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    Arquivo: Edição de 30-12-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    Cinema

    - O cinema já lá vai ?! – dizia a D. Quininha da varanda, vendo a Maria Carrapata e o homem à bulha, na rua.

    Era pequenito, quando do patamar de casa, ouvi a palavra nova – cinema – , e de ter perguntado o que queria dizer.

    – São fitas, parecidas com as comédias de Guiães (famosas representações teatrais, durante as festas da aldeia) – disse a avó Ana, chamando à ordem os Carrapatos, e não ter de falar dos filmes, que já tinha visto em Vila Real.

    Agora digo, as cenas de rua e a zaragata seriam precursoras dos filmes do neo-realismo italiano de Roberto Rossellini, em “Roma, Cidade Aberta”, ou da famosa série de cobóis esparguete, “westerns” de Sérgio Leone, como em “O Bom, o Mau e o Vilão”!

    Graças aos exibidores ambulantes de fitas, almocreves de imagens, a aldeia teve o privilégio de poder ver cinema cedo. E porquê? No lugar tinha um salão que dava para se poder assistir às projecções de filmes. Como foi possível? Simples:

    O Manuel Lapatão, regressado do Brasil com uns patacos, além de comprar umas terras, resolveu aumentar a casa dos pais, construindo o seu “palacete”. Não sendo bafejado pela sorte como D. João V na construção do Convento de Mafra, acabado o dinheiro do Brasil, acabaram as obras (!), ficando o piso novo por dividir. Eis, pois, a existência de um salão para festas nocturnas, e à luz do petróleo! Com o advento do cinema era só pôr um pano branco na parede e a lanterna mágica ligada a uma bateria; a sétima arte chegou cedo a Roalde!, ainda que alguns espectadores presentes tivessem de levar banco. Como de pé via mal, passava as curtas sessões ao colo de familiares ou outros. Quase todas as pessoas do lugar e arredores iam assistir, até as tabernas fechavam! O Isolino, ao ver ovelhas no ecrã, dizia para a mulher:

    – Estamos aqui, e ainda nos roubam alguma das nossas!...

    Ao serem vistas as imagens, e como todos os anos, a aldeia recebia o rebanho de ovelhas do Sr. João, vindo de Seia, em transumância da Serra da Estrela, era um espanto poder observar um rebanho, pastor e cães de coleiras de pregos, e a neve, em imagens da parede! Até, na interactividade, a Ana do Viúvo disse para o pastor, quando o viu passar de um carreiro e entrar no monte coberto de neve:

    – Cuidado!... Não molhes os pés!...

    Foi no Teatro Avenida, em Vila Real, que vi o primeiro filme – “Capas Negras” – acompanhado pela D. Vitorinha, na casa da qual estava hospedado para frequentar o Liceu. Como as exibições se repetiram, vi-o novamente, em matiné, e passei a ser cinéfilo, tanto quanto era possível à bolsa de estudante. Com a lei das sessões para adultos, o hábito ia acabando, apesar dos vários truques de ludibriar porteiros e polícias! Um: comprar um bilhete, e vários candidatos púberes, um de cada vez a tentarem a entrada, aproveitando a confusão, e em bico de pés; se tinha sucesso, outro bilhete era comprado, e novo ensaio feito. No final, havia sempre um adulto que comprava e utilizava o bilhete sobrante.

    Os filmes de cobóis, de aventuras e históricos eram os mais apreciados. Os documentários e os desenhos animados faziam o melhor da sessão cinéfila. Quem esqueceu a magazine de notícias “Assim vai o Mundo”, e a voz do locutor brasileiro?! E as cenas musicais de Peres Prado? E de Xavier Cugat a dançar com uma vamp, regendo a orquestra!? E os desenhos animados, que faziam bater palmas à plateia?!

    No primeiro mês de estudante na cidade do Porto esgotei os filmes em exibição, chegando, com outros caloiros de Vila Real, a ver uma fita no cinema Vitória de Rio Tinto!

    Tive o gosto de, passados anos, ver bons filmes, nas manhãs cineclubistas do cinema Batalha e noutros locais, e colaborar na feitura de filmes de oito e super-oito milímetros. O Cinema Amador teve muito prestígio, e ganhou prémios internacionais.

    Agora, no tempo dos filmes de violência e de efeitos especiais disparatados, vou cumprir a promessa: levar o neto, Manuel Pedro, a ver o último “Harry Potter”, suportando o barulhar das pipocas!

    Por: Gil Monteiro

     

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