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    Arquivo: Edição de 30-04-2020

    SECÇÃO: Destaque


    ENTREVISTA COM O CÓNEGO JOÃO PEIXOTO

    Paróquia de Ermesinde conta-nos como leva por diante a sua “missão” em tempos de pandemia

    É inegável que o novo coronavírus provocou, ou está a provocar dia após dia, melhor dizendo, profundas alterações no quotidiano de todos nós. Fintar este inimigo invisível obriga-nos a alterar hábitos, rotinas nos mais diversos papéis que desempenhamos na nossa vida. Quer sob o ponto de vista profissional, social, ou pessoal.

    Estamos todos a adaptar-nos a uma nova forma de viver e de olhar o Mundo. Uns fazem-no com maiores dificuldades, outros com menores. Uma das principais medidas pedidas – ou impostas – a todos nós pelas autoridades nacionais e internacionais no sentido de conter/travar a propagação do vírus foi o isolamento social. Uma medida que tem implicado que muitos dos hábitos rotineiros que são implícitos à nossa forma de viver tivessem de ser suspensos nuns casos, modificados noutros casos, para bem de todos com a missão de rapidamente esta pandemia se eclipsar das nossas vidas.

    Um desses hábitos que ficaram suspensos foi a prática do culto religioso, a participação em cultos religiosos de forma presencial, como as missas, as confissões, as idas à catequese para os mais novos. E isto levou-nos à conversa com o cónego João Peixoto, o pároco de Ermesinde, no sentido de perceber, ou conhecer, a forma como a nossa paróquia está a levar por diante a sua missão nestes dias que vivemos no presente, a (nova) maneira como se relaciona com os seus paroquianos e vice-versa.

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    Desde logo como é que a Paróquia de Ermesinde está a viver esta fase de isolamento social, ou presencial, se assim lhe quisermos chamar, em relação aos seus fiéis/paroquianos. A resposta do cónego João Peixoto é perentória: «Estamos todos a passar mal… A palavra «Igreja» quer dizer «assembleia» que se reúne em resposta a uma convocatória… A impossibilidade de nos reunirmos fere-nos no que temos de mais íntimo e identitário. Sem nunca poder preencher este vazio, esta ausência, penso, contudo, que a situação presente nos vai fazer crescer de vários modos».

    E de pronto enumera alguns, desde logo, o impedimento «das nossas assembleias leva-nos a dar-lhe mais apreço, a desejá-las, a ter saudades da vida comunitária; como noutros casos, a privação força-nos a tomar consciência do imenso tesouro que tínhamos – temos – e a que não dávamos o devido valor».

    PALAVRA "FAMÍLIA" GANHA

    UM NOVO SENTIDO NA CRISE PANDÉMICA

    Noutro modo, refere que a distância física, neste como noutros casos e contextos, aguça o engenho e a criatividade no sentido de encontrar alguma forma de compensação – nunca de substituição – «aproveitando-nos, nomeadamente, do progresso das comunicações e interconexões telemáticas, hoje ao alcance de todos».

    A palavra família ganha ademais um novo sentido com esta crise pandémica, pois «a impossibilidade de nos reunirmos como Paróquia – Família de famílias – permite-nos redescobrir e/ou revalorizar a vida familiar, aquilo a que chamamos «Igreja doméstica». Eis uma ocasião para as nossas famílias se reassumirem como espaço fundamental para a vida de fé, esperança e caridade, como verdadeiras Igrejas onde se reza e celebra em «espírito e verdade», diz o cónego João Peixoto, acrescentando que «nos inícios do cristianismo, a Igreja começou em famílias, em casas familiares. Hoje, devido à pandemia, como que voltamos a esses inícios: em vez de grandes reuniões, temos muitos «dois ou três» a reunirem-se em nome do Senhor. Esta é a graça que nos visita em tempo de “Covid-19”, é Deus a escrever direito por linhas tortas… O saldo final entre ganhos e perdas será o mesmo Deus a apurá-lo…».

