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    Arquivo: Edição de 31-07-2021

    SECÇÃO: Desporto


    ENTREVISTA

    José Magalhães: «O melhor brinquedo que eu podia ter tido foi ter estado nos Jogos Olímpicos»

    No mês em que em Tóquio arrancou a XXXII Olimpíada da Era Moderna, estivemos à conversa com uma figura que conhece como ninguém a sensação única do que é participar num evento desta dimensão. E para orgulho de todo o nosso concelho ele é de cá. Falamos de José Magalhães, atleta olímpico do Alfenense que esteve presente nos Jogos de Barcelona (1992) e de Atlanta (1996) na disciplina de marcha. Nesta entrevista, o atleta, recorda com saudade - e com uma ou outra mágoa - as suas presenças naquele que foi o evento mais alto da sua carreira. José Magalhães, hoje com 66 anos, é igualmente o grande timoneiro da secção de atletismo do Alfenense, clube ao qual está ligado há 46 anos, e pelo qual foi por diversas vezes internacional, sendo que para além dos Jogos Olímpicos teve presenças em campeonatos do Mundo e da Europa, bem como em várias taças do Mundo e da Europa.

    Fotos MIGUEL BARROS
    Fotos MIGUEL BARROS
    A Voz de Ermesinde (AVE): Esteve presente em duas olimpíadas. Olhando para trás, arriscamos a dizer que este foi o ponto mais alto da sua carreira, ou não fosse a presença nos jogos o sonho de qualquer atleta (?)...

    José Magalhães (JM): Sim, sem margem de dúvidas que para qualquer atleta é o ponto alto. Aliás, no final da minha competição nos Jogos de Barcelona lembro-me de um jornalista me perguntar o que é que eu desejaria naquele momento, ao que eu disse que desejava que todas as pessoas que fazem desporto, seja qual for a modalidade, que tivessem um dia a sorte de estar nos Jogos Olímpicos, independentemente da classificação que viessem a ter. Ainda hoje se eu pudesse não me importava de ir aos Jogos e ser o último classificado, pois o importante é estar lá.

    AVE: A sua carreira no atletismo, porém, tem início muito antes dessas duas presenças olímpicas (?)...

