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    Arquivo: Edição de 29-02-2020

    SECÇÃO: Destaque


    DIA INTERNACIONAL DA MULHER

    Amélia Cunha é o exemplo de que as “profissões de homens” já são coisa do passado no Mundo atual!

    Celebra-se no próximo dia 8 de março mais um Dia Internacional da Mulher. Apesar dos muitos avanços conquistados no feminino a nível económico, social e político que vêm sendo registados ao longo das últimas décadas ainda persistem bastantes desigualdades entre mulheres e homens na atualidade. Uma dessas desigualdades regista-se ao nível do trabalho, essencialmente no que concerne à diferença salarial, onde os homens ganham mais do que as mulheres. Há, no entanto, ainda ao nível laboral alguma discriminação no facto de muitas mulheres exercerem profissões tradicionalmente masculinas, isto é, que ainda são dominadas por homens e vistas por alguma sociedade como uma profissão de homens.

    Na antecâmara de mais um Dia Internacional da Mulher conversámos com uma cidadã que exerce em Ermesinde uma dessas profissões ainda muito vistas como um trabalho de homens.

    Amélia Cunha, de 54 anos, abriu-nos as portas do seu estabelecimento (na Rua de Luanda, na zona da Gandra) para nos contar partes da sua história na tal profissão ainda muito conectada aos homens, a profissão de sapateiro, bem como de certos comentários (negativos) que ouviu no início da sua carreira. Histórias como esta fazem-nos refletir que o Dia Internacional da Mulher é essencial e indispensável para lembrar à sociedade dos direitos e das inúmeras capacidades do género feminino que cada vez mais se iguala aos homens.

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    A Voz de Ermesinde (AVE): Qual a sua opinião sobre este dia celebrado a 8 de março, que visa a progressão das mulheres a vários níveis, económico, social, político, etc.?

    Amélia Cunha (AC): O dia é sempre importante para as mulheres, para homenageá-las e apoiá-las para continuarem a lutar pelos seus direitos. Na minha opinião, acho que deviam existir mais dias como estes para nos valorizarem enquanto seres humanos e nos tornarem como partes iguais na sociedade!

    AVE: Qual a parte mais gratificante de ser Mulher?

    AC: Eu sempre fui mulher, não sei como deve ser quanto à outra parte (risos), porém a melhor parte de ser mulher é ser mãe, é a parte mais gratificante, cuidar dos nossos filhos e ter aquele vínculo (materno) com eles, algo que o género masculino nunca irá sentir de maneira equivalente e com a mesma intensidade. Os homens nunca irão sentir como é ser mãe, como é carregar um filho durante 9 meses. E isto é uma “sensação” exclusiva de nós mulheres.

    AVE: Como é ser uma Mulher em Portugal atualmente? E perguntamos-lhe ainda se sente que existe muito preconceito e assédio sobre o género feminino?

    AC: Sim, existe muito preconceito no que diz respeito à questão de superiorização do género masculino em relação ao género feminino. Ainda existe um certo estigma em relação a nós mulheres que tem de ser mudado, porque têm de existir direitos iguais para ambas as partes, pois afinal de contas, hoje em dia, as mulheres conseguem fazer tudo o que os homens conseguem fazer, enquanto que se fosse ao contrário acho que não iria funcionar! As mulheres são donas dos “sete ofícios” e se inventarem mais algum ofício elas conseguirão fazê-lo também. Temos uma grande força e energia (risos).

    AVE: Sobre as desigualdades salariais entre o sexo masculino e feminino, por exemplo, sente que ainda há uma discrepância enorme?

    AC: Claro que sim, se estamos a lutar por uma igualdade entre géneros, porque é que os ordenados não irão ser iguais? Porque é que existe ainda esse abismo enorme nos ordenados entre o género masculino e feminino? Até porque as mulheres a nível da sua vida profissional, quando são mães, acabam por usufruir da licença de maternidade para ficarem em casa. Contudo, têm pouco tempo após o parto para aproveitar os momentos com o seu filho. Além disso, uma mulher que tenha a mesma profissão que um homem acaba quase sempre por ter um salário mais baixo pelo facto de ser mulher.

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    AVE: Relativamente à sua profissão, como foi no início; houve muitos comentários negativos sobre o facto de ser Mulher e exercer uma profissão maioritariamente exercida por homens?

