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    Arquivo: Edição de 15-05-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    Galinhas

    Em qualquer aldeia transmontana havia galinhas ao “rebrio” nos quinteiros ou na rua. Conheciam bem os donos e nunca se enganavam no regresso aos poleiros. Os galos batiam a asa antes da fecundação e cantavam a horas certas para o mourejar, ir à “Bila” (Vila Real) ou tomar conta da água de horas da poça da Barrosa ou do Barbeito.

    Deitar uma galinha de choco (a mais bazófia) era um ritual. Primeiro preparava-se o ninho, num cesto vindimo cortado ao meio, quando já não merecia voltar a ter uvas. A palha e os folhatos de milho davam a naturalidade caseira dos ninhos do matagal, onde iam, saltando os muros da quinta. Segundo, a galinha pedrês bem choca, era colocada no ninho, com dúzia e meia de ovos galados, dizendo a Avó, e fazendo uma cruz com a galinha:

    – Em louvor de S. Salvador!, que nasçam tudo pitas e só um galador.

    Ilustração Rui Laginha
    Ilustração Rui Laginha
    Só os ovos interessavam, pois não se ouvia: «Vou comer frango», antes, «vou comer galinha». E só nas festas, dias especiais ou nas doenças é que se matavam galinhas. A canja era milagrosa e o tamanho dos ovinhos, em crescimento no ovário, faziam a guerra da família à refeição!

    A vida citadina era outra loiça! A Vitorinha todos os sábados ia ao mercado e comprava uma galinha pequena poedeira. Tinha de a depenar em água a escaldar, antes de ir para a panela.

    O almoço de domingo, com canja e arroz de cabidela, era um banquete ansiado. Dava energia para ir a pé ver jogar o Vila Real no campo do Calvário, e dar pontapés em falso, quando o Rochinha ou o Melo acertavam ou não nas redes das balizas do Chaves ou Salgueiros.

    A expressão “passa galinha” só na cidade a aprendi.

    Os lentos e dolorosos funerais passavam, a caminho do cemitério de D. Dinis ou Santa Iria, atravessando a cidade em passo lento. Mal se vislumbrava a urna, era rápido o dizer para os amigos: “Passa galinha”! O último não tinha a quem passar e seria o próximo a ter azar!

    As galinhas, apesar de ficarem tontas só por serem abanadas com a cabeça debaixo da asa, são bem inteligentes. Lutam e defendem os pintainhos atacados pelo milhafre nos quintais afastados do povoado. Só a sombra da ave de rapina é capaz de a levar a recolher a ninhada no galinheiro!

    Nas idas a Soutelo do Douro tenho o hábito de visitar as galinhas, patos e pombos, nas traseiras da quinta. A bicharada está num espaço grande e livre, frente aos galinheiros.

    É costume levar couves, erva ou folhas de videira para desougo dos bichos. Na actual estiagem-invernal não tinha nada verde para oferecer, excepto umas ervitas sobreviventes, junto ao troco de oliveiras. Mesmo assim, pressentiram a presença.

    Corto, já perto umas ervas e atiro-as por entre a rede. É o alvoroço da criação! Os patos, de bico achatado, disputaram a verdura em frenesim, própria para outros bicos!

    Ao ver o empenhamento dos patos na luta pela vida, lembrei Luís Sepulveda, quando escreveu «...do darwinismo económico rei da legítima ideia de igualdade...».

    Por: Gil Monteiro

     

     

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