    JM: O início no atletismo deu-se em 1975 aqui no Alfenense, e até à data de hoje nunca parei. Fui um dos fundadores da secção de atletismo no Alfenense, juntamente com mais dois colegas, sendo que um deles ao fim de meio ano abandonou e o outro ao fim de dois anos casou-se e abandonou também e depois eu fiquei aqui sozinho. Mas voltando ao início, em 5 de maio de 1975 um colega organizou uma prova de atletismo ali na zona do Reguengo (Alfena) e como eu era alto e magro desafiou-me a correr. Eu na altura não sabia o que era o atletismo, só sabia que era correr. Um desses meus colegas ganhou a prova, eu fiquei em 6.º e outro em 12.º, e ficámos em 2.º lugar por equipas. Isso motivou-nos, pois afinal de contas sem sabermos bem o que era o atletismo até não tivemos assim resultados tão maus. Faltava-nos, contudo, saber o que era o atletismo. Foi então que fiz uns cursos de monitor e aí tirei umas dicas daquilo o que era na verdade o atletismo, que como se sabe tem 24 disciplinas olímpicas. Inscrevi-me depois no curso de treinadores a nível nacional, em Coimbra, onde tirei o curso de treinador em todas as disciplinas da modalidade. Eu, juntamente com o José Sousa e o António Magalhães, os outros dois colegas de que falei, começámos então a convidar para o Alfenense mais atletas, inclusive começámos a arrastar para aqui aqueles jovens que andavam na rua e felizmente posso dizer que foram esses os atletas que mais singraram a nível nacional anos mais tarde. Chegámos a ter aqui 50/60 miúdos, e faltou-me ter mais pessoas para me ajudar a coordenar essa gente toda. Eu recordo que cheguei a ter oito funções no clube, inclusive a de treinador. E como é que eu cheguei a atleta? No seguimento de treinar os miúdos eu exemplificava os exercícios e fazia-os também, e quando havia provas eu levava os miúdos e também participava em provas para a minha faixa etária. Fazia isso no sentido de exemplificar que o desporto era para toda a gente, independentemente da idade, da altura, de ser magro ou gordo, ou da classificação que tirava. A minha preocupação foi sempre a de passar a mensagem de treinar, e naqueles intervalos que eu ensinava também competia para mostrar aos miúdos que independentemente do muito ou pouco treino que tenham o importante era participar. Recordo aliás que em meados dos anos 80 o Alfenense era o clube que mais atletas dava às seleções da Associação de Atletismo do Porto, em várias disciplinas, e isso dava-me gozo e motivava-me como treinador. Até que um dia comecei a integrar a marcha atlética dentro dos meus treinos, que foi a disciplina em que me distingui enquanto atleta, sendo que na primeira vez que fomos participar nos regionais de marcha levei uns miúdos e fiz também a prova de marcha. Lá fiz a prova, cheguei ao fim com algumas cãibras, mas pensei que se treinasse mais um bocadinho talvez conseguisse fazer mais alguma coisa! Até que um dia fiz o seguinte: disse aos jovens que treinava que nunca os iria abandonar, mas também tinha de arranjar um espaço de treino para mim. E então eu fazia o aquecimento com eles, trabalhava a técnica dos mais jovens, e ia metendo uns quilómetros nas pernas andando aqui às voltas. E à medida que fui metendo esses quilómetros nas pernas ia participando numa ou outra prova que ia aparecendo até que fui melhorando as marcas. Em 1989 comecei com 33 ou 34 anos a fazer marcha, e fui chamado para ir a um encontro internacional realizado na Corunha, ao serviço da seleção nacional, e ai é que eu vi a diferença de quem treinava e quem não treinava. Percebi que tinha de arranjar mais um bocadinho para treinar, mas nunca pude deixar de trabalhar, fiz muitos sacrifícios porque nunca abandonei os atletas que treinava. Se fosse hoje se calhar teria abandonado o Alfenense, porque fui convidado pelo Porto, Boavista e Benfica, e nunca aceitei esses convites, sempre representei o Alfenense e nunca abandonei o clube. Fiquei sempre pelo Alfenense, um clube que não faz mal a ninguém. Agora, há pessoas que passaram por aqui que não interessam, e ainda hoje me pergunto do porquê de estar aqui há 46 anos no Alfenense. Já pus metas de saída, nunca ganhei nada com o atletismo, pelo contrário, só gastei dinheiro.

    Foto ARQUIVO
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    AVE: Voltando aos Jogos Olímpicos, que lembranças guarda tanto de Barcelona 92 como de Atlanta 96?

    JM: Ainda agora recentemente quando vi a comitiva portuguesa a ir para os Jogos de Tóquio senti um arrepio, porque acho que ficou-me qualquer coisa por fazer. Como já disse antes eu queria que toda a gente sentisse o que é estar nos Jogos, é lá que estão quase todas as modalidades, há atletas que são bem pagos para lá ir e há atletas que como eu pagam para lá ir. Mas os que vão lá são os melhores. Tanto em Barcelona como em Atlanta eu senti-me na obrigação de acabar a prova, aliás, nos Jogos de 92 disse que só me considerava atleta olímpico caso acabasse a minha prova, caso contrário não, porque ir às Olimpíadas e não acabar a competição acho que não faz muito sentido.