    CÓNEGO JOÃO PEIXOTO
    CÓNEGO JOÃO PEIXOTO
    DISTÂNCIA FÍSICA É SUPRIMIDA

    PELA PROXIMIDADE VIRTUAL

    Tal como o pároco da nossa Cidade sublinhou antes, a distância física aguça o engenho e a criatividade no sentido de encontrar alguma forma de compensação, ou aproximação. E nesse sentido, tal como tantas outras paróquias também a de Ermesinde está a usar as novas tecnologias para celebrar a eucaristia, através das redes sociais, do facebook mais precisamente. Ora, temos percebido à medida que o tempo avança e as transmissões se vão sucedendo, que há cada vez mais pessoas a assistir a essas transmissões. Isso leva-nos a questionar o cónego João Peixoto, se perante esta adesão bastante significativa às transmissões pelas redes sociais da eucaristia, sente que está a acontecer uma maior aproximação à igreja nesta fase da vida das pessoas, ainda que seja uma aproximação virtual sob o ponto de vista físico, mas real em termos sentimentais.

    «Devo confessar que, até esta emergência, era muito reservado, por vezes crítico, em relação às virtualidades das novas tecnologias em proporcionar meios idóneos não só de informação – isso é mais óbvio – mas também de comunhão e íntima participação, envolvendo mesmo a esfera dos sentimentos e das emoções. A caricatura de pessoas sentadas à mesma mesa mas alheadas umas das outras, apesar de interconectadas em alguma das várias redes e plataformas digitais, desacreditava, no meu espírito, a idoneidade destes instrumentos para mediar uma comunhão «real». «Virtual» e «real», para mim, pertenciam a universos diferentes e o importante é a «comunhão real» entre as pessoas, comunhão essa que só me parecia possível pela presença recíproca e simultânea, pelo encontro em espaços físicos partilhados e em tempos determinados. Com o impacto desta privação e com as vivências inéditas que ela proporciona começo a ter de conceder que «virtual» e «real» não são continentes distantes mas que, pelo contrário, são “espaços comunicantes” que se intersetam e compenetram com fronteiras difíceis de confinar. A desmaterialização do encontro e da presença recíproca não é só negativa mas tem «virtualidades»; o «virtual» pode ser «virtuoso». Naturalmente, não podemos «comungar» indefinidamente deste modo sob pena de mutilarmos a nossa dimensão corpórea que é essencial à nossa humanidade. Nós não «temos» corpo: «somos» corpo», diz-nos.

    FACEBOOK TEM PROPORCIONADO

    UMA PROXIMIDADE LONGE

    DO QUE SERIA IMAGINADO

    De forma mais concreta o cónego João Peixoto reconhece que a página da Paróquia no facebook tem proporcionado uma presença e proximidade que estava longe de imaginar. «Há quem nos siga – e fá-lo porque se sente ligado a Ermesinde – na França, na Itália, no Canadá, nos Estados Unidos, no Reino Unido… Uma simples eucaristia de semana que não reuniria na nossa Igreja mais de 60/80 pessoas, é seguida por centenas. E só é pena que a qualidade das nossas transmissões nem sempre seja a melhor… A notícia de um óbito, de um 7.º dia, são logo seguidas com interesse e são objeto de partilha. Isso acontece também porque as pessoas estão isoladas e, nas horas de tristeza como nas de alegria, precisam de sentir o abraço da comunidade, abraço que estes meios tornam possível, até certo ponto», diz.

    UMA DAS TRANSMISSÕES EM DIRETO NO FACEBOOK LEVADA A CABO PELA PARÓQUIA DE ERMESINDE
    UMA DAS TRANSMISSÕES EM DIRETO NO FACEBOOK LEVADA A CABO PELA PARÓQUIA DE ERMESINDE
    “A igreja podia estar vazia (fisicamente), mas sinto-a cheia (espiritualmente)”, foi um comentário que o cónego João Peixoto proferiu numa dessas primeiras transmissões on-line, uma frase que a julgar pelos muitos comentários que seguidamente surgiram na página da paroquia tocou fundo as pessoas. No seguimento desta constatação, o pároco de Ermesinde recorda que sentiu isso logo no primeiro domingo em que foi cancelada a celebração comunitária da missa (14/15 de março), «e fizemo-lo por imperativo ético, ainda antes de a Conferência Episcopal o determinar ou aconselhar. Por isso, logo me determinei no propósito, enquanto de mim dependesse e a saúde mo permitisse, de não deixar de celebrar um só dia que fosse a Eucaristia na igreja paroquial – não em casa ou numa capela! – É que a missa nunca é «privada»! Pode ser celebrada sem a presença física do povo, mas, por sua natureza, é sempre pública e comunitária. Eu olhava para a grandiosa nave da nossa igreja, com os bancos vazios, mas sentia-a repleta dos paroquianos que se sentem filhos desta igreja e irmãos. E, mais ainda, de toda a comunhão dos santos. Não é em vão que nós, na celebração da eucaristia, sempre mencionamos a Virgem Maria, São José, os Apóstolos e mártires, o Papa vivo, o Bispo da diocese, os fiéis defuntos… Estão todos em redor do altar!».

