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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-01-2009

    SECÇÃO: Tecnologias


    A identificação da ideologia através da análise do discurso (4)

    Para realizar o objectivo deste trabalho – o exame do funcionamento do político no debate sobre o software livre tendo em vista uma análise dos sentidos – proponho a realização de alguns passos essenciais.

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    A função do open source

    Mas como explicar, então, que algo tão subversivo, classificado na terra do capitalismo como “comunista” pode alcançar tanto sucesso, inclusive dando origem a empresas dos Estados Unidos e sendo adoptado e incentivado por grandes corporações?

    Para isso, o movimento software livre teve que ser refundado, resignificado sobre outras bases ideológicas.

    Não há diferenças substanciais entre o que os termos software livre e código aberto pretendem definir. Ambos estabelecem praticamente os mesmos parâmetros que uma licença de software deve conter para ser considerada livre ou aberta. Ambas estabelecem, na prática, que o software deve respeitar aquelas quatro liberdades básicas que a FSF estabeleceu. Mas os defensores do termo código aberto afirmam que o termo fez com que os empresários percebessem que o software livre também pode ser comercializado. Teriam sido mudanças “pragmáticas” e não “ideológicas”.

    O open source/código aberto, sem enfatizar a indistinção entre produtores e consumidores/utilizadores, deu relevância a uma nova prática de produção de software, só possível a partir dos anos 1990, com a criação da internet. Nessa prática, a rede passou a funcionar como uma metáfora do mundo natural, em que os códigos mais competentes/melhor escritos/mais inovadores, encontravam programadores dispostos a aplicá-los e a melhorá-los. A relação mais flexível com a propriedade passou a ser justificada pela melhoria técnica, pela seleção natural estabelecida na internet. «Liberar cedo, liberar frequentemente», como afirmou Eric Raymond, tornou-se a regra para garantir o mínimo de tempo perdido no desenvolvimento de um software que provavelmente não “sobreviveria” na selva do mercado e para garantir a adopção das melhores soluções de desenvolvimento proporcionada pela profusão de olhos a ler o código. Ao mesmo tempo, a rede passou a funcionar como a experiência de vida que melhoraria o código (tornando-o mais forte).

    Há alguns momentos que são fundantes na história do movimento do software livre. É possível dizer que o marco inicial se dá em Março de 1985, quando Richard Stallman escreve o Manifesto GNU, documento que desenha os princípios do copyleft 1, que dará base para as regras descritas na GPL e que é um convite para que outros programadores se unam ao esforço da Free Software Foundation de produzir um sistema operativo livre. Outro ano importante é 1991, quando, em Setembro, Linus Torvalds lança a primeira versão do kernel Linux, que completou o sistema projectado pela FSF antes de ela mesma o fazer. Embora siga os princípios da GPL, o Linux significou, na prática, o surgimento de uma nova corrente de força dentro do movimento, que culminará com o surgimento do movimento do código aberto (open source), em 1998. Neste ano, Eric Raymond publicou o artigo “Goodbye, "free software"; hello, "open source"” e fundou, com Bruce Perens, a Open Source Initiative 2.

    Características do discurso

    open source:

    1. Elogio ao método bazar

    O método de desenvolvimento adoptado por Linus está em "A Catedral e o Bazar", livro escrito por Eric Raymond, em 1997. A obra é também uma alfinetada em Stallman, acusado de adoptar uma postura centralizadora de desenvolvimento. A crítica de Raymond aparentemente é voltada ao modelo de desenvolvimento proprietário, mas também se refere ao desenvolvimento GNU, dizendo que esses códigos são como se fossem catedrais, monumentos sólidos, construídos a partir de um grande planejamento central. Já o desenvolvimento adoptado por Linus seria como um bazar, com uma dinâmica altamente descentralizada. Diz Raymond: “De facto, eu penso que a engenhosidade do Linus e a maior parte do que desenvolveu não foram a construção do kernel do Linux em si, mas sim a sua invenção do modelo de desenvolvimento do Linux. Quando eu expressei esta opinião na sua presença uma vez, ele sorriu e calmamente repetiu algo que frequentemente diz: «Sou basicamente uma pessoa muito preguiçosa que gosta de ganhar crédito por coisas que outras pessoas realmente fazem». Preguiçoso como uma raposa. Ou, como Robert Heinlein teria dito, «muito preguiçoso para falhar».

