8ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO
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Foto URSULA ZANGGER |
Do que a Terra Margarida...
Estreada em 1973, “Apareceu a Margarida”, peça precoce do dramaturgo brasileiro Roberto Athayde, tornou--se rapidamente um sucesso da dramaturgia brasileira, tendo sido levada à cena em mais de vinte países (como nos EUA, protagonizada por Estelle Parsons, por exemplo). A actriz Marília Pêra foi a primeira e uma das mais famosas protagonistas deste monólogo tragicómico. A ela (curiosamente no Porto na mesma altura em que a produção do ENTREtanto estreou), se deve também, em grande parte, o sucesso da obra, originalmente encenada por Aderbal Freire-Filho.
A peça, que inicialmente se chamava “Do que a Terra Margarida”, escrita em 1971, viu a luz do dia durante a vigência da Junta Militar brasileira e é, ela própria, alegoria do clima de repressão. D. Margarida, a professora, vive apaixonadamente as contradições do exercício do poder, que pratica de forma ditatorial na aula, e a emergência do ego, que se revela numa sensualidade que mal reprime – isto mesmo é confirmado pelo próprio dramaturgo, Roberto Athayde, que assistiu à produção com que o ENTREtanto abriu oficialmente esta oitava edição do MIT – a sua referida peça, sob encenação de Gabriel Villela.
A VERSÃO DE VILLELA
Foi um Athayde constrangido pelas liberdades da encenação de Villela, a que se juntaram outras do próprio actor, Júnior Sampaio, que nos disse da sua perplexidade perante algumas das escolhas feitas nesta encenação. Segundo Athayde, o texto original era mais poético e algumas das repetições do texto («Está aí alguém que se chame Jesus? Não?...») aparecem exageradamente sublinhadas nesta versão.
Seja ou não do inteiro gosto de Athayde, a peça, afastada, no tempo e no lugar, da estreia, em 1973, repousa, nesta versão (“Re Apareceu a Margarida”) do ENTREtanto, na encenação cuidada do mineiro Gabriel Villela, que para ela concebeu igualmente a cenografia e figurinos.
A primeira coisa que nos assalta quando o proscénio se ilumina é a grande Guernica em tons de castanho-cinza que ocupa toda a parede do cenário. Um globo terrestre de pernas para o ar, um rolo de papel higiénico que desce do tecto até à cena, uma janela, um quadro verde, uma secretária em que figura em destaque, entre outros objectos, uma caveira, e um ou dois bidões nos quais se guarda um esqueleto, armas e certos objectos mais, tudo isso desde logo marca um território próprio para a acção didáctica de D. Margarida.
A peça tem o seu epílogo no assassínio da mestra, às mãos de um aluno marginal, desses que, conforme referência da encenação de Villela, parecem saídos da Cidade de Deus, quer esta seja a favela do Rio, quer seja a metáfora do filme de Fernando Meirelles. Pormenor este também – do assassínio – alheio ao original de Athayde.
A representação de Júnior Sampaio é perfeita, casando com a personagem de uma forma pouco menos que ideal.
Os movimentos do actor em palco, a forma como encarna a personagem (como, por exemplo, usa o seu vestuário de couro, ora soutien, ora lenço em cabeça de santa), a forma como desfia o texto, tudo isso demonstra a qualidade enquanto actor do director artístico do ENTREtanto.
E teve uma ocasião para o demonstrar de forma soberba quando, por indisposição súbita de uma pessoa do público, foi obrigado a fazer uma pausa no espectáculo para que aquela pudesse ser retirada com os devidos cuidados. Júnior, sem desfazer a personagem, revelou as preocupações com a saúde por parte de D. Margarida, as quais foram a deixa para o reinício da peça, sem qualquer prejuízo para esta. O actor manteve a concentração elevada, em momento tão delicado e soube reagir à situação com uma notável presença de espírito.
Na encenação de Villela – já que desconhecemos outras – pelo menos, a peça de Athayde tem uma grande plasticidade e dinâmica. Difícil aqui avaliar os contributos de Júnior Sampaio para a criação da personagem. O MIT começou (oficialmente) muito bem.
FICHA TÉCNICA
Texto: Roberto Athayde
Versão Portuguesa: Nina Teodoro
Encenação: Gabriel Villela
Assist. Encenação: Hugo Sousa
Direcção de Actor: Fábio Mazzoni
Interpretação: Júnior Sampaio
Participação: Hugo Sousa
Cenografia e Figurino: Gabriel Villela
Desenho Luz/Som: Tiago Catarino
Desenho Vocal: Maria Luís França
Dir. de Movimento: Índio Queiroz
Pintura Cenográfica: Victor Sotto--Mayor e Nuno Gomes
Execução de Cenografia: António Quaresma e José Borges
Execução de Figurinos: José Rosa
Fotografia, Conceito Fotog., e Registo Video: House of Photography
Imagem e Concepção Gráfica: cASE sENSITIVE dESIGN
Produção Executiva: Sónia Mangas
Co-Produção: Cia. Melodramática Brasileira
Produção: ENTREtanto TEATRO
Por:
LC
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