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    Arquivo: Edição de 15-03-2005

    SECÇÃO: Cultura


    Páscoa Cultural em Ermesinde

    Concerto Coral Sinfónico na Igreja Matriz

    No seguimento de um hábito que já constitui tradição, a Igreja Matriz de Ermesinde vai, mais uma vez, ser o grande palco de uma manifestação cultural que esta comunidade já não dispensa. Efectivamente, o concerto do sábado, véspera do Domingo de Ramos, já faz parte do folar que a Câmara Municipal de Valongo, da presidência de Fernando Melo, há anos patrocina e oferece a esta cidade de Ermesinde, por altura da Páscoa.

    É justamente da coordenação entre o Pelouro da Cultura, da competência de José Luís Pinto, e o pároco de Ermesinde, cónego João Peixoto, que pela primeira vez é o anfitrião deste concerto, que a população de Ermesinde tem usufruído deste “banquete” artístico-cultural, belo exemplo de descentralização do que de melhor é constituído o “bolo cultural” mundial, que não pode ficar refém das grandes metrópoles.

    Nem só de pão vive o homem!

    O COMPOSITOR

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    Filho de um mestre-escola de uma aldeia austríaca, Anton Bruckner (1824/1896) ficou órfão muito cedo.

    Ingressou num mosteiro, onde iniciou estudos musicais, por vocação manifesta.

    Com 16 anos, iniciou o curso de professor, em Linz, seguindo paralelamente com os estudos de música e órgão, em que viria a ser um Mestre na arte da improvisação.

    De regresso ao Mosteiro, como professor, foi ali organista, desde 1848 a 1855, data em que foi empossado como organista da Catedral de Linz.

    Como convidado, percorreu toda a Europa (Paris, Londres, Munique), na sua qualidade de exímio improvissador no órgão. Foi em Munique que se encontrou com Wagner, de quem se fez grande admirador pelo estilo do contraponto.

    Foi, aliás, esta sua admiração por Wagner, na dicotomia da apreciação Brahms//Wagner, então corrente, que lhe valeu por parte de alguns patrícios seus, o menosprezo na avaliação de algumas obras suas.

    A sua exigência nas técnicas do contraponto está na base do seu tardio aparecimento como compositor. Aliás, são característica de Bruckner as frequentes e repetidas revisões a muitas das suas obras, algumas a pedido.

    Mais recentemente, todavia, nota-se já uma procura dos originais autênticos como definidores do genuíno perfil do compositor.

    A OBRA

    Ao ouvir Bruckner, poder-se-á ser levado, nos primeiros compassos, a confundi-lo com Wagner, dado o modo como ambos utilizam a profusão dos metais na orquestração das suas obras, numa magnificência verdadeiramente operática.

    Em Bruckner, um romântico, encontramos uma grande liberdade criativa, muito diferente do clássico, mais contido quanto à forma.

    Com Bruckner a criar música sacra sobre textos litúrgicos (por exemplo: as suas Missas), nós entendemos a transcendência por outros códigos, percrutamos o “sagrado” por outras sonâncias diferentes.

    No estilo de Bruckner, avançado em relação à sua época, adivinha-se uma antecipação da música expressionista, que haveria de chegar mais tarde. Daí, os repetidos pedidos de revisão, atrás referidos.

    A sua obra é muito vasta: – 11 Sinfonias, a primeira em 1863, e mais 10 (numeradas de 0 a 9), sendo a última acabada um pouco antes da sua morte; também várias outras peças orquestrais.

    Como música coral e coral-sinfónica, tem cinco Missas, Te-Deum, Requiem e vários motetes. Música de Câmara: dois quintetos de corda.

    A obra que vai ser produzida em Ermesinde é a “Missa em Fá Menor” (n.º 3) escrita em 1867/1868, com três revisões posteriores.

    Ela constitui uma autêntica Sinfonia Coral, na sucessão dos seus momentos/andamentos. O seu sentido melódico encaminha-se muitas vezes por vagas de cromatismos, logo seguidas de quedas abruptas de grandes intervalos.

    Assim, também no colorido coral e orquestral: dinâmicas de vagas sonoras em crescendo que nos conduzem a “clímax” esplendorosos, logo seguidos de pianíssimos que só o silêncio ouve...

    Alguns exemplos: – “Gloria”, com grande solenidade e alegria, com algumas notas coroadas e enfatizadas, a pedido do texto e do ritmo, e que termina com “In Gloria Dei” – mais uma repescagem, em pleno “romântico”, da figura da “Fuga”, que vem do “barroco” e que é mais uma homenagem da música ao texto subjacente.

    No “Credo” – o compositor inicia toda a propositura do “Concílio de Niceia” com a força da sua Fé; e é tal o vigor e a veemência que Bruckner imprime na sua intensidade melódica e rítmica, com repetição de palavras que... – dir-se-ia – só de um religioso, com uma Fé do tamanho do mundo!...

    “Passus et sepultus est”... aparece-nos num pianíssimo de dor, sofrimento e luto...

    “Et Ressurrexit” – Num vulcão de alegria estonteante, pela melodia e pelo ritmo, surge a Ressurreição, que Bruckner sabia bem ser a maior centralidade da Fé Cristã. Numa sequência de compassos de verdadeira obsessão rítmica da Orquestra, o compositor leva-nos a um “Tutti” avassalador de vozes e instrumentos, perfeitamente identificado com o significado da Páscoa no contexto cristão.

    O “Sanctus” começa num “piano” humilde e impetrante, para logo reconhecer, na sua verdadeira grandeza, o Senhor do Universo, no “Dominus Deus Sabaoth”.

    Na música de Bruckner, o homem paira sempre acima de si próprio, entre a sua natureza e a sua transcedência em Deus. É o estilo romântico na vertente mais bela da sua magnificência...

    Deus e o homem:

    – Dois dedos que se tocam – na pintura;

    – Os contrastes e os extremos do espectro sonoro que se cruzam – na música de Bruckner.

    John Warrack – um dos seus analistas – referia-se-lhe assim: «...Para Bruckner, mais do que para ninguém, a esperança em Deus é motivo de alegria e júbilo».

    INTÉRPRETES

    Os intérpretes deste Concerto serão os já nossos conhecidos:

    – Coro da Sé Catedral do Porto;

    – Orquestra Nacional do Porto, com os seguintes solistas: Cristine Wolff (soprano); Annunziata Vestri (contralto); Mário João Alves (tenor); Jorge Vaz de Carvalho (baixo);

    – Maestro do Coro: Eugénio Amorim.

    A direcção do concerto será do maestro Marc Tardue, também maestro titular da Orquestra.

    O evento ocorrerá na Igreja Matriz de Ermesinde, no sábado, dia 19 do mês corrente, pelas 21h30.

    Uma boa audição para todos.

    Por: ABÍLIO CUNHA

     

     

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