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    Arquivo: Edição de 29-02-2008

    SECÇÃO: Destaque


    Dia Internacional da Mulher

    Ser mulher em Portugal

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    As mulheres portuguesas estão entre as que mais trabalham fora e dentro de casa, mesmo quando os filhos são pequenos. Auferem salários mais baixos do que os homens e demonstram cada vez menos predisposição para ter filhos. É neste cenário que a maioria das famílias portuguesas é gerada e se desenvolve.

    Com o Dia Internacional da Mulher à porta, vale a pena tentar perceber porque somos assim e para onde caminhamos.

    A celebração do Dia Internacional da Mulher remonta a 8 de Março de 1957, quando as operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque saíram à rua para exigir melhores condições de trabalho. Organizaram-se a partir daí, novos grupos e publicações feministas que discutiam o papel secundário atribuído à mulher na sociedade.

    Ao denunciarem inúmeras injustiças e desigualdades, os movimento de mulheres pretendiam romper com as imposições de uma sociedade patriarcal e legitimar o papel das mulheres na construção de uma sociedade baseada no princípio da igualdade.

    Durante séculos, o papel da mulher incidiu sobretudo na função de mãe, esposa e dona de casa. Ao homem estava destinado um trabalho remunerado no exterior do núcleo familiar.

    Com o incremento da Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, muitas mulheres passaram a exercer uma actividade laboral, embora auferindo uma remuneração inferior à do homem. Lutando contra essa discriminação, as mulheres encetaram diversas formas de luta essencialmente na Europa e nos Estados Unidos.

    MULHERES REPRESENTAM

    MAIS DE 50%

    DA POPULAÇÃO MUNDIAL

    Fernanda Machado (empregada comercial)
    Fernanda Machado (empregada comercial)

    Hoje, passado mais de meio século, as mulheres portuguesas que constituem mais de 50% da população, continuam a lutar por condições de vida dignas, igualdade de salários, direitos de protecção efectiva da maternidade e igualdade jurídica. O século XX foi decisivo para as mulheres em geral.

    Em Portugal, a revolução de Abril de 1974 e a democracia ofereceu às mulheres a igualdade de direitos perante a lei. Conseguiram o direito de voto igual e houve um grande avanço dos métodos contraceptivos. Mas o estatuto de igualdade de direitos não está alcançado na prática.

    «AS MULHERES SÃO VÍTIMAS DA SOCIEDADE»

    Maria do Carmo (empresária)
    Maria do Carmo (empresária)

    Hoje em dia, as mulheres que optam por uma carreira profissional são forçadas a acumular papéis sociais (mãe,dona de casa, profissional, esposa) e a conciliação destas tarefas nem sempre é pacífica.

    Fernanda Machado é empregada comercial e sente que as mulheres portuguesas são fortemente injustiçadas. «As mulheres são vítimas da sociedade», declara. Fernanda é casada, tem um filho, e reclama das condições de trabalho que não lhe proporcionam um horário compatível com a família. A par desta situação releva o facto de as tarefas domésticas estarem totalmente a seu cargo. «Eu não percebo como é que o Governo quer que tenhamos mais filhos, eu até queria ter mais, mas não posso porque os meus horários não me permitem», afirma revoltada. «Com um dia para descanso semanal e a sair, todos os dias, do trabalho às 22h00 tenho muito pouco tempo para estar com o meu marido e o meu filho. Não há condições para constituir familia em Portugal», declara ainda.

    Fernanda Machado sente-se revoltada com a situação em que se encontra e revela que teve de colocar o seu filho num colégio privado, porque se o tivesse numa escola pública não teria com quem o deixar depois de sair da escola.

    Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal é um dos países onde as mulheres mais trabalham, isto porque são estas que asseguram, na sua maioria, a totalidade das tarefas domésticas. São também as mais atingidas pelo desemprego e, para agravar a situação, ainda auferem salários francamente mais baixos do que os homens. Em 2005 as mulheres ganhavam em média menos 19,3% do que os elementos do sexo masculino.

    Sónia Fernandes (estudante)
    Sónia Fernandes (estudante)

    «COMO É

    QUE QUEREM

    QUE TENHAMOS MAIS FILHOS

    SE NÃO NOS DÃO CONDIÇÕES?»

