Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 20-09-2007

    SECÇÃO: Crónicas


    Fascínio e autenticidade

    Costuma haver no homem duas medidas que geralmente não coincidem. Existe aquilo que somos efectivamente e aquilo gostaríamos de ser, ou que nos dava jeito ser.

    O homem movimenta-se entre estas duas medidas ao longo da sua vida, e dessa tensão nascem duas coisas. Uma boa e outra má.

    A boa consiste em que, por termos sempre um objectivo a alcançar - por nunca estarmos totalmente construídos -, a nossa vida mantém até ao último momento qualquer coisa de juventude, de busca, de incerteza, de aventura. Podemos em qualquer instante saborear o encanto de irmos ainda a caminho; podemos sempre desejar mais; possuímos, mesmo perto do fim, algo por que lutar.

    E isso permite que a vida tenha o seu sabor.

    A consequência má é a tendência para o fingimento, a mentira que resulta frequentemente da preguiça de não querermos dar os passos necessários para chegarmos de aquilo que somos até aquilo que desejamos ser.

    É árdua, sem dúvida, a tarefa de nos construirmos. Tal como - noutro plano - a de enriquecer. Quando fingimos ser o que não somos, fazemos algo semelhante ao que faz aquele que assalta um banco para se tornar rico: escolhemos o caminho que prescinde da paciência e do esforço. E esse caminho não pode trazer - nem a nós nem aos outros - nada de bom. Não é autêntico.

    Acontece-nos por vezes que temos objectivos que exigem de nós aquilo que ainda não somos capazes de dar. Nesses momentos, devíamos compreender, simplesmente, que aquilo não é para nós; que ainda temos de crescer; que nos falta uma determinada porção de esforço e de luta.

    Lembro-me de que me aconteceu pensar nisto ao observar a forma como, em eleições, os candidatos se esforçavam por se mostrarem preocupados com o bem dos cidadãos. Escutei palavras fascinantes de homens que estudaram cuidadosamente a forma de falar às pessoas; assisti a gestos comoventes; compreendi como se pode sentir qualquer coisa semelhante a um entusiasmo capaz de empunhar uma bandeira.

    Mas perguntei a mim mesmo se dentro desses homens existia realmente a preocupação pelas más condições de vida dos seus semelhantes. Não sabia - nem sei - se o fascínio que exibiam era autenticamente manifestação de um coração virado para fora, ou somente uma técnica de sedução usada para conseguir um objectivo pessoal.

    Um coração só é verdadeiramente bom quando transpira bondade para as mãos, traduzindo a bondade em obras boas, em sorrisos alheios. Mas um coração bom é também o fruto de uma longa tarefa que exige muito combate ao egoísmo avassalador que todos trazemos dentro de nós.

    Quem procura governar os homens não o deve fazer desejando um bem para si mesmo. Seria talvez capaz de se tornar fascinante, mas faltar-lhe-ia autenticidade. Não passaria de uma mentira muito bem enfeitada. Seria como o tambor: capaz de muito ruído, talvez harmonioso, mas oco. A ausência de solidez - de verdade - não lhe permitiria chegar ao fundo nem permanecer no tempo.

    Um homem deve procurar governar os outros homens quando o coração lhe pede que se entregue; quando estala com dores que não são suas; quando descobriu a beleza que existe em fazer da vida um serviço.

    E penso que é preciso ter andado bastante para alcançar esse estado.

    Por: Paulo Geraldo*

    * Professor de Língua Portuguesa

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].