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    Arquivo: Edição de 24-10-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Maestros do meu país

    Num domingo de manhã disse-me a minha vizinha: – «Logo à tarde vem a minha casa comer um bocadinho de bolo». Nunca poderia dizer que não a pessoas que são como meus segundos pais por tantos e bons motivos. Certo é que de tarde lá estava eu, junto de uma família que conheço desde sempre a cantar os parabéns à D.ª Alzira, a mulher do Sr. Oliveira que celebrava 74 anos de idade.

    Sentada à mesa pude ficar atenta aos “sons de uma família” o ruído enriquecedor que é estar-se sentado à mesa, cruzando-se assuntos, por vezes falando todos ao mesmo tempo até o “maestro” precisar de intervir para pôr ordem na conversa – em todas as famílias há sempre um maestro(a) que está atento a tudo e a todos, proporcionando a valiosa harmonia nos sons de uma família.

    Na reflexão que insisto em fazer antes de adormecer dei comigo a elaborar um “brainstorming” da importância que têm os sons na nossa vida porque tudo tem uma sonoridade própria e muito genuína e quase parecem baladas, senão vejamos:

    Começamos pelo choro e as diferentes sonoridades que aprendemos a identificar – o do bebé que nasce, o da birra, o do um capricho que não é satisfeito, o do mimo exagerado, o da alegria e o da tristeza, com um trinar muito próprio de cada situação que nós, intuitivamente identificamos e sabemos que vindo de dentro de nós se torna essencial para nos “descarregar a alma” e que pode fazer dano se for reprimido.

    A abertura de um noticiário também tem uma musicalidade muito própria e acompanha aqueles segundos que passam rapidamente nos dígitos do relógio. Em família, é usual o “maestro mandar calar a banda” – «Chiu!, quero ouvir o noticiário”. Calamo-nos e ficamos em “suspenso” porque todos sabemos que são as notícias dramáticas que abrem estes blocos noticiosos.

    Foto GL
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    Ultimamente eu penso que até os mais novos já ficam atentos às notícias, seguem o “maestro” que lê o ponto, dando-lhe uma ênfase tal que nos vai pondo o coração a trabalhar de forma acelerada, como se gostássemos de andar numa “montanha russa”, aquela que mexe com a nossa adrenalina pela queda vertiginosa do nosso “carrinho”, aquele que nos transporta como se fôssemos para o abismo. E nós? Dá a ideia de que nos habituamos, gostamos, e vamo-nos deixando entorpecer.

    Temos ainda o silêncio da noite em que o ritmo da nossa musicalidade é marcado pelas batidas do coração, o nosso “maestro”, aquele que comanda toda a “nossa orquestra” conforme o nosso estado de espírito, e que nos vai permitindo adormecer embalados pela seu bater compassado, ou acordar quando se dá o “descompasso”.

    Que o amor tem som isso nem sequer se duvida, mas dei por mim a refletir que a amizade também tem um som forte. Em telemóveis avançados já se coloca uma música para as pessoas especiais que, às vezes também têm a sorte de, ao toque, se lhe associar um rosto. Penso que não será ousadia afirmar que ficamos felizes quando ouvimos tocar quer o som do amor, quer o som da amizade e nem que seja para nos comunicarem coisas menos boas porque, no mínimo existe alguém importante do outro lado, que nos enriquece acrescentando o calor e a sonoridade de uma voz.

    Eu costumo dizer que o momento do dia de que mais gosto é o amanhecer em que ouço o som dos carros que começam a passar, dando sinal de que temos mais um dia pela frente, em que se vive, em que se procura uma oportunidade, em que se procura uma solução ou uma alternativa. Os autocarros enchem-se de pessoas que vão falando umas com as outras partilhando risos e preocupações. Ultimamente fico receosa porque se ouvem comentários cada vez mais frequentes e do tipo: - «Estamos a precisar de um novo Salazar!» ou que isto só se resolve com uma “revolta do povo” ou uma guerra.

    Estas pessoas ainda vão desabafando, mas assustador será que a estas se juntem as outras pessoas, aquelas que lentamente se habituaram a ouvir dentro de si mesmas o “som do silêncio”, aquele que ninguém se está a dar ao cuidado de escutar e que também cresce de forma “galopante”, porque a “orquestra do nosso país está desafinada”, porque andamos todos a emitir sons diferentes - os “maestros” andam sempre à volta de si mesmos e não estão a analisar os problemas na sua profundidade e gravidade.

    O som da esperança está a sucumbir dramaticamente ao do desespero e estão a tirar-nos o gosto de cantarmos, juntos e em uníssono, a canção que aprendemos de pequeninos na escola: o nosso Hino Nacional. António Ferreira, um brilhante maestro que tenho o privilégio de conhecer, disse-me que o trabalho de um maestro é conduzir os músicos para que os instrumentos, no seu todo, produzam música.

    Então, “maestros do meu País”, por favor orientem-nos no caminho, mas não nos conduzam para um abismo. Quando ouço pronunciar a palavra “guerra” até poderia pensar que esta serviria para “expurgar um país” mas, neste momento, temos que ter o bom senso de pensar que como não podemos ser todos “generais”, quem controlaria os “soldados” que são todo um povo? Quem protegeria os nossos idosos e as nossas crianças de todos os danos colaterais que daí advêm? Já não bastará a indefinição de um futuro para nós e para as gerações que nos irão suceder?

    A orientação de uma guerra, de uma milícia, de uma orquestra associa-nos ainda a alguém que, na linha de comando, usa um “pelim”, um pau ou uma batuta, mas que divergem completamente no tipo de fabrico, que advém da sua boa ou má utilização e que pode passar por orientar, construir ou edificar uma nação. No sentido inverso, destruí-la e dizimar a liberdade e a crença de todo um povo ou ainda… compor uma música.

    Por: Glória Leitão

     

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