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    Arquivo: Edição de 07-09-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Cidadela de Cascais

    Ouvir falar de Lisboa era como sonhar com um reino de fadas, onde uma grande urbe era local de adoração, não por duendes, em nuvens de linho fofo de roca de fiar, mas por figuras angelicais espelhadas nas águas do Tejo. Como acontecia com o andor de N.ª Senhora da Azinheira, percorrendo a serra, a caminho do largo do Eiró de S. Martinho. A música e os foguetes, e os andores coloridos e brilhantes, faziam pensar numa Lisboa sempre em festa, como se ouvia, pelos ceguinhos, cantar as suas marchas e os fados de Amália!

    Pelos anos 50, houve migração de famílias de Roalde para Lisboa. O Zé Rocha, único residente que recebia um jornal, pois nem um rádio de bateria havia no local, informou:

    – É devido às construções de bairros novos...

    Assim, no tempo da vindima e férias, podia a ver, novamente, o Manel Paleiro ou Tonho da Soqueira, e perguntar:

    – Como era Lisboa? Havia muitos carros de bois?!

    – Muitas casas, muitas ruas, muitos automóveis, muitos comboios, campos da bola... – dizia o Paleiro, enquanto apanhava agriões (1º e único), no ribeiro!

    – As ruas grandes chegam daqui a S. Martinho? – Mais: chegavam a Sabrosa!!

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    Foi necessário passar meses a cumprir serviço militar, na Cidadela de Cascais, para conhecer os becos lisboetas do bairro da Bica, o museu das Janelas Verdes, o palácio do Ramalhete (Eça), a casa de fados Nau Catrineta, em Alfama, e subir às sete colinas. Resultado: passei a gostar e admirar a urbe, mas em estadias curtas, e sempre a pensar no regresso à Invicta, e na autoestrada, depois de Fátima, sentimos já o Porto!

    Acontecimentos familiares levaram a passar um fim de semana na Capital, e desperto pela publicidade, ao aproveitamento turístico da Cidadela de Cascais, fui ver...

    Na tarde de calmaria do mês de agosto, instalado no carro de uma sobrinha, deu para observar, com olhos de ver, a linda marginal Lisboa-Cascais. O movimento era muito, e as praias regurgitavam de jovens e crianças. Os carrinhos de bebé tinham de fazer gincanas, entre os parques de automóveis saturados. Os brilhos suaves das águas do Mar da Palha resplendiam nos edifícios, palacetes e fortes militares. O espetáculo deliciava o corpo e a alma. Não havia sinal da crise!

    A visita à Boca do Inferno e ao Guincho e, perdido, na Quinta da Marinha, não sobrou o tempo para a Cidadela. Mas, só o portão de entrada, antiga Porta de Armas, despertou os anticorpos dos “estragos” feitos pelo curso de Cadetes, aí feito. A vontade de recordar a estadia era pouca. Apenas um apontamento:

    Preparado para passar um sábado e domingo, em Lisboa, sou chamado ao capitão, conhecido como o “assassino da voz meiga”, que disse:

    – Vai fazer os cálculos de tiro aéreo, este fim de semana, para os fogos reais da Bateria, a realizar na praia do Guincho.

    “Derreado” com o papel dos dados matemáticos, tendo a solidariedade de colegas, à morosa e complicada tarefa, e com tabelas trigonométricas, consegui, depois de almoço de sábado, entregar os cálculos ao dito oficial, retido no quartel, em serviço de escala.

    Ainda não tinha poisado as folhas dos cálculos, na sua mesa, ouvi o voz meiga dizer:

    – Ó cinco (era o cadete n.º 5)!, estava para o mandar chamar! As coordenadas dadas estavam erradas, com elas, ia abater os aviões de passagem para Lisboa!

    Por: Gil Monteiro

     

     

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