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    Arquivo: Edição de 30-06-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    A viuvez

    A cor negra é atroz. É a ausência de todas as cores. Está relacionada com o luto e os buracos negros.

    O luto devia ser branco – reunião de todas as cores para nova realidade – era um florilégio. Há comunidades que o praticam. Não é inocente representar os anjos de branco.

    O preto armazena calor. Será para levar à decomposição dos seres? O fogo é um exemplo de morte e de nova criação. Veja--se o aparecimento de uma ilha vulcânica pujante de vida, passados anos. O negro será o princípio ou o fim do Universo? Os buracos negros das galáxias têm matéria ou anti-matéria?

    Andar vestido de escuro será sinal de tristeza, melancolia ou penitência? As viúvas negras e os ciganos são exemplos?

    A aldeia alto-duriense onde fui criado tinha muitas viúvas. Quando o João Rodrigues, carregado de filhos, viu a mulher a descer à terra, no cemitério de S. Martinho de Anta, não sabia que mudava de nome – passou a ser o João Viúvo! Mais: os filhos passaram a serem conhecidos por: Zé do Viúvo, Ana Maria do Viúvo ou Eduardo do Viúvo ... Os netos devem ter perdido o novo apelido, por terem emigrado para França ou serem lá nascidos.

    «Porquê tantas viúvas e raros viúvos?» E ouvia-se:

    «Nos invernos rigorosos, e na rega dos lameiros, metem água pelos socos, apanham uma constipação e...».

    Entre outras causas de morte prematura, estava o mata-bicho de aguardente, figos secos e naco de broa, antes de cavarem os campos ou vinhas, horas a fio até à chegada da tigela de sopa, pelo meio da manhã (dito almoço). Ou seriam as semanadas passadas nas cavas ou redras das vinhas, nas quintas do vale do rio Pinhão, onde a água-pé e a jeropiga não faltavam?

    Por nascimento tardio e benjamim da família, cresci no meio de três viúvas: materna, paterna e mãe. Não cheguei a conhecer os avós e tive a desdita de ficar sem pai aos seis anos. O vestuário negro constante passou a causar enfado. Ainda não posso ver amigas vestidas de escuro que não diga:

    – Tiveste algum azar?

    Em pleno século XXI, a pergunta é um disparate, e mais: as novas viúvas andam garridas, felizmente!

    A morte devia ser cantada e não chorada. Os cânticos e as salvas de palmas, durante as cerimónias fúnebres de hoje, são o prenúncio de novas mentalidades. E, como dizia o Bernardino: – Quando deixarmos de ter medo da morte não é preciso rezar!

    Os judeus de casacas pretas, cartola e tranças; as muçulmanas de burka da cabeça aos pés, estão a anos-luz da evolução normal.

    Um judeu, vestido de negro (seria rabino?), pediu para fazer uma prece, junto à base do Muro das Lamentações, pelos filhos e mulher, mas como exigiu os dólares antes da reza, virei costas agoniado!

    Num hotel super-chique (nas arábias é assim!), da cidade do Cairo, onde almoçava, a mesa redonda ao lado foi ocupada por muçulmanos, em trajos festivos, e talvez comemorativos de casamento, onde uma dona de burca negra mostrava um cibinho de cara, mal deixando ver os olhos. Como iria comer?

    Assisti a cenas de cinema ao vivo(!). Jamais as poderei esquecer ...

    Os dedos, quase escondidos pelas mangas, agarravam os bocados de comida, previamente cortados, e levantando uma espécie de babete dissimulada entre os olhos e o queixo, metia os nacos na boca!

    Apesar de estar perto e atento, não conseguia ver-lhe os lábios ou os dentes.

    Escrever sobre a viuvez e não referir o louva- a-deus era imperdoável! Ser tão mimético e tão contrastante não temos outro nas nossas searas. Quando era menino acreditava no fervor religioso do Fernando, quando o encontrava entre as folhas do centeio, e ao proferir:

    – Vê como as patinhas da frente estão postas a rezar a N.ª Senhora, e em frente da boca!...

    Quando soube, no liceu, que esse par de patas do insecto funcionavam como tenazes, para matar outros bichos, deixei de acreditar na doutrina do Fernando.

    Mais tarde, classifiquei a louva-a-deus como a viúva mais sádica da Zoologia.

    Copula com o macho, enquanto lhe tritura e come a cabeça, agarrada pelas tais patinhas de louvar a Deus!

    Por: Gil Monteiro

     

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