacional que vai muito para além de mesquinhos levantamentos de quem é que foi atingido: se interesses públicos se bens privados, na certeza de que se não acudirmos rapidamente com soluções nacionalmente adequadas, dentro de um ou dois lustros olharemos para o território nacional com o sentimento de que o que poderia ter sido feito o não foi nos anos imediatamente seguintes ao flagelo, sendo então impossível de o fazer por entretanto ter ocorrido a natural erosão dos solos e o consequente desaparecimento do rapão, manta fundamental à fixação e desenvolvimento do pinheiro bravo.

    Feito o diagnóstico, como actuar? Sabido que parte significativa da área a reflorestar é pertença de modestos proprietários, sem recursos para suportar os custos do projecto a desencadear, e assumido que a floresta é um vector fundamental da economia nacional que emprega milhares de portugueses, contribuindo para a balança de transacções comerciais de forma marcante, os verdadeiros interesses nacionais impõem que o governo desenhe e implemente um programa que conduza à reposição das espécies da nossa flora, financiado por contributos das empresas da fileira dos produtos da floresta, através de uma taxa específica que incida sobre a tonelagem dos respectivos consumos.

    Mas como a necessidade do investimento é imediata e as receitas a cobrar das entidades beneficiárias da floresta diferidas, as verbas para suportar a execução do programa seriam fornecidas pelo governo e pelas autarquias, em proporções a determinar, ficando um e outras credores dos respectivos desembolsos, revertendo totalmente em seu beneficio o somatório das taxas ou impostos a arrecadar das empresas que utilizam produtos florestais como matéria prima para o seu negócio.

    Com um programa desta natureza, cujo financiamento poderia passar pela emissão de dívida pública devidamente identificada com o fim em vista, poderemos começar de imediato a reflorestação de toda a área ardida, evitaremos que Portugal se torne num país ainda mais dependente do exterior em matéria prima para as suas indústrias, o território retomará o aspecto que tinha antes da praga dos incêndios, as condições climatéricas beneficiarão com o sucesso do programa, criaremos centenas de postos de trabalho e devolveremos a muitos dos nossos concidadãos, a esperança de voltarem a exercer a sua actividade profissional na floresta.

    Não ignorando que o anúncio de que as autarquias serão chamadas a colaborar financeiramente neste decisivo projecto para o futuro de Portugal provocará um coro de lamúrias e os habituais protestos, a coragem e determinação dos governantes devem impor que uma fatia das transferências financeiras do poder central, atribuídas a título de cobertura de despesas correntes, sofrerá durante alguns anos reduções, cujos montantes serão, transparentemente, afectos ao programa de reflorestamento nacional, sendo dispensável lembrar aos autarcas que a medida contribui para o bem-estar das populações que eles se dizem os primeiros defensores, e bem mais justificável do que os gastos sumptuários dos seus gabinetes e desperdícios financeiros com inúteis práticas burocráticas que, se reduzidas a 50%, economizarão milhões de euros e encurtarão os tempos das decisões camarárias, enriquecendo a sua qualidade.

    Se tivermos a sorte de encontrar governantes capazes de equacionarem correcta e atempadamente as urgentes medidas que a gravidade do problema reclama, a médio prazo teremos a alegria de ver um pinhal novo nos nossos montes e vales acompanhado de soutos e outras espécies, voltando a beneficiar, em pleno, da riqueza que a Natureza nos legou e que tão pouco temos sabido fazer para corresponder a tão generosa dádiva.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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