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    Arquivo: Edição de 17-04-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    E a palavra é tua, demoiselle

    «Resposta à tua carta, cara Glória !

    Fotos GL
    Fotos GL
    Há já algum tempo que eu queria escrever sobre a depressão e tu dás-me a oportunidade de o fazer graças ao teu artigo. Eu vou-te contar a minha história, e queria que tu a partilhasses com outras pessoas, pois atualmente existem milhares de pessoas por este mundo fora a quem poderia dar esperança e a força de lutar. Tenho 41 anos, e trabalhei no Luxemburgo numa área de domínio financeiro – devo dizer, sem grande paixão, pois eu sempre tive a íntima convicção que não fui feita para este tipo de trabalho: muito stress e competição, e um meio onde fazemos amigos em raras ocasiões e onde o espírito de equipa é praticamente inexistente. Os trajetos na deslocação para trabalhar eram intermináveis, cerca de três horas por dia. Após várias desilusões amorosas (beijei muitos sapos antes de encontrar o meu príncipe encantado), com 32 anos casei-me finalmente. A dois, decidimos ter filhos logo de seguida. Mas o destino decidiu de outra maneira e após múltiplos exames diagnosticaram-me uma menopausa precoce – um ginecologista, não muito psicólogo (a cada qual a sua formação) disse-me que eu nunca mais poderia ter um bebé.

    Não abandonamos o nosso sonho e os nossos gémeos foram concebidos na Bélgica, graças a uma doação anónima de óvulos, eu tinha 37 anos. Na altura de ser mãe dos meus filhos, perdi a minha mãe, com a doença de Alzheimer. O meu pai estava com uma depressão e uma anorexia e de algum modo, também perdi o meu irmão e a minha irmã, pois todos os problemas familiares nos distanciaram bastante um dos outros. Ao nascerem, um dos meus bebés teve que ser operado ao coração porque tinha uma transposição dos grandes vasos ou seja, a aorta e a artéria pulmonar invertidos. A licença de parto foi bastante difícil. Os gémeos pediam-me muita energia e eu já não a tinha! Quando voltei ao trabalho fiquei contente por sair do meu quotidiano dos biberões e das fraldas mas bastante debilitada e fragilizada com o acumular de todas as minhas preocupações. E como “prémio de reconhecimento”, quando cheguei ao emprego mudaram-me de serviço e puseram-me num “acesso de garagem” – à parte, a arquivar documentos para me forçarem a pedir a minha demissão.

    As circunstâncias da vida fizeram com que eu não tivesse a força necessária para gerir tudo ao mesmo tempo, aliás quem poderia fazê-lo ? Eu não sou a Wonder Woman e muito menos uma máquina. Eu “explodi”, como se costuma dizer, e fiz aquilo que se chama um “burn out”. Após seis meses com baixa médica por doença, apresentei a minha demissão e comecei a procurar trabalho em tempo parcial, sempre em bancos, mas eu sabia que não poderia aguentar muito tempo. O processo da mudança já tinha começado... Vocês sabem o que quer dizer “burn out” em inglês ? A tradução é interessante, “burn” quer dizer arder e “out” para o exterior, e após tudo pelo que eu passei posso afirmar que é verdade ! Eu passei por todas as etapas do luto, antes dos lutos, o da minha mãe, da minha família, do meu trabalho e até o do meu casamento! Rejeição, cólera, dúvida, angústias, insónias, medo, para finalmente chegar à última etapa, a aceitação. E como aceitação deve entender-se (principalmente) o famoso “lacher prise”, largar da mão, isto é aceitar os nossos limites – desistir de querer controlar tudo. Sim, “lacher prise” é uma expressão que ouvimos com frequência e que está na moda mas de que poucas pessoas compreendem o seu verdadeiro significado.