    AC: Considero-me uma técnica oficial de calçados, pois, por exemplo, quando chamamos um profissional lá em casa, um picheleiro, a título de exemplo, e ele não faz o serviço corretamente as pessoas têm sempre tendência a chamá-lo de “sapateiro” e a criticar o serviço que ele não desempenhou bem (risos). Por isso, a designação correta da minha profissão é técnica oficial de calçados. Claro que também cometo erros, porque errar é humano e toda a gente erra. Contudo, quando eu falho sei admitir que não estava certa, e obviamente tento sempre melhorar com essas falhas! Quanto à minha profissão, no início, foi um pouco complicado, porque não vim para aqui pelo facto de gostar da profissão em concreto. As circunstâncias da vida levaram-me a isso. Antes de estar aqui eu era empregada doméstica, uma profissão digna como outra qualquer e quando o meu marido (também ele técnico oficial de calçados) precisou de ajuda, pois nenhum funcionário na altura se dava muito bem com ele devido ao seu feitio especial (risos), então eu vi-me obrigada a deixar o meu emprego e vir trabalhar com ele. Depois acabamos por abrir outra loja (de reparação de calçado) dentro da estação de comboios de Ermesinde e o meu marido foi para lá trabalhar e eu acabei por ficar aqui! No início acabei por ser alvo de algumas atitudes e comentários negativos por parte de algumas pessoas, as quais depois acabaram por se adaptar à ideia de ver uma mulher a desempenhar esta profissão.

    AVE: Tem alguma história curiosa que queira contar e que demonstre esses comentários negativos ou preconceito para o facto de ser uma mulher sapateira?

    AC: Algumas histórias curiosas acabaram por surgir no início da minha carreira quando os clientes me viam aqui e perguntavam pelo meu marido. E como era eu que trabalhava e lhes dizia que podia fazer o conserto, algumas pessoas diziam-me que preferiam o meu marido e decidiam voltar mais tarde para ver se ele cá estava! Outros, não se acreditavam que eu conseguia arranjar o calçado que aqui traziam. Mas essas histórias passaram e agora até acho que eles preferem vir aqui ao meu estabelecimento porque dizem que eu sou mais perfecionista (que o marido). Contudo, isso é uma ideia que acabou por ficar na cabeça dessas pessoas, porque o trabalho do meu marido e o meu é igual (risos).

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    AVE: Qual foi o maior desafio que teve de enfrentar pelo facto de ser Mulher?

    AC: O maior desafio que tive a nível pessoal foi ser mãe aos 15 anos, porque apesar de tudo eu era uma criança a ter outra criança. Mas eu consegui superar esse desafio, e se calhar fui melhor mãe nessa idade do que agora as mulheres que são mães aos 25/30 anos! É um desafio que nunca se esquece, mas voltava a repetir tudo o que fiz, pois ainda me considero uma mãe jovem e uma avó ainda mais jovem (risos). A nível profissional, o maior desafio que tive foi ter de deixar o meu emprego (empregada doméstica) e ter vindo para cá, sendo que ainda estou a adaptar-me a este serviço.

    AVE: Como relaciona a vida que as mulheres tinham há uns 10 anos atrás com a vida que têm agora?

    AC: As mulheres agora são mais privilegiadas do que antes! Há uns 10 anos atrás, as mulheres eram dependentes dos homens para tudo, tinham de dar sempre satisfações (aos homens/maridos) do que estavam a fazer, onde iam, etc.! Agora as mulheres são mais independentes. Num divórcio sabem governar-se melhor que um homem, por exemplo. E até mesmo numa viuvez a mulher acaba por seguir mais depressa a sua vida do que o homem!

    AVE: Em alguma situação já se sentiu assediada ou já teve outro tipo de humilhação pública, quer no trabalho ou na rua?

    AC: No trabalho acaba por ser quase todos os dias, principalmente por aqueles senhores com mais idade que pensam que podem ir mais além da linha do respeito. Porém, acabo por cortar a confiança quando estão a passar do limite! Nesta profissão, e ainda mais por ser pouco comum uma mulher trabalhar nesta área, acabam por ter essas atitudes, mas eu acabo por ignorar esses momentos.

    JOANA OLIVEIRA

     

     

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