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    Arquivo: Edição de 20-12-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    Conto de Natal

    Presépio

    O termo presépio, sinónimo de manjedoura ou estábulo, pouco significado tem. É, antes, a mística do Deus-Menino, nascido numa gruta escavada na pedra. É natural pensar-se numa elevação rochosa, onde os agentes geodinâmicos abriram cavernas abrigadas da intempérie. A ocupação das grutas naturais deram possibilidades ao homem primitivo a conquista dos vales agrícolas. Será que o presépio da cristandade deseja o renascer da humanidade? Uma nova conquista? Subir ao encontro do Reino do Céu?

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA
    A reconstituição do local do nascimento de Cristo tem sempre um monte elevado, uma gruta, um boi, um jumento, ovelhas, pastores, e figuras várias, em caminhos íngremes ao encontro da Sagrada Família. Por isso, ainda se ouve dizer:

    - A Vila de Alenquer lembra um presépio!

    Mais: os povos serranos sentiam o Natal na chegada da neve e do frio; lembravam um boi e um jumento a aquecerem uma manjedoura; e os fenos a servirem de aconchego à Virgem parturiente...

    Apesar da representação do presépio começar no Séc. IV, foi S. Francisco de Assis, em 1223, que deu o impulso até aos nossos dias, com figuras esculpidas, tão simples e representativas, que fazem comover.

    É pena que as árvores de Natal, algumas de plástico (ainda bem) vieram fazer esquecer os presépios. Alguns, envergonhados, ainda vão surgindo junto ao pé da árvore colorida, iluminada e rodeada de prendas – um nascimento pobre e decoração à rica!

    O Fernando António, menino de olhos “grandes”, tisnado pelo ares da serra da Senhora da Azinheira e do vale do Douro, assistiu à montagem do pequeno presépio, na capelinha do lugar pelo irmão mais velho, aluno do Seminário de Vila Real.

    Quando a farinha de milho passou a marcar os caminhos no verde piso de musgo, encaminhando os pastores para a gruta, feita de tábuas de caixotes, no alto de um monte, como o da Irinha, confundiu o real com o imaginário! As figuras da Sagrada Família, na companhia da vaca e burrinho, iluminados por uma vela, escondida por uma folha de prata, cortada em estrela, faziam sonhar a confraternização do Natal – o feérico de lâmpadas eléctricas longe viria.

    O deslumbramento do presépio ficou gravado a ferros no espírito do Fernando António; mais, quando emigrou para o Brasil, aos quinze anos, e o barco começou a vogar nas grandes ondas do oceano Atlântico, via o ondulado dos montes da meninice, e os bois, burra e duas cabras a tosarem os pastos, como no verde presépio da Tenaria.

    Viveu anos e anos na terra de adopção, sem tugir nem mugir. Às cartas dos pais pouco respondia ou dizia. Aos amigos, padrinhos e outros familiares nem uma letra, mesmo pelo Natal.

    Sabia-se, que sobreviveu medianamente ao desterro e à saudade. Constituiu família em Niterói.

    SONHAR

    ACORDADO

    Foi preciso chegar à idade dos filhos adultos e de telefones à Tenaria para dar reais noticias aos pais, irmãos e sobrinhos.

    Só a pedido do pai nonagenário, e na companhia da filha mais velha, interessada em conhecer as raízes familiares, se dignou visitar ao torrão do nascimento. Vieram pelo Natal!

    O peso do corpo e da alma, o desgaste do clima tropical, tornaram-no um velho precoce e apático!

    Passear, conviver e ir aos sítios da infância não sanaram a letargia. Dava a impressão que os familiares, amigos, montes e vales eram incriminados pelos longos anos do outro lado do mar!

    Mas, quando um sobrinho o meteu num jipe e o levou à vinha do Vale da Trave, fez-se luz na alma do emigrante! Saiu a custo da viatura e começou a sonhar acordado!

    Mandou o sobrinho apanhar-lhe musgo de presépio, sobrevivente do incêndio de Verão, ao lado dos castanheiros, onde em criança tinha apanhado cestinhas de castanhas e feito magustos.

    Na encosta do monte via de um lado os eucaliptos a rebentarem junto ao solo, depois de queimados no Verão, e do outro o pinheiral escuro e carbonizado a pedir socorro! Vozes imaginárias ouviam-se, entre os eucaliptos, pinheiros e castanheiros:

    - O fogo em mim fez-me renascer – dizia um eucalipto para um pinheiro alto, sobrevivente do incêndio.

    - Não vales nada, emigrante da Austrália – respondeu o pinheiro – Nem os animais te querem (!); vê os tojos, os fetos e os pássaros, aqui comigo, agora que as chuvas chegaram – repontou, remexendo os ramos vivos cheio de prosa, o chamuscado pinheiro.

    - Bom sou eu! – disse o castanheiro do souto junto ao monte – o Filinto limpou o mato, apanhou as castanhas e levou” musgo para o presépio!

    Por: Gil Monteiro

     

     

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