A GUERRA COLONIAL PORTUGUESA (6)
A prisão do Imperador Gungunhana, O Leão de Gaza
De realçar que a derrota e consequente captura do Leão de Gaza, imperador dos indígenas vátuas, não faz cessar a resistência armada. A repressão colonial também não dá tréguas e é o próprio Comissário Régio António Enes que, nos seus relatórios, assume a política de terror, fria e selectiva, por si próprio implementada sob pressão do governo metropolitano, no sentido de submeter, a qualquer custo, as tribos recalcitrantes, a maior parte delas ainda subjugada pela tirania do seu imperador e só por isso lhe continuavam a prestar vassalagem.
O régulo Mahazul, vassalo de Gunganhana, que se havia aliado a Matibjana no cerco a Lourenço Marques, entre Agosto e Outubro de 1894, cuja entrega os portugueses sempre reclamaram junto do Leão de Gaza, foi aprisionado um mês após o incidente de Chaimite.
Entretanto, irmãos, filhos e tios de Gungunhana são executados às mãos de Mouzinho. Outros são feitos prisioneiros ou forçados ao exílio no Transvaal (África do Sul), sendo a sua extradição reclamada por Portugal durante muitos anos. Igual sorte tiveram alguns dos régulos de Gungunhana que se haviam aliado aos portugueses nos combates contra o tirano imperador, em Coolela, pagando com a própria vida a sua traição.
Porém, a resistência armada vátua vai prosseguindo sob o comando do já referido régulo da etnia Khosa, Maguiguana, comandante dos exércitos de Gungunhana, que, na sequência de vários recontros com as nossas tropas, é morto em combate, em 21 de Julho de 1897, em Macontene, no confronto com uma força militar comandada pelo, então, governador-geral de Moçambique, Mouzinho de Albuquerque. Não obstante mais este insucesso bélico, os régulos ou sobas ngunis (vátuas) que se haviam exilado no Transvaal prosseguiram a sua campanha de incitação à insubordinação das suas tribos contra a colonização portuguesa, alimentando um estado de rebelião latente. Daí os esforços envidados durante largos anos pelos portugueses no sentido de obterem a sua extradição.
Não obstante este estado de rebelião autóctone latente, os portugueses ocuparam a região de Gaza, tendo-se iniciado um longo período de cerca de seis décadas de paz, sem grandes perturbações, até ao início da luta armada pela independência, nos anos sessenta do século passado.
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Mas voltemos ao Leão de Gaza! A sua prisão e bem assim a da sua corte foi tida, à época, como um acto de grande heroicidade por parte da coroa portuguesa, ou não se tratasse da eliminação dum poderoso líder rebelde, elevado já, pela opinião pública, à categoria de mito. Daí que todo o aparato e toda a espectacularidade que envolveu os passos subsequentes ao seu aprisionamento se tivessem revestido duma certa aura de vingança, a que não era alheia uma grande curiosidade mórbida por parte do público anónimo em ver, ao vivo e a cores, literalmente, aquele que tanta luta havia dado às nossas tropas, apesar de não dispor de armamento capaz de ombrear com o dos portugueses. Sublinhe-se, a propósito, que o seu armamento, afora uma ou outra arma de fogo, em número pouco significativo, era fundamentalmente constituído por zagaias, arcos e flechas, arsenal este adequado a uma luta corpo-a-corpo. Daí que a sua táctica de combate consistisse no ataque frontal e em massa das suas mangas (batalhões ou regimentos), ou seja, de vários milhares de combatentes, contudo, insuficientes para fazerem frente ao nosso armamento mais sofisticado e eficaz constituído por espingardas, metralhadoras, canhões, apesar de muito menores em número, utilizando como dispositivo táctico a tradicional formação em quadrado que, como é consabido, já D. Nuno Álvares Pereira havia testado com enorme êxito, em Aljubarrota, cerca de cinco séculos antes.
A sua deportação inicia-se em Chaimite, na manhã de 28 de Dezembro de 1895, fazendo-se acompanhar por sete das suas mulheres escolhidas para o efeito, o filho e príncipe herdeiro Godide e ainda dois tios que haviam sido poupados ao massacre. São deslocados a pé, em marcha forçada e acorrentados, sendo agredidos a pontapé e com uma prancha, sempre que caem ou se atrasam, até às margens do rio Limpopo, onde os aguarda a lancha-canhoneira Capelo. Esta penosa caminhada durou cerca de 24 horas. À sua chegada, famintos e esfarrapados, completamente debilitados, são literalmente arrastados para bordo, sob um coro de aplausos e vivas ao rei de Portugal de milhares de curiosos que ali se haviam juntado. Entretanto, Mouzinho de Albuquerque manda que se entoe a saudação de três bayetes, um grito que era levantado apenas perante o imperador Vátua, mas, desta feita, em honra do rei de Portugal. Do mesmo modo, ordenou que se cantasse a canção Incuaia, uma saudação tradicional ao imperador que só podia ser cantada com a sua autorização, mas que agora era usada como insulto. Sempre que Gungunhana se ajoelhava a pedir clemência, era selvaticamente agredido a pontapé, sendo constantemente sujeito a todo o tipo de sevícias e humilhações.
Uma vez embarcados, a viagem prossegue, via fluvial, até Languene, onde aportam no dia seguinte. Aqui, encontrava-se aprisionado, com as tais sete das suas mulheres escolhidas por Mouzinho para o acompanharem, o régulo Matibjana, que havia sido entregue pelo próprio Gungunhana, quando se viu acossado pelas tropas de Mouzinho, tal como referimos na nossa crónica anterior. Depois de acareados, passam a partilhar o cativeiro até ao seu destino final, ou seja, o exílio na ilha Terceira, Açores.
Entretanto, em Lourenço Marques, foram publicamente apresentados em ambiente festivo, com a cidade engalanada para o efeito, ante cerca de oito milhares de pessoas, incluindo algumas autoridades nacionais e estrangeiras, antes de recolherem à prisão.
A 13 de Janeiro, o imperador Gungunhana, as suas 7 mulheres, o seu filho primogénito, príncipe Godide, o seu tio Molungo, o seu cozinheiro Gó, o régulo Matibjana e as suas mulheres, embarcam no vapor África, rumo a Lisboa, onde aporta dois meses depois, na manhã do dia 13 de Março, após haver escalado alguns portos, nomeadamente, na cidade do Cabo (África do Sul), em Luanda (Angola) e na ilha de Santiago (Cabo Verde), aqui para deixar alguns presos africanos. Rezam as crónicas que os prisioneiros, durante a viagem, foram “alojados em condições abjectas”, absolutamente indignas de seres humanos.
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(continua)
Nota: o autor opta por utilizar a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.
Por:
Miguel Henriques
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