    Até que… «alguém, no facebook, me desafiou a fazer a transmissão das celebrações e eu respondi que não sabia como… Aprendi. E, agora, se o faço não é para que os paroquianos me vejam porque até gostaria que o plano se afastasse e se visse menos padre e mais igreja. Tenho, porém, de encontrar um ponto de equilíbrio, atendendo a que, na maior parte dos casos, as pessoas veem a transmissão a partir de dispositivos de pequenas dimensões. Não faço as transmissões para ser visto mas para ajudar os paroquianos, os familiares e amigos das pessoas que recordamos, os membros da comunidade humana de Ermesinde a «virem» à sua igreja do modo que lhes é possível, rompendo o isolamento e redescobrindo o valor e a riqueza da comunhão e da comunidade: uns com os outros e todos com os Anjos e os Santos, com os Pastores da Igreja Universal e local, e com os que partiram antes de nós para o Reino de Deus, desde o justo Abel até ao último dos fiéis», diz.

    Será este número crescente de visualizações um sinal de que as pessoas procuram nestes dias mais a igreja - ainda que virtualmente - para ultrapassar os medos, a ansiedade, a incerteza, dos tempos em que vivemos.

    O cónego João Peixoto diz-nos que não descarta essa hipótese e assume que «esta “frequência virtual” em muitos casos pode ser efémera, atendendo às motivações que refere. Mas faço também uma outra ponderação: estamos a viver a maior crise civilizacional – de saúde, moral, cultural, política, social, económica, financeira… – desde o fim da II Grande Guerra Mundial (1939-45). Perante um terramoto desta magnitude, apercebemo-nos da fragilidade de tantas construções ideológicas e de como os deuses «ateus» que dominavam as nossas vidas – materialismo, hedonismo – são ídolos com pés de barro a quem servimos devotadamente mas que, afinal, não nos servem na hora da aflição. Perante um abalo tão profundo, é compreensível que muitos homens e mulheres se voltem para o Deus dos seus pais e avós, e despertem a fé que, apesar de tudo, ainda não se apagou de todo debaixo das cinzas do ceticismo e do relativismo. É hora de conversão e de renovada evangelização», diz o pároco.

    Porém, as novas tecnologias não estão ao alcance de todos. Há os mais idosos, a população mais vulnerável, os doentes, que estão em suas casas e que mesmo não existindo este isolamento social não poderiam, por outras razões de saúde que não a Covid-19, deslocar-se à igreja. Tem de ser a igreja a ir ao encontro dessas pessoas, como antes do eclodir da pandemia acontecia. E agora, como está a ser feito este acompanhamento nesta fase em que urge o isolamento social? O cónego João Peixoto diz que neste momento vai menos à casa das pessoas, por razões de cautela (em ambos os sentidos: para não contagiar nem ser contagiado e, consequentemente, contagiar). «Mas não deixo de ir quando é caso disso. E normalmente chamam-me em horas de transe, dolorosas. Quando a urgência do momento não permite adiamentos, cabe-me dizer “presente” e levar o conforto dos sacramentos e da graça de Deus – que se traduz em paz, serenidade, esperança – de que não sou fonte, nem dono, mas apenas ministro (leia-se: servidor) e instrumento». Acrescenta que «a visita aos enfermos, por doença ou velhice, é das atividades pastorais que me proporcionam maior felicidade. A ponto de não saber se chego a dar alguma coisa tal é a desproporção com o muitíssimo mais que recebo. E neste ponto temos um «pelotão de comandos» com uma capacidade de intervenção inexcedível e uma generosidade inesgotável: os Ministros Extraordinários da Comunhão. Infelizmente eles estão impedidos, nesta fase, de assegurar as visitas regulares aos doentes. E que falta fazem essas visitas: aos visitados e aos visitadores! Em relação aos casos de fragilidade material, estou convicto de que a comunidade dará uma resposta solidária, como é timbre de Ermesinde. A nossa Conferência Vicentina está atenta e atuante».

