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    Arquivo: Edição de 15-11-2010

    SECÇÃO: Editorial


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    «A noz e a castanha é de quem a apanha»

    «Quando era miúda tinha a ideia que este ditado era verdadeiro. Chegado o Outono era normal ver as pessoas de saquinho no braço à procura de castanhas e nozes nas beiras dos campos e junto aos caminhos onde havia nogueiras e castanheiros.

    No século XVII a castanha era um dos produtos básicos dos beirões e dos transmontanos, em Ermesinde quem tinha castanheiros comia e dava castanhas aos vizinhos.

    Durante séculos o castanheiro era conhecido como a árvore do pão, era de tal maneira importante que havia um ditado popular que dizia: «Mais vale um castanheiro que um saco de dinheiro».

    Mais tarde percebi que se cultivavam nogueiras e castanheiros que eram o ganha--pão dos proprietários e dos trabalhadores.

    Em Trás-os-Montes fazem-se jogos com as castanhas assadas descascadas (bilhós). Eu aprendi a servir as castanhas descascadas em Manteigas, têm apenas um defeito… comem-se muitas!

    Este ano alguém me chamou a atenção para esta forma aparentemente civilizada de servir as castanhas, comentando: qualquer dia os mais novos até pensam que as castanhas caem assim do castanheiro!

    Pois é, a vida é dura e, para além de plantar e tratar dos castanheiros, é preciso apanhar as castanhas, dar um golpe com uma faca – muchetar, como se diz em Mirandela –, assá-las ou cozê-las, descascá--las, “tirar-lhes a camisa” ou então colocá-las nos caniços para secar e depois tirar-lhes as cascas, “pilá-las” dentro de cestos, calcadas com os pés. Depois de piladas são cozidas ou moídas conforme a sua utilização.

    Hoje fazem-se magustos em toda a parte, e ainda bem, valoriza-se um produto que é nosso e as pessoas sempre vão esquecendo a crise que nos envolve a todos.

    A vida do campo tem estas contradições, por mais dura que seja é sempre acompanhada de festa, de cantares de vivências e poesia, que não é possível existir numa fábrica, num escritório…

    Com isto não pretendo ignorar o que a vida urbana contribuiu para a civilização, mas respeito aqueles que, por diversos motivos, nem sempre por sua vontade, ficaram isolados da chamada civilização, mas preservando-se da sociedade do consumo…

    Mas mesmo assim já não há quase ninguém a viver da terra, as aldeias estão desertas, por lá ficaram alguns velhos e agora começa a aparecer uma minoria de jovens que procura uma alternativa de vida menos consumista.

    Mas voltemos às castanhas e às nozes, que eram de quem as apanhasse… e foram, foi quem mais apanhou e ganhou, esquecendo o próximo, não para saborear e dividir mas para reinar, para ter tudo, não perceberam a dádiva espontânea, agora são os primeiros a cercar os castanheiros e as nogueiras de arame farpado…

    A vida deixou de ser dádiva para todos, a palavra solidariedade perdeu o sentido, cada um por si, e só por si…

    Há muito que me interrogava onde íamos parar, como era possível passar na estrada e apanhar as nozes e as castanhas todas, mesmo todas, as verdes, as podres, porque o importante era ter muitas, muitas nozes e muitas castanhas, mesmo que depois fossem parar todas ao lixo!

    Eu cá por mim vou continuar apanhar as castanhas que preciso, e este ano vou começar a jogar ao arrebiana (1) com as bilhós (2).

    (2) Jogo tradicional em Trás-os-Montes.

    (1) Castanhas descascadas cozidas ou assadas.

    Por: Fernanda Lage

     

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