    «É muito complicado ser mulher em Portugal, quando se quer ter filhos é-se logo despedida. Como é que querem que tenhamos mais filhos se não nos dão condições?». É assim que Maria do Carmo Cordeiro expressa o seu descontentamento. Empresária por conta própria e com duas filhas, queixa-se da falta de emprego em Portugal e da discriminação que as mulheres são alvo.

    «Conheço mães que não beneficiam da licença de maternidade porque têm medo de ser despedidas», diz revoltada.

    Apesar de não ter passado por este tipo de problemas, Maria do Carmo reafirma que «as mulheres que trabalham por conta de outrém enfrentam muitas dificuldades. Têm medo de ser despedidas só por quererem ter filhos e cá em Portugal não nos podemos dar ao luxo de ficar em casa porque a vida está complicada», declara.

    Contudo, todas estas situações são ilegais. É ilegal uma mulher usufruir de um salário mais baixo do que os seus colegas homens quando todos exercem as mesmas funções, ou quando esta ocupa um cargo superior.

    São igualmente ilegais os anúncios que oferecem emprego somente a homens ou mulheres, tal como na candidatura a um emprego é proibido fazer exigências que as obriguem ao compromisso de não ter filhos.

    É também ilegal retirar à mulher trabalhadora certos subsídios, como o de alimentação, só porque esta exerceu o direito à dispensa para amamentação.

    Sónia Fernandes está a tirar um curso de Apoio à Comunidade Familiar, em Valongo, e tem dois filhos, de seis e dois anos, inteiramente a seu cargo. A sua rotina diária denuncia escassez de tempo. Levanta-se às 6h30 para ter tempo de «preparar tudo o que faz falta». Às 8h00 deixa o filho mais velho na escola e o mais pequenino na ama. Segue para o curso e por volta das 18h30 vai buscá-los.

    Sónia Fernandes revela que não tem ajuda de ninguém nas tarefas domésticas. «É muito complicado conciliar tudo isto. Em média trabalho em casa até as 23h30, para conseguir pôr as tarefas do dia a dia.»

    Maria da Conceição (desempregada)
    Maria da Conceição (desempregada)

    «TIVE DE DEIXAR

    O EMPREGO

    PARA TRATAR

    DOS MEUS PAIS»

    Um caso bem mais complicado é o de Maria da Conceição Soares, que teve de deixar o emprego para tratar dos pais, que entretanto ficaram doentes. Trabalhava na administração da Escola Secundária de Ermesinde e, há cerca de seis anos, decidiu ficar em casa para prestar apoio familiar. «Não podia conciliar as duas coisas e essa foi a solução que arranjei, não tinha opção», declara resignada. Maria da Conceição queixa-se da inexistência de apoios para este tipo de situações, em Portugal e diz sentir-se «sozinha e frustrada».

    Carmelinda Sousa (operária fabril)
    Carmelinda Sousa (operária fabril)

    «O MEU MARIDO FAZ DE TUDO EM CASA»

    No entanto a situação nem sempre é assim tão dramática. Há casos que revelam uma mudança de mentalidades e promovem a integração da mulher no mundo do trabalho.

    Carmelinda Sousa tem a vantagem de não ter filhos pequenos. É operária fabril, trabalha desde as 15h00 até às 23h00 e revela que não enfrenta qualquer dificuldade em conciliar a vida profissional com a família. «As tarefas de casa não estão apenas a meu cargo, o meu marido faz de tudo, só não passa a ferro», declara entusiasmada.

    ESTUDO REVELA QUE IGUALDADE

    ENTRE GÉNEROS TEM VINDO A MELHORAR

    Conclusões de um estudo realizado pelo EspaçoT, na região do Grande Porto, apontam uma preferência pelos homens em contexto profissional (55,5%). Enquanto 39% da população inquirida afirma que há igualdade de tratamento entre homens e mulheres, apenas 5% acha que há um tratamento preferencial para as mulheres.

    Outra das conclusões retidas deste estudo, que conta com uma amostra populacional de 3 152 indivíduos (1 862 mulheres e 1 290 homens), é o facto de 92,5% da população afirmar que a igualdade entre géneros tem vindo a melhorar; no entanto são as mulheres que consideram existir avanços menos evidentes nesta área.