    Felizmente acabei as provas, mas se me perguntassem se gostava de ficar mais à frente claro que sim, quem não gostava? Mas eu fui ciente de que o mais importante era acabar a prova, e em 52 ou 53 atletas que participaram fiquei posicionado a meio em ambas as presenças olímpicas. A parte menos positiva foi a desconsideração que senti nos Jogos, e passo a explicar. Eu era atleta do Alfenense, não era atleta dos chamados grandes clubes, e só por aí somos logo desconsiderados, embora eu ache que os clubes pequenos também têm o direito de ter atletas grandes e foi por isso que eu com 42 anos não aceitei uma proposta do Benfica. Mas a desilusão aconteceu quando fui a Barcelona por culpa de um jornalista. A história começa quando um individuo do Comité Olímpico Português (COP) nos foi buscar ao aeroporto e levou-nos à Aldeia Olímpica. Dos cinco marchadores que fomos para Barcelona três éramos estreantes. Os mais velhos eram o José Pinto, do Belenenses, e o José Urbano, do Benfica, e os estreantes eram eu, a Isilda Gonçalves, do Montijo, e a Susana Feitor, do Rio Maior. Eu era o mais velho de todos. Quando chegámos à aldeia olímpica fizemos o check-in, e como já era muito perto das 14H fomos almoçar ao restaurante que ali existia. O membro do COP explicou-nos o funcionamento das coisas na Aldeia Olímpica e disse-nos que lá fora estavam uns jornalistas que queriam falar com os marchadores. O José Urbano e o José Pinto como já tinham estado nos Jogos de Seul em 88 disseram que como nós éramos os estreantes em Olimpíadas deveríamos dar as entrevistas, até porque eles já tinham dado entrevistas em Portugal, e se fossem eles a conceder as entrevistas os jornalistas só queriam falar com eles e não connosco. Acontece que quando eu e as miúdas chegamos ao pé dos jornalistas, um determinado jornalista português bem conhecido virou-se para o senhor do COP e disse: “então é isto o que você me traz para a entrevista? Onde está o José Urbano e o José Pinto?” Aquilo caiu-me muito mal. Fiquei revoltado e senti-me desprezado. Pensei que as pessoas fossem mais educadas e soubessem respeitar quem cá estava. Deve haver respeito por todos, porque só Deus sabe o sacrifício que muitos fazem para estar lá. A minha vontade foi logo de vir embora. Fiquei desnorteado. Por causa disso fiz umas asneiras que não devia ter feito e que hoje reconheço como um erro, isto é, para mostrar que aquele jornalista estava errado, num treino que fiz a seguir fiz a minha competição, ou seja, dei tudo naquele treino. E quando fui para a competição fui todo arrebentado (fisicamente). Serviu-me de lição, mas com aquela frustração do que ouvi fiz um treino que não devia ter feito porque fui todo roto para a prova. Mas também estava muito calor no dia da prova em Barcelona, e só pedia a Deus para terminar, pois acabei todo roto. Conclusão, para me tentar vingar de uma desilusão acabei por me matar. Ainda hoje sofro com esta história.

    AVE: O que torna na sua opinião os Jogos Olímpicos uma competição tão especial?

    JM: Os Jogos Olímpicos têm lá toda a família desportiva, estão lá os melhores do mundo, independentemente da classificação. Depois é o convívio entre todos, as alegrias e as tristezas que são partilhadas. Vê-se atletas a ir às medalhas e a chorar de alegria, e vê-se outros a chorar de tristeza porque não conseguiram lá chegar. Mas o fundamental nos Jogos é aquele ser um evento onde toda a gente quer estar, é a alegria de estarem ali atletas de 200 e tal países, de conhecermos pessoas, de convivermos.

    AVE: Barcelona, em 1992, foram os primeiros Jogos em que esteve, com que ilusão partiu para o evento, tendo em conta que era a primeira vez que pisava aquele que é considerado o maior palco desportivo mundial?

    JM: Antes de ir para Barcelona eu tinha falado com o José Pinto e o José Urbano, com quem tinha feito um estágio de 10 dias antes dos Jogos, e eles já me tinham dado umas dicas de que aquilo era como uma família mas que também havia muitas desilusões, porque vamos todos com o sonho de fazermos o melhor. Quando parti para Barcelona senti-me um menino, alegre e satisfeito, pois estava a cumprir um sonho que nunca tinha sonhado, desde logo pela idade que tinha (37 anos), pois estava ciente do que fazia e do que ia lendo, de que grandes atletas que treinavam bem é que lá iam, e eu só treinava uma vez por dia, e não conseguia fazer mais do que 70 quilómetros por semana e esses atletas faziam 150 quilómetros por semana, e por isso estava ciente das dificuldades. De qualquer forma eu estava ciente do que tinha treinado, ciente do que tinha conversado com pessoas que já tinham estado em Jogos, só não estava preparado para chegar lá e ser mal tratado pelo tal jornalista. O que é certo é que eu considero-me um felizardo por ter estado nos Jogos, pois pelo desgaste físico que eu tinha no meu trabalho, pelos treinos que tinha, e o pouco tempo que eu me dedicava a mim no atletismo fui um felizardo. Posso dizer que o melhor brinquedo que eu podia ter tido foi ter estado nos Jogos Olímpicos.

