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    Arquivo: Edição de 15-02-2009

    SECÇÃO: Tecnologias


    A identificação da ideologia através da análise do discurso (5)

    Para realizar o objectivo deste trabalho – o exame do funcionamento do político no debate sobre o software livre tendo em vista uma análise dos sentidos – proponho a realização de alguns passos essenciais – conclusão.

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    A definição de Código Aberto usada pela Open Source Initiative é a Definição Debian de Software Livre, com a mesma formulação, apenas com a omissão das referências ao Debian. No entanto, a definição de código aberto conta também, em cada item, com uma explicação, uma justificação da sua existência, o que não existe na definição Debian.

    Diz o item 3, com a sua justificação:

    «3. Trabalhos Derivados

    A licença deve permitir modificações e trabalhos derivados, e devem permitir que estes sejam distribuídos sob a mesma licença que o trabalho original.

    Fundamentação: A simples habilidade de ver o código fonte não é suficiente para apoiar a revisão independente e a rápida selecção evolutiva. Para que a rápida evolução se concretize, as pessoas devem ser capazes de realizar experiências e distribuir modificações».

    Aqui há a menção clara ao “achado” de Raymond, a seleção evolutiva decorrente do modo de desenvolvimento de Linus Torvalds. O fim do item 3, explicitado pela fundamentação, é permitir a continuidade do método de trabalho, baseado na revisão dos pares e no encaminhamento de soluções autónomas, sem a necessidade de autorização do autor anterior. A possibilidade de alteração e distribuição da versão modificada já era algo permitido e incentivado pela GPL, porém, com outros fins, que não a melhoria técnica. Não se trata de abdicar do controlo, da autoria, da propriedade em nome do “progresso”, em nome da melhoria do software e da correcção de erros. O que existe é uma noção de autoria colectiva, direitos colectivos e, portanto, bem colectivo, comunitário. Vejamos um trecho do sub-item c do item 2 da GPL, que fala sobre a liberdade para a modificação:

    «Portanto, esta cláusula não tem a intenção de afirmar direitos ou contestar os seus direitos sobre uma obra escrita inteiramente por si; a intenção é, antes, exercer o direito de controlar a distribuição de obras derivadas ou obras colectivas baseadas no Programa».

    Mas nem as ideias que Raymond patrocinou com sua Open Source Inicitiave estão totalmente de acordo com a sua visão. Ele defende os princípios open source pela eficiência que vê na prática, pela qualidade do software gerado pela “selecção natural” que descreveu em "A Catedral e o Bazar". O efeito “prático” tem mais relevância do que os princípios colocados. Continua ele no mesmo debate:

    «Eu não estou a ser hipócrita quando digo isto, porque eu próprio tenho posições que mantenho silenciadas por razões políticas e de marketing. Se a Definição de Open Source reflectisse completamente as minhas convicções pessoais, ela seria um pouco diferente do que é. Mas eu deixei-a seguir assim, porque ela funciona. O facto de que funciona e o consenso à volta dela é mais importante do que os pontos de vista em que eu possa diferir dela. (...)

    Ou o open source é uma rede vencedora tanto para produtores como consumidores baseado no puro interesse próprio ou não é. Se é ninguém pode perder; se não é, ninguém pode (e não deve) ganhar. De uma maneira ou de outra a perspectiva moralizadora sobre como as coisas "deveriam" ser é no mínimo inútil, e no máximo activamente prejudicial».

    Há ainda outro elemento que distingue o discurso de ambos e as relações derivadas do modelo que propõem. Raymond refere-se com frequência à satisfação dos utilizadores, como vemos acima, mantendo a separação produtores/consumidores. A marca do discurso de Raymond não é a eliminação da desigualdade, é a eficiência técnica de um método que estabelece uma “selecção natural”, pela qual o software “evolui”.

