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    Arquivo: Edição de 30-06-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    Milhafres

    Na Frieira andam águias – dizia o Carlos na última ida a Soutelo do Douro.

    Fiquei céptico. Seria possível uma águia no sobreiral, contíguo a um amendoal abandonado e vinhedos até ao riacho confluente do Douro?

    Os casais de águias necessitam de muitos hectares de terreno, onde os factores biótipos e abióticos propiciam ecossistema próprio e a luta pela vida.

    Em pouco tempo, o jipe ia a caminho da Frieira. À entrada da propriedade, logo vislumbrei cinco aves de rapina, em acrobacias sobre o sobreiral. Bastaram os dados recolhidos em Roalde, antes de ir frequentar a Escola Primária, para saber que eram milhafres, também conhecidos por peneireiros!

    Observá-los foi um espectáculo. Nem os rastos dos aviões (a caminho de Londres, dizem) prendem tanto a atenção. Subiam rápido no azul celeste, desciam lentamente e, por vezes, quase imóveis como helicópteros (peneirar) forneciam imagens sublimes.

    Mesmo sem hipótese de observar uma águia, a minha costela de ambientalista amador ficou satisfeita. Ver milhafres é obra, e nos terrenos actuais durienses, tão causticados por incêndios e plantações de vinhedos, é um prazer. Já tinha visto bastantes andorinhas, nos beirais das casas da aldeia, como sinais de vida intensa (insectos) mesmo em ano de tanta falta de chuva. E se há insectos, há lagartixas e pássaros , alimentos das aves de rapina ou outros, como os ratos, alguns coelhos e passarinhos. Estes são sacrificadas em proveito das aves do céu!

    Os milhafres são caçadores fantásticos. Em voo perseguem e apanham os animais voadores e saltadores. Têm uma visão telescópica. Planando, conseguem ver, ao longe e por cima, as “camas” dos coelhos e apanhá-los a dormir, apesar dos ouvidos de “tísico” de herbívoro.

    Aprendi alguns modos de luta pela sobrevivência dos seres vivos, quando convivia com outros ganapos nas brincadeiras, ao redor do lugar da freguesia S. Martinho. A ida para a Escola só aos sete anos feitos permitiu uma aprendizagem do meio ambiente e das brincadeiras (muitas) do meio rural. Como os brinquedos, desde o pião ao rapa até à ocarina (cuco de borbulhar com água), só apareciam depois da feira de S. António (Vila Real) e do Natal (S. Martinho de Anta), os outros eram planeados e utilizados pela canalha. Os escorregas de casqueiro, surripiados ao Senhor Matos, até à roça e jogo da pinha faziam a sã camaradagem do dia a dia.

    Assim, graças aos passeios pelos arredores da aldeia, vi um milhafre atacar uma ninhada de pintainhos da Luzia, na eira do caminho da Fonte, perto do galinheiro, nas traseiras das casas. Fiquei cliente e observador de novos episódios, entre as rapinas e as aves de capoeira.

    Curioso, as galinhas, tidas por tolas, mostraram como eram capazes de lutar pelos filhotes. Mal se vislumbrava um possível ataque de milhafre o cacarejar desesperado e o inteiriçar do corpo faziam frustar os ataques de milhafres, ao tempo que os pintainhos se refugiavam em luras, na vegetação ou entre as asas maternais.

    Em determinada ocasião, não havendo sinais de rapinas por perto, vi uma galinha entrar em pânico. Seria alguma cobra?

    A perspicácia do Fernando António descobriu: na eira, uma sombra do feitio de uma rola, quase fixa na entrada do palheiro, era a causa do sobressalto da ninhada! Olhando o céu, vimos um enorme milhafre, planando nas alturas, preparando um ataque.

    Deixei de considerar as galinhas como animais estúpidos.

    Por: Gil Monteiro

     

     

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