    2. Elogio a Linus,

    críticas a Stallman

    Mas há mais no discurso de Raymond em relação ao modelo Linux do que o elogio da técnica - embora o sucesso desta seja inegável. Stallman sempre foi uma figura politicamente muito actuante, não apenas no campo da informática. Mais velho, tendo vivido toda a experiência da luta pelos direitos civis nos EUA, Stallman carrega no seu discurso críticas não muito ao gosto das empresas. No seu site pessoal, por exemplo, ao lado de artigos a favor do software livre, encontram-se também ensaios políticos sobre temas como a invasão nore-americana ao Iraque e o muro de Israel na Palestina. Raymond, por sua vez, é um ardoroso defensor da liberalização do uso de armas, tema usualmente mais ligado às bandeiras da direita liberal.

    Linus, por sua vez, além de ser politicamente mais moderado e pragmático, conseguiu criar uma identidade maior com a nova geração de programadores abaixo dos 40 anos, da qual Raymond faz parte. Essa geração, segundo Sam Willians, autor do livro "Free as in Freedom", é mais energética e ambiciosa. Diz ele: «Com Stallman a representar o contingente dos mais velhos e ajuizados hackers do ITS/Unix e Torvalds a representar a mais jovem e mais energética colheita de hackers Linux, esta parelha indicava uma simbólica mostra de unidade que só podia ser benéfica, especialmente para os mais ambiciosos jovens hackers como Raymond».

    Raymond, por sua vez, não esconde, que com o termo open source/código aberto, procurou calar as evidências ideológicas do movimento liderado por Stallman. Noutra entrevista para a revista "Salon.com", poucos meses após a fundação da OSI, diz ele:

    «Certo. [Depois do encontro com Netscape] eu e mais um grupo de hackers do software livre juntamo-nos e tivemos a nossa própria conferência estratégica. O assunto na mesa era como explorar a quebra do Netscape. Nós trabalhámos nalguma estratégias e tácticas. Primeira conclusão: O nome "free software" tinha que ser abandonado. O problema é que ninguém sabe o que é que "free" significa, e para cúmulo aqueles que pensam que sabem, estão amarrados a todo um ramalhete de ideologia e àquele tipo louco de Boston, Richard Stallman».

    À declaração de conteúdo forte de Raymond, que acabara de chamar louco a um dos dois maiores representantes do movimento, o repórter mostra-se surpreso, ao que Raymond complementa:

    «Eu adoro Richard, e somos amigos desde os anos 70 e ele prestou serviços muito válidos à nossa comunidade, mas na batalha que agora travamos, a ideologia é um handicap. Nós necessitamos de argumentos baseados nos processos económicos e de desenvolvimento. Não necessitamos de reagir como membros da Comuna [communard] disparando as nossas fisgas nas barricadas. Isto é uma estratégia perdedora. Assim, com vista a executar isto, nós precisamos de um novo rótulo, e em conjunto, depois de um brainstorming, finalmente encontramo-lo: "open source" (código aberto).

    A caracterização da atitude de Stallman como comunista não é uma novidade e é algo repetido até em tom de brincadeira 2. Communard é usado por Raymond em alusão ao governo socialista que comandou Paris por menos de três meses, em 1871. Os trabalhadores que tomaram o poder, na ocasião, também ficaram conhecidos por terem deixado intactos biliões de francos do Banco Nacional da França, dinheiro que depois foi utilizado para financiar o exército que derrotou a Comuna. Longe de dar um exemplo fortuito, Raymond está a lembrar a toda a gente um momento em que a hesitação em adoptar uma postura “pragmática” acabou por condenar todo o movimento.

    3. Mundo natural

    A metáfora com o mundo natural encontrou grande ressonância nos ouvidos das empresas e nos países centrais. Para aqueles que estão em condição privilegiada em termos sociais, entender a sua condição como derivada de uma maior capacitação, inteligência ou habilidade, parece ser muito mais adequado do que atribuir a diferença a injustiças sociais. O mundo natural como metáfora da organização social (os mais fortes sobrevivem e prosperam, enquanto os mais fracos morrem) é algo bastante recorrente na sociedade norte-americana.

    Por: RAFAEL EVANGELISTA *

    * Dissertação de mestrado, com o mesmo nome, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Campinas, Brasil. Adaptado para a norma portuguesa europeia.

     

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