    AVE: Como foi viver pela primeira vez todo aquele ambiente olímpico, entrar no estádio na cerimónia de abertura, viver na aldeia olímpica...

    JM: Eu felizmente tive a sorte de ter estado quer na abertura quer no fecho dos Jogos, coisa que nem todos os atletas têm a sorte de fazer. Na abertura, em Barcelona, no momento em que começou todo aquele espetáculo cerimonial que é costume fazer e nós vestidos com os fatos da comitiva e olhar em volta e ver todas aquelas cores das diferentes comitivas, senti-me um daqueles todos. Estavam ali os melhores desportistas do mundo, e naquele momento senti-me parte daquela família. Com profissionalismo ou amadorismo todos lutaram para ali estar. E depois olhar ao redor e pensar na família e desejar que também estivessem ali para partilhar a nossa felicidade, porque queiramos quer não a nossa família também sofre.

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    AVE: O facto de aparecer pela primeira vez nos Jogos com 37 anos, de competir com atletas mais novos, não o assustou?

    JM: Não. Eu costumo transmitir ainda hoje aos meus atletas que se esforcem para que um dia tenham a sorte de lá estar, independentemente do que fazem no dia a dia e dou-lhes o meu exemplo. O importante é chegar lá e não se assustarem com os pergaminhos. Nunca é tarde para lá chegar. Claro que gostava de ter experimentado mais cedo, mas de certa forma o bilhete de identidade nunca me assustou, pelo contrário, só me motivou. Passo sempre a mensagem aos jovens de que nunca é tarde para lá chegar, o importante é não abandonarmos o objetivo a meio do percurso.

    AVE: Quatro anos mais tarde em Atlanta aquele não era um ambiente novo para si, já era a sua segunda participação, mesmo assim com que expectativa chegou a estes Jogos?

    JM: Para Atlanta já me preparei melhor. Fui fazer um estágio a Manaus (Brasil) para adquirir a condição atmosférica de Atlanta, para adaptação ao ambiente, que era muito idêntico. Estive lá duas semanas e fui para Atlanta convicto de que ia tirar um melhor resultado do que tirei em Barcelona, onde fui 26.º. Acontece que sem querer arranjar desculpas fiquei com gripe em Manaus devido a uma estupidez minha. Isto é, depois de um treino que me correu às mil maravilhas fui ter com o massagista e fiquei debaixo de um ar condicionado que ele tinha no quarto. Fiquei uma hora debaixo do ar condicionado fresquinho quando tinha acabado de fazer 25 quilómetros de treino. À conta disso fiz os 50 quilómetros da prova em Atlanta com 39 graus de febre. Os médicos não queriam que eu participasse mas eu quis participar. Parti, mas o corpo não reagia, mas aí também a minha convicção era ganhar aos desclassificados e aos desistentes e chegar ao fim. Fiquei em 27.º. Vim embora desanimado, ia fazer 42 anos, e disse para mim que ficava por ali e que me ia dedicar ao trabalho, percebi que a sorte não estava do meu lado. Acabei por não fazer a marca de que estava à espera, desanimei, e depois não fiz a época de inverno. Entretanto, havia a Taça do Mundo, em Podebrady, na República Checa, e o técnico nacional ligou-me na tentativa de moralizar-me, ao que eu lhe disse que já tinha 42 anos, estava cansado, Mas o que é certo é que em janeiro comecei a treinar e em maio fui à Taça do Mundo fazer os 50km e fiz a minha melhor marca de sempre. Ou seja, acabei por ter a felicidade que não tive em Atlanta. Ainda hoje é a minha melhor marca, 3H57M, mas preferia ter feito este tempo em Atlanta do que na República Checa.

    (...)

    leia esta entrevista na íntegra na edição impressa.

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    Por: Miguel Barros

     

     

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