Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 29-02-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 29-02-2020

    SECÇÃO: Crónicas


    foto
    A GUERRA COLONIAL PORTUGUESA (6)

    A prisão do Imperador Gungunhana, O Leão de Gaza

    De realçar que a derrota e consequente captura do Leão de Gaza, imperador dos indígenas vátuas, não faz cessar a resistência armada. A repressão colonial também não dá tréguas e é o próprio Comissário Régio António Enes que, nos seus relatórios, assume a política de terror, fria e selectiva, por si próprio implementada sob pressão do governo metropolitano, no sentido de submeter, a qualquer custo, as tribos recalcitrantes, a maior parte delas ainda subjugada pela tirania do seu imperador e só por isso lhe continuavam a prestar vassalagem.

    O régulo Mahazul, vassalo de Gunganhana, que se havia aliado a Matibjana no cerco a Lourenço Marques, entre Agosto e Outubro de 1894, cuja entrega os portugueses sempre reclamaram junto do Leão de Gaza, foi aprisionado um mês após o incidente de Chaimite.

    Entretanto, irmãos, filhos e tios de Gungunhana são executados às mãos de Mouzinho. Outros são feitos prisioneiros ou forçados ao exílio no Transvaal (África do Sul), sendo a sua extradição reclamada por Portugal durante muitos anos. Igual sorte tiveram alguns dos régulos de Gungunhana que se haviam aliado aos portugueses nos combates contra o tirano imperador, em Coolela, pagando com a própria vida a sua traição.

    Porém, a resistência armada vátua vai prosseguindo sob o comando do já referido régulo da etnia Khosa, Maguiguana, comandante dos exércitos de Gungunhana, que, na sequência de vários recontros com as nossas tropas, é morto em combate, em 21 de Julho de 1897, em Macontene, no confronto com uma força militar comandada pelo, então, governador-geral de Moçambique, Mouzinho de Albuquerque. Não obstante mais este insucesso bélico, os régulos ou sobas ngunis (vátuas) que se haviam exilado no Transvaal prosseguiram a sua campanha de incitação à insubordinação das suas tribos contra a colonização portuguesa, alimentando um estado de rebelião latente. Daí os esforços envidados durante largos anos pelos portugueses no sentido de obterem a sua extradição.

    Não obstante este estado de rebelião autóctone latente, os portugueses ocuparam a região de Gaza, tendo-se iniciado um longo período de cerca de seis décadas de paz, sem grandes perturbações, até ao início da luta armada pela independência, nos anos sessenta do século passado.

    foto
    Mas voltemos ao Leão de Gaza! A sua prisão e bem assim a da sua corte foi tida, à época, como um acto de grande heroicidade por parte da coroa portuguesa, ou não se tratasse da eliminação dum poderoso líder rebelde, elevado já, pela opinião pública, à categoria de mito. Daí que todo o aparato e toda a espectacularidade que envolveu os passos subsequentes ao seu aprisionamento se tivessem revestido duma certa aura de vingança, a que não era alheia uma grande curiosidade mórbida por parte do público anónimo em ver, ao vivo e a cores, literalmente, aquele que tanta luta havia dado às nossas tropas, apesar de não dispor de armamento capaz de ombrear com o dos portugueses. Sublinhe-se, a propósito, que o seu armamento, afora uma ou outra arma de fogo, em número pouco significativo, era fundamentalmente constituído por zagaias, arcos e flechas, arsenal este adequado a uma luta corpo-a-corpo. Daí que a sua táctica de combate consistisse no ataque frontal e em massa das suas mangas (batalhões ou regimentos), ou seja, de vários milhares de combatentes, contudo, insuficientes para fazerem frente ao nosso armamento mais sofisticado e eficaz constituído por espingardas, metralhadoras, canhões, apesar de muito menores em número, utilizando como dispositivo táctico a tradicional formação em quadrado que, como é consabido, já D. Nuno Álvares Pereira havia testado com enorme êxito, em Aljubarrota, cerca de cinco séculos antes.

    A sua deportação inicia-se em Chaimite, na manhã de 28 de Dezembro de 1895, fazendo-se acompanhar por sete das suas mulheres escolhidas para o efeito, o filho e príncipe herdeiro Godide e ainda dois tios que haviam sido poupados ao massacre. São deslocados a pé, em marcha forçada e acorrentados, sendo agredidos a pontapé e com uma prancha, sempre que caem ou se atrasam, até às margens do rio Limpopo, onde os aguarda a lancha-canhoneira Capelo. Esta penosa caminhada durou cerca de 24 horas. À sua chegada, famintos e esfarrapados, completamente debilitados, são literalmente arrastados para bordo, sob um coro de aplausos e vivas ao rei de Portugal de milhares de curiosos que ali se haviam juntado. Entretanto, Mouzinho de Albuquerque manda que se entoe a saudação de três bayetes, um grito que era levantado apenas perante o imperador Vátua, mas, desta feita, em honra do rei de Portugal. Do mesmo modo, ordenou que se cantasse a canção Incuaia, uma saudação tradicional ao imperador que só podia ser cantada com a sua autorização, mas que agora era usada como insulto. Sempre que Gungunhana se ajoelhava a pedir clemência, era selvaticamente agredido a pontapé, sendo constantemente sujeito a todo o tipo de sevícias e humilhações.

    Uma vez embarcados, a viagem prossegue, via fluvial, até Languene, onde aportam no dia seguinte. Aqui, encontrava-se aprisionado, com as tais sete das suas mulheres escolhidas por Mouzinho para o acompanharem, o régulo Matibjana, que havia sido entregue pelo próprio Gungunhana, quando se viu acossado pelas tropas de Mouzinho, tal como referimos na nossa crónica anterior. Depois de acareados, passam a partilhar o cativeiro até ao seu destino final, ou seja, o exílio na ilha Terceira, Açores.

    Entretanto, em Lourenço Marques, foram publicamente apresentados em ambiente festivo, com a cidade engalanada para o efeito, ante cerca de oito milhares de pessoas, incluindo algumas autoridades nacionais e estrangeiras, antes de recolherem à prisão.

    A 13 de Janeiro, o imperador Gungunhana, as suas 7 mulheres, o seu filho primogénito, príncipe Godide, o seu tio Molungo, o seu cozinheiro Gó, o régulo Matibjana e as suas mulheres, embarcam no vapor África, rumo a Lisboa, onde aporta dois meses depois, na manhã do dia 13 de Março, após haver escalado alguns portos, nomeadamente, na cidade do Cabo (África do Sul), em Luanda (Angola) e na ilha de Santiago (Cabo Verde), aqui para deixar alguns presos africanos. Rezam as crónicas que os prisioneiros, durante a viagem, foram “alojados em condições abjectas”, absolutamente indignas de seres humanos.

    (...)

    Leia este artigo na íntegra na edição impressa.

    Nota: Agora pode tornar-se assinante da edição digital por 6 euros por ano. Após fazer o pagamento (de acordo com as mesmas modalidades existentes na assinatura do jornal impresso) deverá enviar-nos o nome, o NIF e o seu endereço eletrónico para lhe serem enviadas, por e-mail, as 12 edições em PDF.

    (continua)

    Nota: o autor opta por utilizar a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

    Por: Miguel Henriques

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].