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    Arquivo: Edição de 10-07-2011

    SECÇÃO: Arte Nona


    Mattéo - e a Revolução Russa de 1917

    Editado pela Futuropolis em Outubro de 2010, este segundo volume de Mattéo [“Mattéo – Deuxième Époque (1917-1918)”], que sucede a “Mattéo – Première Époque (1914-1915)”, publicado em 2008, vem confirmar a grande qualidade de Jean-Pierre Gibrat enquanto desenhador e cenarista, neste tomo que pinta um vigoroso fresco de uma das épocas mais apaixonantes – seja qual for a posição que se tiver a propósito – da História da Humanidade.

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    Há alguns aspetos do argumento de “Mattéo” que desde logo indicam estar-se perante um autor maduro, muito para além do desenhador que dá umas pinceladas no cenário, para justificar os desenhos.

    A relação de Mattéo com a mãe, por exemplo, o caráter desta, falsamente fria e distante, ou a estória do barco pintado de fresco, de que o herói já se tinha, pelas próprias mãos, apercebido.

    Depois a estória é elaborada, romanesca, como no que respeita à relação de Mattéo e Juliette, casada com outro mas apaixonada por Mattéo – mas até onde? Não até ao ponto, pelo menos, de o seguir até à Rússia, como este lhe propõe.

    Os tempos conturbados de Outubro são aí descritos de forma muito hábil, como a cena em que Mattéo e o seu amigo Gervasio vão dar de frente com uma barricada de socialistas-revolucionários após vestirem os uniformes de uns cadetes czaristas mortos num anterior confronto e que encontram ainda no meio da rua, vestes de que se socorrem para combater o inesperado frio com que se deparam, enquanto europeus meridionais pouco habituados às temperaturas russas.

    A relação entre anarquistas e bolcheviques é no livro muito bem esboçada, com a cada vez mais evidente escalada do terror por parte do novo poder dito soviético.

    Também a relação de Mattéo com a bolchevique Léa, é por si só uma alegoria da perplexidade dos revolucionários russos perante a atração de um novo mundo triunfante e sedutor, mas que usa de todos os artifícios para poder levar a água ao seu moinho, numa antecipação dos tempos estalinistas que estavam para vir, mas ainda numa atmosfera romântica da criação de um novo suposto poder proletário.

    Pormenor interessante será também a nova moral sexual dominante na Rússia soviética de então, pré-estalinista.

    Do ponto de vista gráfico, a obra espraia--se pelas paisagens românticas e vibrantes do sul, com a relação romanesca de Mattéo e Juliette como pano de fundo, as atmosferas marinhas da viagem para Petrogrado (hoje S. Petersburgo), refletindo o mundo e a utopia futura, e o frufru da revolta e tumulto da metrópole russa, temperados pela sensualidade animal de Léa, e pelo choque da descoberta de uma nova modalidade de autocracia.

    Como um ponto de rutura surgem depois as atrações da Cidade da Luz, onde se acabam por dissolver as fantasias de redenção política de Mattéo, que se torna cínico, desconfiado e descrente.

    Grandes planos marcam os ritmos do enredo e dos seus desenlaces, como uma espécie de estações do ano a marcar a ação.

    O azul, o vermelho e uma gama de cores de seara, desde o amarelo ao castanho dominam a obra, preparando para a sementeira, que aqui é muito amarga.

    Estamos, de facto, diante de um grande autor, que merece ser mais conhecido e divulgado (também em Portugal, naturalmente).

    Todavia, Jean-Pierre Gibrat não é propriamente um autor desconhecido. Nascido em abril de 1954, em Paris, as suas primeiras estórias foram publicadas na revista “Pilote”, num trabalho com Jack Berroyer, com a série “Le Petit Goudard” (1978), trabalho que passou depois para a “Charlie Mensuel” e seguidamente para a “Fluide Glacial” (com os títulos “Visions futées”, 1980, “C'est bien du Goudard, 1981, e “La Parisienne”, 1983.

    Também publicou “l'Evénement du jeudi”, para “Le Nouvel Obs, Sciences et Avenir” e outros trabalhos para “Okapi” e “Je bouquine”. Em 1985, sobre textos de Dany Saval, Jean-Pierre Gibrat desenhou, para “Télé Poche”, “L'Empire sous la mer”, uma aventura sobre uma personagem canina (Zaza), criada por Dany Saval e Michel Drucker.

    É também autor de “Le Sursis”, dois tomos (1997 e 1999), “Le Vol du Corbeau”, também dois tomos (2005 e 2009), “Les Gens Honnêtes”, ainda dois tomos (2008 e 2010), este último trabalho em colaboração com Christian Durieux, sendo todas estas obras publicadas pelas Éditions Dupuis.

    Na Dargaud publicou a série “Le Petit Goudard”, já referida, com cenário de Berroyer, e “Marée Basse” (1996), em colaboração com Daniel Pecqueur; na Albin Michel publicou “Pinocchia” (1995), em colaboração com François Leroi; na Syros “Ciudad Guatemala, 27 Mai”, com Louis Aubert, e “Drogue: aux deux bouts de la chaîne”, com Marie-Agnès Combesque. É também autor de “Narcisse Mullot”, 1994, com Jean-Claude Forest.

    Por: LC

     

     

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