    Relativamente à discriminação no local de trabalho, 80% dos inquiridos revela não ter vivenciado situações de discriminação, sendo de notar que a percentagem de homens e mulheres que já foram vítimas de discriminação é bastante próxima, 17% e 22,1%, respectivamente.

    EM 2000 A TAXA DE PARTICIPAÇÃO

    FEMININA NO MERCADO DE TRABALHO ERA DE 60%

    Quanto à existência das mesmas oportunidades de criação de empresas, o universo feminino está dividido: 42% pensa não ter acesso às mesmas oportunidades que os homens. Sendo que a generalidade dos inquiridos (63,6%) acredita na igualdade de oportunidades neste campo.

    Temos vindo a assistir, sobretudo nas últimas três décadas, a uma crescente feminização da população activa, bem como a novos modos de organização da vida familiar.

    Segundo dados do INE, no ano 2000, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho atingiu os 60%, meta preconizada pela Estratégia de Lisboa para 2010.

    Outro dado curioso é a proporção de casais com filhos que trabalham a tempo inteiro (67%). Por outro lado, as ocupações a tempo parcial, designadamente das mulheres, são das mais reduzidas a nível europeu.

    Hoje é opinião quase unânime que a conciliação entre família e trabalho é um desafio e um problema que se coloca a toda a sociedade. O seu equilíbrio a longo prazo pode ser posto em causa, nomeadamente pelas baixas taxas de natalidade que se têm registado na Europa.

    Perante estes factos, torna-se premente repensar as formas de organização do trabalho, no sentido de propiciar uma conciliação entre responsabilidades familiares e profissionais dos/as trabalhadores/as.

    Neste contexto, surgiu recentemente o conceito de empresas familiarmente responsáveis, que se traduz em empresas que procuram facilitar a realização pessoal e profissional dos seus colaboradores, independentemente do sexo. Esta medida passa por dar espaço e flexibilidade para que cada trabalhador possa cumprir na sua plenitude os seus deveres profissionais e familiares.

    Hoje em dia, cada vez mais se ouve falar em conciliação como a capacidade saber conciliar a vida pessoal e familiar com as exigência profissionais. A integração da mulher no mercado de trabalho é cada vez mais comum, mas a crescente feminização da população activa tem fortes repercussões na nossa sociedade.

    «HOMENS E MULHERES

    PODEM ASCENDER AOS MESMOS POSTOS

    MAS FALTAM MUITAS MUDANÇAS CULTURAIS»

    Ao passo que nalguns países europeus o aumento da actividade feminina é acompanhado por um estudo gradual dos estatutos e papéis atribuídos à mulher e ao homem no seio familiar, na sociedade portuguesa ainda se verificam comportamentos excessivamente tradicionais.

    Daí que as mulheres se vejam tantas vezes obrigadas a conciliar as suas responsabilidades familiares com a vida profissional de forma penalizadora para ela.

    A Associação Mulheres em Acção é uma fundação sem fins lucrativos e surgiu em 2001. O seu principal objectivo é contribuir para a eliminação da discriminação e promoção da igualdade entre homem e mulher.

    Alexandra de Almeida Teté, dirigente associativa desta entidade, revela que «homens e mulheres podem ascender aos mesmos postos mas faltam muitas mudanças culturais. É fundamental perceber que as mulheres não são iguais aos homens, excepto na dignidade. Só depois podemos partir para uma igualdade tendo em conta as devidas especificidades, por exemplo no âmbito da maternidade».

    A grande batalha das mulheres portuguesas no século XXI será o direito à maternidade como função social – serem mulheres e mães ao mesmo tempo.

    No Dia Internacional da Mulher vale a pena relembrar todas as mulheres que lutaram e ainda lutam pelos direitos igualitários; questionar o papel e a dignidade da mulher, nos dias de hoje. Bem como levar a cabo uma tomada de consciência do valor da pessoa, percebendo o seu papel na sociedade. Finalmente contestar e rever preconceitos e limitações que vêm sendo impostos à mulher.

    Por: Teresa Afonso

     

     

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