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    Arquivo: Edição de 15-05-2011

    SECÇÃO: Opinião


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    Falta de solidariedade europeia?

    Governos e cidadãos do sul da Europa, acompanhados pelos Irlandeses, andaram durante largos anos a gastar muito mais do que produziam dos biliões de euros que receberam provenientes de tributações suportadas por outros europeus, além de poupanças dos mais diversos países e, quando chegou o momento de ouvirem basta(!), juntaram-se em coro para lamentar e verberar o que designam como falta de solidariedade de alguns povos para com aqueles que, habituados ao bem bom da vida e dos proveitos oriundos das negociatas que não terão faltado nas relações entre o Poder e determinados atores económicos, sentem agora as consequências da natural ameaça de terem de percorrer outros caminhos e de tomar medidas para pagar os empréstimos e respetivos juros. Lamentável é que os pagadores sejam outros: os portugueses que não enriqueceram durante os últimos seis anos de governação, período em que a dívida pública duplicou, passando de 80 mil milhões para cerca de 170 mil milhões de euros.

    Naturalmente que afirmações de falta de solidariedade são algo do reino da subjetividade. Mas, quando não se está em presença de situações anormais, como são os fenómenos da natureza traduzidos em tufões, furacões, tsunamis e outros, que inesperadamente arrasam cidades ou aldeias provocando numerosas vítimas e incalculáveis danos, colocando em crise a capacidade dos Estados de responderem adequadamente para minimizarem os efeitos das tragédias, os apelos a princípios de solidariedade acompanhados de censura para quem não responde afirmativamente, é qualquer coisa que os “aflitos” não se cansam de repetir, mas que os outros, que souberam governar-se com o que produziram e amealharam, entendem, e bem, que nada têm a ver com estados de ansiedade de quem durante muitos anos governou imitando a cigarra.

    Vem isto a propósito, como já terão concluído, das queixas de alguns atores políticos portugueses que recorrentemente verberam as dúvidas de finlandeses, ingleses e alemães em abrirem os seus cofres para resgatarem a dívida de Portugal, que gestão danosa dos dinheiros públicos fez com que tenha atingido montantes jamais registados na nossa história republicana. E, quando o problema parece ultrapassado e o dinheiro para pagar salários praticamente assegurado, as baterias dos referidos críticos voltam-se para o custo do dinheiro, atacando ferozmente a taxa de juro imposta pelas instituições europeias, mais gravosa que a disponibilizada pelo FMI, algo que alguns consideram incompreensível, com destaque para todos aqueles que se associaram a José Sócrates no tempo, efémero, em que o PM diabolizava o FMI, ameaçando que nunca governaria com a referida instituição, usando a expressão que ficará para a história da nossa democracia: entre ele e o FMI havia dez milhões de portugueses. Quem assim se pronuncia não quer reconhecer, e menos ainda aceitar, que a taxa de juro anunciada incorpora uma sanção para o desrespeito do governo para com as regras comunitárias. Como diz o provérbio, cego é o que não quer ver.

    Naturalmente que todos os portugueses, contribuintes e consumidores, nós próprios incluídos, sentir-se-iam muito menos desconfortados se três ocorrências não tivessem confluído: as despesas do Estado ultrapassarem ano após ano largamente o montante das receitas; José Sócrates estar no lugar errado no momento errado, ocorrido quando Ferro Rodrigues abandonou a liderança do PS zangado com o então PR, seu camarada de partido; e, por fim, que as instituições europeias, em vez de nos penalizar pelo mau uso das ajudas concedidas e pela opacidade das contas públicas, aplicando-nos taxas acima dos 5%, não tenham optado por abrir um processo de averiguações que encerraria pela via da prescrição, prática que os portugueses não estranhariam por se identificar com o que frequentemente se passa com a nossa justiça.

    O que acontecerá a este país, de mais de oito séculos, é algo que não gostaríamos de, aqui e agora, expressar, qual seja a nossa convicção. Mas, a denúncia estrangeira do gosto dos nossos políticos pela diversão com brinquedos caros (submarinos, TGV, AE em número desmesurado) parece continuar a ser desejo dos atuais governantes, indiferentes a todos os sinais que alertam para a contenção de despesas e parcimónia nos investimentos nos próximos anos de aperto de cinto, canalizando os recursos, todos, para a atividade económica geradora de riqueza que contribua para pagarmos capital e juros da preocupante dívida nacional.

    Com efeito, neste quadro de dificuldades que traz assustados muitos milhões de portugueses, eis que nos é anunciado o apagão das emissões de televisão analógica para, com início já agora, em Alenquer, implementarem um outro sistema designado por Televisão Digital Terrestre (TDT), pelo qual os canais generalistas passam a ser transmitidos, medida que implicará a substituição de muitos milhares de aparelhos ou a aquisição de descodificadores (fala-se em cerca de quatro milhões) com custos que para muitos reformados representam 1/4 das suas pensões, com a única alternativa de se isolarem do mundo, deixando de usufruir de um serviço que hoje é reconhecidamente tido como um bem de primeira necessidade. O fascínio pelo obscurantismo parece perseguir os nossos políticos.

    São decisões governativas deste tipo que nos levam a pensar que o regime democrático está subjugado a uma das seguintes ameaças: ou a corrupção é tão forte e generalizada que nem iminente situação de bancarrota faz parar os investimentos próprios de épocas de vida fácil, ou a vaidade dos políticos é mais forte que a evidência de que os tempos não estão para gastar e fazer gastar recursos financeiros com “luxos” que bem podem esperar o tempo necessário até que as famílias recuperem o ânimo de viver com algum desafogo. Que mal causaria à qualidade de vida dos portugueses se a implementação da televisão digital terrestre aguardasse dois, quatro ou mais anos? Certamente que nenhum. E, seguramente, muito menos que os sacrifícios que muito milhares ou milhões de portugueses vão experimentar em consequência de realização “bacoca” de decisores medíocres, com os consequentes aumentos dos lucros dos operadores envolvidos na inoportuna alteração.

    Terminamos com um apelo: aproveitemos as poucas ocasiões que o regime nos proporciona para, de forma clara e inequívoca, punir quem tão pouco respeito evidencia pelo bem comum. Mantermo-nos no mesmo caminho não poderá conduzir-nos a diferente destino. Mudar é sempre uma esperança. E, sabido que a esperança é a última coisa a morrer, não a desprezemos.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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