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Edição de 30-09-2024
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    Arquivo: Edição de 30-11-2023

    SECÇÃO: Crónicas


    RECORDANDO UMA FIGURA POPULAR DA NOSSA TERRA...

    O Camilo da minha infância

     AUTORA DESTE TEXTO NAS ESCADAS DA CASA ONDE SE SENTAVA CAMILO, EM FRENTE À VILA BEATRIZ
    AUTORA DESTE TEXTO NAS ESCADAS DA CASA ONDE SE SENTAVA CAMILO, EM FRENTE À VILA BEATRIZ
    O Camilo encarnava o Cristo da nossa infância. Tal como ele, carregava a sua cruz,um saco cheio de latas, panelas e tudo o que de mais velho encontrasse. Sentia no corpo o sangue e a dor, apedrejado pelos meninos da rua. Na sua testa tinha as marcas laceradas por alfinetes e arames, os espinhos da sua coroa.

    O Camilo era o homem do saco da canção de Manuel Serrat, como nela as crianças alvoraçadas corriam e gritavam, insultando, incomodando a placidez dos seus passos, a solidão do seu olhar.

    O Camilo era o mágico, o homem do circo, com seus braços e pernas cravejados de alfinetes de bebé e sua face ausente de mímica dolorosa. Sua pele revestia esses corpos estranhos, envolvendo-os serena e vitoriosa, sem indício de infeção. O nosso mágico exibia-os como um troféu.

    O Camilo era um visionário, fitava o céu demoradamente, extasiado, penetrando-o adivinhando o tempo que aí viria. Quase invariavelmente acertava.

    O Camilo era o Santo, a figura bíblica dos nossos tempos de escola. Tal como o Santo mártir usava longas túnicas, sujas de tanto rastejar. Seu manto adornado com uma corda grossa, de intermitência brilhante, lembrava o nosso ilustre Egas Moniz caminhando para a sentença final.

    Além do mais representava o pai, o filho, o amigo, quando se sentava naquelas escadas de granito pertencentes à casa onde morava o carinho. Como se fosse o seu último lugar, aí descansava durante o tempo por si permitido, aguardando em silêncio sepulcral a sopa, o conduto e o vinho legados por uma linda Senhora que não lhe era nada, mas afinal era tudo. Lambuzava-se, fazendo do arroto um ato digno. Após a sobremesa, acariciava o cabelo macio daquela, que para ele representava a Mãe do Céu. Imediatamente correspondido, com um terno sorriso e um pedaço de algodão embebido em solução iodada sobre a sua pele e troféus.

    As crianças na rua perscrutavam, espreitando para lá do portão fechado. Temeroso o Camilo levantava-se meio sonolento e mais uma vez partia para lugar incerto. Sorrateiras e cerimoniosamente as três crianças da casa afastavam o magote de pequenos curiosos, para que o seu herói, solenemente reiniciasse a sua inacabada viagem.

    A vida deste eremita obedecia a um

    (...)

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    Eugénia Ascensão

     

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