    UMA PÁSCOA DIFERENTE MAS

    CELEBRADA COM VERDADE E ENERGIA

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    Celebrámos neste mês de abril a Páscoa, uma quadra com significado especial para o Mundo católico. Porém, esta foi uma Páscoa diferente, um pouco por todo o Mundo, sendo que Ermesinde não foi exceção. Quando questionado como é que a paróquia preparou esta quadra, sob os mais diversos aspetos, o pároco explicou que «a Páscoa é a festa das festas, a solenidade máxima da nossa fé. E por isso, procurámos celebrá-la com verdade e energia. Depois de uma Quaresma tão intensa – e intensificada pela quarentena – esta terá sido a Páscoa mais profunda e densamente preparada das últimas décadas. Às famílias foi lançado o desafio para uma verdadeira vivência e celebração nas casas em que vivem. No facebook da Paróquia e, pela mediação dos catequistas, foi sendo lançado aos catequizandos e às famílias o desafio de fazer das suas casas uma verdadeira Igreja. E não se tratava apenas de rezar com fórmulas novas ou antigas as devoções da quadra. A intenção era proporcionar a redescoberta dos grandes símbolos da Páscoa cristã: a participação de todos os familiares de um mesmo pão a partir e repartir com uma bênção; o gesto de lavar os pés ou, em alternativa, as mãos – e tantas vezes o fazemos por indicação higiénica e sanitária – mas como expressão de serviço; a valorização da cruz adornada às portas, janelas e varandas, a luz na noite de Páscoa, a água lustral, a doçura da liberdade saboreada com leite e mel (ou pão de ló e vinho fino), o tilintar de sininhos e campainhas ao meio-dia do domingo… Toda esta simbólica é património a redescobrir e potenciar na vivência pascal familiar. Definitivamente, como se ouvia no Evangelho do Domingo de Ramos, neste ano o Senhor quis celebrar a Páscoa nas casas de cada um de nós».

    O padre João Peixoto diz ainda que «na Igreja, realizámos todas as celebrações apostando na sua transmissão em direto com qualidade, graças ao voluntariado generoso e competente de uma equipa de verdadeiros profissionais que se reuniu de um dia para o outro: pudemos, assim, usufruir dos diversos espaços da Igreja sem ficar estáticos no espaço enquadrado pela câmara de um computador. E muitos Ermesindenses sentiram-se transportados à sua igreja, apesar de confinados nas respetivas residências. Como «extra» que não foi possível concretizar, projetei duas formas diferentes de fazer a «visita pascal» (a pé ou de automóvel), percorrendo ruas e praças, sem entrar nas residências mas estando mais próximo das pessoas que prezam a tradição do compasso… Como não podia deixar de ser, essas iniciativas foram submetidas ao parecer da Autoridade Municipal de Proteção Civil que as desaconselhou. Penso que as propostas eram cautelosas e respeitadoras das restrições legais em vigor. Mas também compreendo que a situação epidemiológica no nosso concelho tenham levado as autoridades competentes a decidir como decidiram. Têm uma grave responsabilidade aos seus ombros. Rezo por eles, para que saibam interpretar o sentido do bem comum nesta hora em que, como num conhecido romance de Saramago, parece que andamos todos às apalpadelas…».

    No final desta longa conversa com o nosso jornal, o cónego João Peixoto deixou uma mensagem à nossa comunidade nestes tempos de alguma turbulência. «A mensagem só pode ser de esperança. Quando falamos de Páscoa, nós, em Portugal, só pensamos no Domingo, com as suas flores e o tilintar das campainhas que despertam e convocam para a alegria que nasce do anúncio da Ressurreição. Mas a verdade é que, desde há 18 séculos, os cristãos celebram a Páscoa com um «tríduo»: três dias. E nesses dias há lugar e tempo, também, para a paixão, morte e sepultura… Tudo isso é «Páscoa». E o ponto de chegada pressupõe o ponto de partida e toda a caminhada. Como se canta num hino: «Não há ressurreição sem haver morte | nem triunfo se não houver batalha. | Saibamos nós morrer em cada dia | e ser o homem novo». Agora a hora é de combate pela saúde, pela paz. Agora é o tempo da paixão em que se sofre e morre. Que esta morte nos conduza a mais e melhor vida, pela Ressurreição de Jesus, nossa Esperança».

    Por: Miguel Barros

     

     

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