Para quando um Museu em Ermesinde? (2.ª parte)
«Dá-me um museu e eu o preencherei»
Pablo Picasso
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A DOBADOURA (Fotos ARQUIVO JACINTO SOARES) |
Voltamos a falar hoje sobre a necessidade de um Museu para Ermesinde.
Tratando-se do maior centro urbano do município de Valongo, é também, por essa mesma razão, a aglomeração populacional que mais se transformou no último século. Assim, a criação de um espaço museológico nesta cidade poderia servir para ilustrar como era esta terra há um século atrás, e antes disso… As suas tradições, as vivências dos seus habitantes, profissões, momentos de lazer, crenças, costumes!
As novas gerações não fazem qualquer ideia do que era o passado rural desta freguesia, como o de outras nas redondezas, que tinham, certamente, características muito semelhantes.
Como se sabe, um Museu para além de ter a função de fazer tudo para conservar um espólio de grande valor patrimonial – o que já por si, não é pouco –, representa ainda um desafio à educação como complemento prático que se reposiciona em torno da observação, interpretação e comunicação. Efetivamente, uma otimização das potencialidades de um espaço museológico pode tornar-se um eficaz agente educativo. Já no tempo do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal (segunda metade do século XVIII) se atribuía grande importância ao museu, entendido como componente ilustrativa da teoria dos mestres e dos livros.
Há alguns anos atrás, surgiu no conjunto de disciplinas que eram lecionadas nas escolas portuguesas uma que se denominava “Área Escola”.
Foi criada pelo Decreto-Lei 286/89, de 29 de agosto, como uma «área curricular não disciplinar», que tinha como principais objetivos «a concretização dos saberes através de actividades e projectos multidisciplinares», pretendendo estabelecer uma salutar articulação entre a Escola e o meio envolvente, visando melhorar a formação pessoal e social do aluno.
De facto, a Área-Escola representou uma redução de horas semanais das áreas disciplinares, para promover o «desenvolvimento de projetos aglutinadores dos saberes», surgindo como um espaço propício à realização plena da interdisciplinaridade. Deste modo, viria a contribuir para a concretização de um saber que se desejava integrado e, ao mesmo tempo, proporcionaria o desenvolvimento do espírito de iniciativa e de hábitos de pesquisa, organização e autonomia dos alunos.
A concretização da interdisciplinaridade implicava a abordagem e o tratamento de um tema, de um problema, de uma situação, numa perspetiva que se pode designar de transversal, enquanto aprofundava os objetivos comuns às diversas áreas disciplinares ou disciplinas, recorrendo aos seus métodos, e tendo em consideração os seus conteúdos programáticos.
Assim, a Área-Escola levava, necessariamente, a um trabalho conjunto, no qual participavam os professores que se propunham realizar o mesmo projeto, como, também, outros agentes educativos, designadamente pais e encarregados de educação, autarcas e representantes dos interesses sociais, culturais e económicos da região, valorizando a autonomia cultural e o papel da escola enquanto polo de desenvolvimento da comunidade local.
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COCO E LAMPIÃO |
Foi neste contexto, que no âmbito da Área-Escola surgiu na Escola Secundária de Ermesinde a ideia da criação de um Museu.
E logo se pensou numa organização temática para o mesmo Museu, tudo relacionado com o passado desta terra.
Assim, um dos principais espaços seria destinado às memórias agrícolas, exibindo-se instrumentos relacionados com o cultivo do milho e do linho, com uma identificação de cada objeto e com uma explicação esquemática destas atividades que ocupavam, no passado, a maioria das pessoas que aqui vivia, aproveitando os campos bem regados pelas várias linhas de água que então corriam a céu aberto, e num tempo em que o território era desprovido do casario e do betão que depois o invadiu e descaracterizou. Fotografias de Casas de Lavoura, das que ainda existem e das que existiram (com a respetiva localização), no mesmo espaço, dariam também uma ideia de S. Lourenço de Asmes de há um século atrás. Cabia ainda na zona destinada às práticas agrícolas uma alusão ao Leça e aos outros ribeiros que irrigavam estes campos, às pontes e aos moinhos que transformavam o milho em farinha de que se fazia o pão que era a base do alimento dos nossos ancestrais.
Outro tema que fazia todo o sentido num Museu em Ermesinde era o da atividade no âmbito do setor secundário, tendo em consideração o seu tecido industrial no século XX, que também dava trabalho a muitos dos residentes e a outros que vinham das localidades mais próximas. Far-se-ia aqui a identificação das várias fábricas existentes em Ermesinde de outros tempos, todas já devolutas e o seu espaço ocupado por edifícios com outra função muito diversa. Mostrar-se-iam as ferramentas industriais, moldes, peças e fotos. Recordar-se-ia o comboio como principal meio de transporte de matérias-primas e produtos transformados, que terá contribuído para a instalação aqui dessas unidades de produção.
O artesanato, tão característico de Ermesinde, não poderia deixar de ter lugar de destaque neste sítio museológico. Aí se encontrariam os famosos brinquedos de Ermesinde em madeira e em folha-de-flandres, mas também os jugos trabalhados dos bois, os cofinhos usados nos bois quando lavravam, as buchas de engenho, os carros de bois, as armadilhas para apanhar os pássaros e tantos outros artefactos que o engenho e arte dos artesãos ermesindenses produzia regularmente.
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POSTAL SOBRE A FÁBRICA DE POMADAS E GRAXAS |
Também o tempo idílico do Leça, quando atraía, todos os fins-de-semana de primavera e de verão, milhares de portuenses que aqui vinham de elétrico para passar o dia, fazendo piqueniques e até banhando-se nas suas águas límpidas teria de ser lembrado aos visitantes ávidos por conhecer Ermesinde de antigamente, quando era conhecida como a “Sintra do Norte” em virtude dos palacetes que alguns portuenses endinheirados aqui mandavam erguer como segunda residência ou casa de férias. Este local era, então, uma autêntica estância balnear para a cidade do Porto.
Tendo em consideração a função didática e pedagógica que um Museu tem, como acima se referiu, haveria de haver um cantinho dedicado às publicações (jornais, livros e revistas), às fotografias antigas e aos postais editados, alguns deles muito antigos, como aqueles da foto Alvão, integrados na coleção “Costumes Portugueses”. Seria a parte documental do Museu de Ermesinde, onde os visitantes poderiam conferir o passado de Ermesinde, já que um Museu, nos tempos atuais, mais do que Exposição deve ser também um local de estudo, de interpretação e de interação com o que se vê.
Como aqui escrevi na última edição, há em Ermesinde pessoas que têm bastante espólio e aguardam, com alguma ansiedade, que este Museu seja criado para o fazerem fiel depositário do importante património de que são possuidores e que, caso contrário, corre o risco de ir parar a outras terras que não Ermesinde ou de se deteriorar nos locais onde se encontra guardado e que não é o mais indicado para a sua devida preservação.
O repto está lançado, ficamos a aguardar que as forças vivas e os autarcas, Câmara Municipal de Valongo e Junta de Freguesia de Ermesinde, queiram dar luz verde para a concretização deste desejo cultural da nossa população.
Por:
Manuel Augusto Dias
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