    4. Retoma da distinção

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    No discurso open source/código aberto, a persistência da existência da figura do utilizador/consumidor pode ser verificada. Para as empresas, interessadas no negócio de software (seja ele a venda de código aperfeiçoado ou serviços), a figura do consumidor precisa de continuar a existir. A possibilidade de alteração do código tornou-se algo não essencial, embora ainda desejável. Mais importante que a não-distinção entre produtor/utilizador serão os milhares de olhos capazes de inspecionar o código e fazê-lo evoluir para algo melhor. Essencialmente, na licença, nada muda, mas surge uma nova instituição (a Open Source Initiative) e novos advogados que enfatizam as vantagens técnicas e não a alteração na ordem social.

    Vejamos o parágrafo que explica o que é open source na primeira página do website da Open Source Initiative: «A ideia básica por trás do "open source" é muito simples: Quando os programadores podem ler, redistribuir e modificar o código de uma peça de software, o software evolui. As pessoas aproveitam, adaptam, corrigem bugs. E isto pode acontecer a uma velocidade tal que comparada com o desenvolvimento do software convencional, é impressionante.

    Nós, na comunidade do open source aprendemos que este rápido processo evolutivo produz melhores resultados que o modelo tradicional fechado, no qual muitos poucos programadores podem examinar a fonte e tudo o resto tem que ser deixada na escuridão de um opaco bloco de bits.

    A Open Source Initiative existe para fazer a defesa deste modelo ao mundo comercial.

    O software open source é uma ideia cujo tempo finalmente chegou. Desde há vinte anos que tem vindo a ser construído este momentum nas culturas técnicas que construíram a Internet e a World Wide Web. Agora está a chegar ao mundo comercial e a mudar todas as regras. Já estão prontos?».

    Algumas expressões merecem ser destacadas pois são as marcas desse discurso derivado da ideia de “selecção natural”. Está dito: «o software evolui» – como se fosse uma espécie animal para a qual os programadores são os responsáveis pela selecção. Também: «Quando a comunidade do código aberto aprendeu que esse veloz processo evolutivo». E mais: «Desde há vinte anos que tem vindo a ser construído este momentum nas culturas técnicas [em oposição a ideológicas ou idealistas] que construíram a Internet...», ou seja, um fenómeno alheio aos ideólogos, construído num ambiente pragmático, o contrário do que Raymond diz ser a FSF.

    Elemento inerente ao processo evolutivo, a competição, por outro lado, é algo que, se acirrada, não é vista com bons olhos por Stallman – e principalmente como elemento do capitalismo. No Manifesto GNU, que escreveu em 1985, antes da redação da GPL, e como texto-convite, diz ele:

    «O paradigma da competição é uma corrida: recompensando o vencedor, nós encorajamos todos a correr mais rápido. Quando o capitalismo realmente funciona deste modo, ele faz um bom trabalho; mas os defensores estão errados em assumir que as coisas sempre funcionam desta forma. Se os corredores se esquecem do porque a recompensa é oferecida e buscarem vencer, não importa como, eles podem encontrar outras estratégias – como, por exemplo, atacar os outros corredores. Se os corredores se envolverem numa luta corpo-a-corpo, todos eles chegarão mais tarde.

    Software proprietário e secreto é o equivalente moral aos corredores numa luta corpo-a-corpo. É triste dizer, mas o único juiz que nós conseguimos não parece opor-se às lutas; ele somente as regula ("em cada 10 metros você pode disparar um tiro"). Ele na verdade deveria encerrar as lutas, e penalizar os corredores que tentarem lutar».

    Concluindo

    Um pouco do que conseguimos perceber aqui, traçando o percurso desses discursos, foi como a criação de uma entidade (a Open Source Initiative), de um termo em particular (open source), foi algo de grande impacto na aceitação do movimento por uma parte da sociedade. Para melhor retratar o posicionamento desses termos, o quadro abaixo será interessante.

    Por: RAFAEL EVANGELISTA *

    * Dissertação de mestrado, com o mesmo nome, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Campinas, Brasil. Adaptado para a norma portuguesa europeia.

     

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