    Eu agora penso que aqueles que viveram provas difíceis e que saíram da depressão sabem que quando perdemos tudo e nos encontramos num vazio e numa tristeza infinita, a única coisa que nos resta é o nosso espírito e a nossa fé para nos tirar do estado depressivo. Então começamos a pensar na nossa vida inteira e nas circunstâncias que nos trouxeram até aqui. Fazemos o balanço e repassamos o filme todo da nossa vida: as nossas alegrias e as nossas aflições, as nossas esperanças e os nossos reveses, os nossos valores, a nossa educação e a nossa moralidade. Finalmente, fazemos a seleção daquilo que nos é mais importante, dos nossos êxitos, daquilo que podemos mudar ou melhorar. Revemos as nossas ambições e baixamos pois, muitas vezes, são governadas pelo lado materialista e financeiro, ou por esquemas que nos foram inculcados mas que não nos correspondem forçosamente. Ficamos mais lúcidos sobre o valor das coisas, aquelas que não se compram, tal como a família ou a saúde. Ficamos mais realistas e menos utópicos, ficamos mais depurados e mais ajuizados.

    Finalmente, quando fizemos todo este trabalho de fundo, a nossa filosofia muda radicalmente e abordamos a nossa vida sob um ponto de vista diferente, é um pouco como se tivéssemos ressuscitado. Tal como uma fénix renasce das suas cinzas. A depressão ensinou-me as coisas essenciais, ou melhor refrescou-me a memória... Fiquei uma pessoa mais simples e mais humilde. Paradoxalmente após ter conhecido todas estas fases em que me sentia de tal maneira angustiada que ficava fechada em casa, abri-me mais aos outros e fiquei mais compreensiva. Também desenvolvi o meu dom de empatia e a minha fé cresceu ainda mais. Eu estou convencida que esta prova, além de ter sido necessária, foi vital para a minha evolução espiritual. Hoje recomeço uma nova vida. Não digo que foi fácil porque ainda tenho algumas cicatrizes para curar e também ainda me sinto fragilizada. Mas o meu olhar é novo e agora estou cheia de amor e esperança pelo ser humano. Houve alturas em que tive a sensação de perder tudo e no entanto hoje sinto-me mais viva e mais rica, e não é uma questão de dinheiro ! Mudei de emprego e orientei-me na prestação de serviços às pessoas. Eu levo a minha alegria e a minha boa disposição às pessoas idosas que se encontram com problemas de saúde e em troca recebo a simpatia delas. Quando tenho a oportunidade também dou conselhos sobre aquilo que já vivi .

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    De manhã, quando me levanto, sei que não vou enriquecer os bancos mas sim o meu coração, e talvez os dos outros também. Graças a este ensinamento que recebi e que sinto como um dom do céu, agora sei apreciar os bons momentos da vida na sua simplicidade. Agora tenho tempo de brincar com os meus filhos ou de passear sozinha na floresta coberta pela neve numa manhã de inverno. No stress do meu passado, a querer controlar tudo e antecipar tudo, perdi-me e quase deixei ficar a minha saúde e a minha alma. Finalmente o melhor a fazer é “lacher prise” e saber aceitar que neste mundo não somos mestres de grande coisa e seria uma ilusão pensar o contrário. É preciso viver o momento presente, o importante é agora e aqui. Para terminar diria que a depressão não é inevitavelmente um flagelo, quando saímos dela e conseguimos transformar as nossas fraquezas numa força, então a depressão pode tornar-se numa bênção!

    Beijos cara Gloria e até breve para um outro assunto ((- :

    Esta imagem é muito interessante: representa uma fénix, mas se observarmos com atenção também vemos o Sagrado Coração».

    (Tradução integral feita da carta que me foi enviada com correspondente autorização de divulgação e utilização de fotos de Daisy Weil).

    A mim, compete-me dizer-te que a grande lição que me deste (e a muitos seguramente) é que quando temos a veleidade de presumir sobre as outras pessoas, nós não sabemos mesmo nada de nada.

    Neste testemunho mencionaste o “burn out”, que para mim, representa uma “arma cobarde, perigosa e de extermínio” usada pelos fracos, camuflados em pessoas de poder, e que “mata” de forma silenciosa tudo o que existe dentro dos seres humanos: dignidade, crenças, valores e até a fé.

    Eu, que ando a aprender a saber unicamente o que é de meu dever e deixando cada um, no lugar de cada um, cá estou de pé, a aplaudir-te e a dar-te os parabéns – pela tua coragem e pela tua atitude elevada… muito elevada.

    Por: Glória Leitão

     

     

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