Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 15-10-2011

    SECÇÃO: Crónicas


    foto

    Estudar no café

    Sou de uma geração estudantil que muito penou, pelos cafés do Porto, agarrada horas às sebentas, intervaladas por conversas e deglutir um galão (agora meia de leite) com bolo de arroz.

    A maioria dos estudantes universitários residia em quartos de casas particulares, alugados ao mês ou meio mês, conforme as férias e os exames. Portanto, os cafés da Baixa eram o ponto de encontro, convívio e estudo. Os alojamentos, pela economia de preço (jamais os tostões voltaram a ser tão cotados), não tinham luminosidade própria para ler e estar. As lâmpadas eram fracas e, quando ligadas noite dentro podiam ser desligadas (!), como acontecia nos tempos apertados dos exames e frequências semestrais.

    Mais que as condições do estudo caseiro era o apelo de passear pelas ruas do Porto, a qualquer hora. As entradas e saídas dos cinemas não se podiam perder – pois os bilhetes baratos eram caros! As verbenas do Palácio de Cristal eram um chamamento! Na avenida das Tílias desfilava o Porto. Mas eram os cafés os abrigos naturais.

    Se os cafés: Âncora de Ouro (Piolho), Universidade, Estrela, Avis, Ceuta, e outros, têm sido homenageados, com placas de agradecimento nas paredes por ex-estudantes, muitos mais o mereciam, como o Almada e o Satélite (muito frequentado, na zona do Marquês, logo que abriu). As pastelarias Oliveira, Primar, Cunha e Ateneia deram o contributo de estadas de curta duração. Não havia coragem para utilizar as mesas para os calhamaços retirados da pasta.

    Havia cafés de acordo com a condição dos alunos: Universidade (remediados), Estrela (remediados de famílias comerciantes endinheiradas) e Avis (ricos e de parentes intelectuais). Os donos do Universidade tiveram de pôr, em determinadas mesas o letreiro: “Proibido estudar”. E, simpaticamente, colocaram, numa sala interior desativada, mesas para o efeito.

    O café Luso, na Praça de Carlos Alberto, muito amplo, passou a ter estudantes. Não sei, mas o ambiente era pouco citadino, parecia o de uma Vila Rural, com os comerciantes e feirantes. O desleixo, no mobiliário e decoração, era notório.

    Nos dias de agora, com a reabilitação urbana da Praça, o café Luso ficou uma beleza, li nos jornais, e fui ver...

    O velho Porto, transformado em moderno, é ainda mais bonito. As vias de trânsito, as portas do Metro, os edifícios recuperados e os palacetes, de cara lavada para a Praça, dão um lindo horizonte, onde é pouco visível o monumento a Humberto Delgado, e sobressai a esplanada do “moderno” café Luso.

    Ao ter a notícia que o Luso ia completar 77 anos, convidei família e amigos para lá ir tomar café. O que aconteceu e deu prazer. Mas, quando fomos convidados a beber espumante e comer uma fatia de bolo, agradecemos e não aceitamos, pois já tínhamos comemorado o aniversário, à chama de dois archotes, na esplanada.

    Há muitos universitários, mas já não há cafés de estudantes. Quando muito, vemos mesas ocupadas por jovens ao computador, a conversarem ou a lerem jornais desportivos e numa esplanada vi um letreiro: “Proibido jogar cartas”(!).

    É preciso lembrar que a cidade do Porto tem a maior e mais valorizada Universidade do País e que, com as outras particulares e institutos, os alunos inundavam a cidade. Não são tanto visíveis, por as instalações académicas (bibliotecas, laboratórios, campos de jogos, cantinas, bares, etc., os retêm.

    Ouvi uma jovem dizer, no passeio da rua, para o grupo:

    – Conheces o colega que... (hum)... Tem um ar parado (!)

    – É o Mário. – Disseram vozes.

    A juventude é mexida: salta, gesticula, finta... Enchem a cabeça de sons. Os telemóveis e os iPods não os largam.

    Espero que tenham a paciência de ouvir um Fado e não esqueçam a Poesia.

    Por: Gil Monteiro

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].