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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 24-01-2013

    SECÇÃO: Painel partidário


    “Refundação” do Estado

    A discussão referente ao processo de refundação do Estado iniciou-se em 2013 com a publicação do relatório do FMI. E começa de uma forma muito duvidosa, confirmando que “refundação” é, neste caso, sinónimo de “cortes na despesa”. Aliás, o próprio título do documento do FMI (‘Rethinking The State - Selected Expenditure Reform Options’) se encarrega de desfazer quaisquer dúvidas – ninguém está a propor qualquer refundação, sendo o objetivo de todo este processo apenas a redução da despesa do Estado.

    Mesmo antes de se analisar o conteúdo do relatório, salta à vista uma confusão gerada na divulgação do documento. Cai de pára-quedas na imprensa, fazendo manchetes matinais e gerando uma enorme confusão. É incompreensível como é que um relatório desta importância, que propõe reformas brutais no nosso país de um modo frio e leviano, possa vir a público sem qualquer tipo de contextualização por parte das autoridades competentes. Como se não bastasse, os comentários discordantes de vários membros do governo revelam falta de coesão no executivo e confirmam a sua falta de tacto na comunicação com o povo português. Mais uma vez, o governo volta a falhar na comunicação com os portugueses.

    Não há dúvidas que a despesa do Estado tem de ser reduzida. O peso do sector público é gigantesco e insustentável, a sua eficiência é pouca e as desigualdades são muitas. No entanto, para propor medidas sugerindo cortes na despesa através de despedimentos e reduções nas pensões e salários, não é preciso recorrer a estudos elaborados nem a técnicos especializados – qualquer pessoa sabe que se o estado pagar salários/pensões mais baixas e tiver menos funcionários, terá uma despesa menor. Do executivo esperam-se medidas inteligentes, capazes de aumentar a eficiência e a eficácia da máquina do Estado, reduzindo a despesa e diminuindo desigualdades, e não cortes cegos, sem inteligência nem imaginação. Este relatório, não sendo uma cartilha contendo os cortes definitivos a aplicar, poderá ter um peso bastante grande nas decisões a tomar – e algumas das medidas que sugere são muito graves.

    No que se refere às pensões, o FMI descreve as gritantes desigualdades existentes, concluindo que a vastíssima maioria das pensões são extremamente baixas, que uma pequena minoria consome uma grande parte dos recursos, que o sector público tem pensões escandalosamente mais altas que o sector privado e que a proteção contra a pobreza na velhice permanece inadequada. Apesar disso, sugere medidas como um corte cego de 10 ou 20% nas pensões ou o aumento da idade da reforma – medidas que apenas contribuiriam para reduzir a despesa, com pouco efeito nos problemas acima descritos. As pensões representam uma parte muito significativa das despesas do estado, e deverão ser alteradas para melhorar a sustentabilidade da segurança social. Mas isto não pode afectar as pensões mais baixas. A redução deverá ser feita nas pensões mais elevadas. Uma reforma deve ser a garantia, dada pelo Estado aos trabalhadores, de uma velhice minimamente confortável, depois de uma vida de trabalho. Não pode ser uma renda destinada a enriquecer alguns privilegiados, como acontece em muitos casos, em que os descontos efetuados não correspondem à reforma atribuída. É completamente inadmissível haver reformas de milhares de euros mensais para indivíduos que se reformam ao fim de poucos anos de trabalho, e cujos descontos não correspondem minimamente à reforma atribuída.

    No âmbito do ensino, o relatório sugere que uma reforma “ligeiramente ambiciosa” do Ministério da Educação implicaria o despedimento de 50 a 60 mil funcionários. A educação é o futuro de um país. É certo que o ensino em Portugal precisa de reformas e de melhorar a sua eficiência. Mas despedir 1 em cada 4 funcionários do Ministério da Educação?!? Isto teria um impacto brutal na qualidade do ensino!! E os custos, quer financeiros quer sociais, de pôr 50000 pessoas na rua? Isso não é referido...

    O relatório considera também que o subsídio de desemprego é relativamente alto e está disponível por um período demasiado longo, o que pode desincentivar os desempregados na procura de emprego. Seguramente que o subsídio de desemprego deve ser regulado de modo a não desincentivar o regresso ao mercado de trabalho. No entanto, esse problema deve-se mais aos salários demasiado baixos, e não ao subsídio de desemprego demasiado elevado. Para além disso, as dificuldades no regresso ao mercado de trabalho são essencialmente causadas pela escassez de empregos. Se queremos reduzir o desemprego, devemos tomar medidas que promovam a criação de emprego e o crescimento económico. É também digno de registo que, numa altura em que o desemprego toma proporções catastróficas, não dando sinais de diminuir no futuro próximo, o FMI sugira cortes na única fonte de subsistência para uma parte substancial da população, pouco se preocupando com o seu impacto social.

    Interessante também é aquilo que não está presente no relatório. É surpreendente que um documento destinado a abordar cortes na despesa do estado não tenha uma palavra sobre autarquias, ou sobre fundações, institutos e afins, ou ainda sobre o sector empresarial do Estado, algumas destas são verdadeiros sorvedouros de dinheiros públicos. Dá a impressão que o relatório apenas sugere cortes em áreas do Estado afetando maioritariamente o povo português, convenientemente esquecendo os cortes em áreas predominantemente dominadas por interesses instalados e pelas estruturas político-partidárias. O Governo deve reduzir primeiro a despesa com pessoal, deve procurar renegociar a dívida pública, e racionalizar o seu sector empresarial - três áreas de grande despesismo.

    O debate sobre a redução da despesa do Estado, de fulcral importância para o futuro de Portugal é meritório e tem de ser feito, mas podia ter começado melhor. Começa por demonstrar uma incapacidade do executivo em comunicar assuntos delicados e de extrema importância de um modo sério, coerente e organizado. Criou-se uma balbúrdia desnecessária que em nada beneficia este processo. Os assuntos não abordados no relatório mostram uma falta de força para combater interesses instalados. Os cortes na despesa não devem contemplar só uma parte das funções do Estado, mas a totalidade dos seus sectores. A visão excessivamente financeira e a insensibilidade social demonstradas na análise feita neste relatório são também preocupantes. As reformas propostas tem sempre subjacente os objetivos de consolidação fiscal imediata. A preocupação é, essencialmente, quanto é que se pode poupar no curto prazo, com poucas preocupações do impacto não financeiro das reformas propostas, bem como dos seus efeitos a longo prazo. A análise é feita de um ponto de vista demasiado macroeconómico, olhando essencialmente para estatísticas, e com pouca preocupação do significado destas no país real. A abordagem feita tem de ser menos académica, e mais prática. As medidas tem ser inteligentes, ter em conta o mundo real e ter sensibilidade social. E os cortes não podem ser cegos.

    Por: César Vasconcelos (*)

    (*)Presidente da JSD Valongo

     

     

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