MEMÓRIAS DA NOSSA GENTE (13)
Os Reiseiros (2.ª parte)
Há quase dois séculos, quando S. Lourenço de Asmes ainda integrava o concelho da Maia, já se realizavam há muito os “Reseiros”. Uma manifestação teatral antiga, que teve como berço as terras da Maia e sobre a qual muito se tem escrito e investigado. Na última edição debruçámo-nos sobre a origem desta interessante prática cultural do povo maiato e falámos dos reiseiros da Cancela, que se realizavam nas casas agrícolas mais importantes dessa zona, nomeadamente na do «Caixa», do «Vicente» e algumas vezes na do «Caetano». Na presente edição, recordamos os reiseiros da Palmilheira e do Alto de Vilar, a que voltaremos no próximo número.
OS REISEIROS DA PALMILHEIRA
As «Reisadas» desta parte sul da cidade, comparativamente com as da Cancela, não tiveram a sua projecção, apesar da sua reconhecida qualidade, pelo facto destas serem mais recentes e de serem realizadas num local mais centralizado. O período aúreo deste teatro de raiz religiosa foram os anos quarenta, embora, por algum tempo, ele tenha sido representado, nos anos vinte. Estas representações fizeram-se na eira da Casa do Campinho, no extremo da freguesia, junto à Ponte das Sapeiras(2), e pelo que pudemos apurar, duraram cerca de quinze anos. Esta família que, depois se estendeu ao lugar de Ermesinde, tinha como patrono, no início do século anterior o «Ti Eduardo» que criou uma prole de quatro filhos, três rapazes(3) e uma rapariga.
Ao mais velho, Armindo Pinto Carneiro e que se deve a realização deste salutar entretenimento. Diz-se, mesmo, que o «Ti Armindo», que acumulava as tarefas da terra com a arte de trabalhar madeira, dedicando-se à construção de engenhos e carros de bois tinha uma predilecção especial pela figura de Herodes. Ensaiavam na sua oficina, conjuntamente com outro carpinteiro – o Alberto Miranda, este na pele de Bambalho, os papéis de ambos.
|
GRUPO DE REISEIROS QUE PARTICIPAVAM NAS "REISADAS" DA PALMILHEIRA |
O casco utilizado, ao que parece veio de S. Pedro Fins. Uma das versões, incompleta, por sinal, encontra-se, neste momento, na casa de um seu filho, igualmente de nome Armindo(4), em Baguim do Monte.
Dos actores mais conhecidos destacava-se pela arte de representar, Fernando Ribeiro, que encarnou a figura do Conde de Fraim(5) , O «Velho Simeão(6)» era representado por Serafim Carneiro. Justino e António Faria eram dois dos três reis do Oriente. Quanto aos Capitães, um era o Serafim «Carracho» e o outro, o Ramalho. A Rainha Alexandra, esposa do Herodes, era encarnada pela Pombalina Souto. Tal era a força e a importância para as gentes do lugar que os nomes ficaram associados às suas representações, como aconteceu com o Manuel «Sadoque»(7) e com o Miranda «Bambalho».
Ao «Campas», pedreiro de profissão, cabia, no fim, um entretenimento, tipo comédia, com que se encerrava a representação(8). Como músicos ficaram para a posterioridade Domingos Souto(9), como violoncelo e o seu irmão António Souto , como violino.
Este grupo tinha como responsáveis Manuel Fernandes Vendas – O Teodora(o), lavrador do extremo da freguesia, Domingos Ribeiro, Alberto Mota e outros.
Na memória das gentes ficou igualmente o enternecedor diálogo entre Herodes(10) e a sua esposa:
Alexandra, já te disse:
A minha decisão está
tomada,
Todos os meninos
de Belém,
Serão passados
à espada.
Também digno de registo este curioso lamento de Herodes no fim da sua intervenção:
Ai que barbaridade!(11)
Não o cheguei a pilhar.
Quem seria o traidor,
Que o viria avisar?
Serei o mais infeliz.
Serei o mais desgraçado,
Mas não quero ver,
Messias governar o meu estado
OS REISEIROS DO ALTO DE VILAR
Pelo que conseguimos apurar e, possivelmente, devido à sua proximidade geográfica e cultural com a Maia, já nos anos vinte se representava o auto dos «Três Reis do Oriente», nesta parte norte da cidade. Esta ligação era tão grande que os próprios actores, acabavam por a referir de uma forma deliberada, pois essas afirmações nem constavam do original, como acontecia na freguesia vizinha de S. Pedro Fins, quando nesta mesma altura, se representava este auto popular. Eis um desses extractos:
«Herodes:
-Bambalho(12), para onde foi esse infame que o quero degolar?
Ao que Bambalho
respondia:
-Eu sei lá Senhor! Parece que passou a correr pelo Alto de Vilar»
(...)
Leia este artigo na íntegra na edição impressa.
Nota: Agora pode tornar-se assinante da edição digital por 6 euros por ano. Após fazer o pagamento (de acordo com as mesmas modalidades existentes na assinatura do jornal impresso) deverá enviar-nos o nome, o NIF e o seu endereço eletrónico para lhe serem enviadas, por e-mail, as 12 edições em PDF.
(continua)
1-Este artigo (texto e foto) baseia-se na publicação do autor, “Ermesinde: Memórias da Nossa Gente”.
2-Ponte das Sapeiras - designação popular atribuída à ponte sobre a linha-férrea, na E.N.208, nos limites da cidade, com Águas Santas e que tem por base o facto de, naquela zona, terem existido muitos batráquios dessa espécie.
3-Destes, além do «Ti Armindo», existiam ainda o Luciano, que se estabeleceu na Giesta com um armazém de vinhos e o Serafim, carpinteiro e pai do nosso amigo Luciano, que nos ajudou na elaboração deste trabalho.
4-O casco, em questão, está escrito num livro dos que se usavam nas mercearias e já bastante gasto. O exemplar completo e em melhor estado foi emprestado ao Machado «Marmorista».
5-Fraim – tribo de Israel.
6-Simeão - figura bíblica do Novo Testamento.
7-Sadoque - figura bíblica da linhagem de S. José.
8-Esta representação tinha duas partes: o auto propriamente dito e uma segunda parte, a seguir ao intervalo, de entretenimento
9-Esta conhecida família da Palmilheira aparece-nos, também, ligada à Comissão de Festas de Santa Rita.
10-Agradecemos ao Luciano Pinto todo o apoio que nos deu na elaboração deste trabalho.
11-Ao Sr. Almeida, deste lugar, agradecemos a cedência deste extracto, que a sua memória guardou até hoje.
12-Citação de Álvaro de Oliveira em «Temas Maiatos».
Por:
Jacinto Soares
|