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    Arquivo: Edição de 10-09-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Financiamento e contas dos partidos

    O financiamento dos partidos políticos é uma “novela” que afecta todas as democracias, parecendo não haver solução para comportamentos irregulares e ilegais, não obstante a generosidade das contribuições públicas, aumentadas sempre com o argumento de que é necessário pôr as finanças partidárias a bom recato, tornando-as impermeáveis às tentativas de oferta/aceitação de contribuições privadas que, invariavelmente, revestem a característica, não de puras dádivas, mas de autênticos adiantamentos a cobrar, na primeira ocasião, dos titulares das instituições do Estado ou das autarquias.

    Foi com esse fito que pela lei 19/2003 de 20 de Junho se fixou em 20 000 salários mínimos nacionais (qualquer coisa como cerca de oito milhões de euros) para as eleições legislativas, o contributo das finanças públicas para os partidos concorrentes às eleições para a Assembleia da República, verba a distribuir proporcionalmente ao número de votos recolhidos, apenas com a limitação de não contemplar quem não consiga obter um mínimo de 50 000 votos.

    Para se aquilatar da generosidade do Estado para com os partidos, bastará recordar que em 1999 a subvenção para os partidos foi da ordem dos sete milhões de euros, enquanto que da aplicação da lei 19/2003, em 2005 o contributo a igual título ultrapassou os dezasseis milhões de euros. Um aumento da ordem dos 230%.

    Por outro lado, as finanças públicas desembolsaram a favor dos partidos 382.200 euros como custeio das despesas da campanha eleitoral para as legislativas de 1999, contributo elevado para cerca de 7,5 milhões de euros nas eleições para a Assembleia da República de Fevereiro de 2005. Estes aumentos confrontados com a perda de poder de compra da maioria dos portugueses que pagam com os seus impostos estas subvenções, deveriam ser algo a merecer a especial atenção das mais altas figuras do Estado.

    A estas contribuições oriundas dos impostos dos contribuintes, os partidos com representação parlamentar e os que não elejam qualquer deputado mas tenham obtido mais de 50 000 votos no último sufrágio, recebem outras subvenções, tais como, não sujeição ao pagamento de IRC, isenção de Imposto do Selo, do IMT, do IMI, Imposto Automóvel e IVA, bem como de taxas e custas judiciais.

    Atendendo aos valores envolvidos e à proveniência dos respectivos fundos (impostos suportados na sua maioria por quem vive do seu trabalho) mandará o respeito pelos direitos dos contribuintes que o não cumprimento das obrigações estabelecidas como contrapartida das subvenções, sejam punidas de forma exemplar, clara e eficaz, algo que a avaliar pelos acórdãos do Tribunal Constitucional, sempre que é chamado a pronunciar-se sobre as contas dos partidos (de campanhas ou do seu normal funcionamento), recorrentemente esbarra com comportamentos considerados em desconformidade com a legislação aplicável.

    Exemplo mais recente de que assim acontece encontra-se no fundamentado acórdão nº. 417/2007, de 18 de Julho do referido Tribunal, onde é demonstrado que das contas apresentadas pelos onze partidos (ou coligações) que concorreram às eleições legislativas de 20 de Fevereiro de 2005, todas são objecto de censura e destinatários de coimas que totalizam cerca de 119 000 euros, sendo as mais elevadas aplicadas ao PSD, ao CDS, ao PS à CDU e ao BE, nos montantes arredondados de 25 000, 23 000, 21 000, 15 000 e 11 000 euros, respectivamente. O POUS viu a coima de 256,85 euros anulada, ao abrigo de disposição legal.

    A avaliar pelo que anteriormente tem acontecido, não será de esperar que nas contas do próximo acto eleitoral, ou do funcionamento dos partidos, as coisas venham a ser diferentes para melhor do que a história nos ensina, salvo se os senhores deputados (artífices e destinatários das consequências das leis que aprovam) sejam iluminados por qualquer sopro divino que os leve a concluir que já foram longe de mais na delapidação dos dinheiros públicos e no desrespeito das leis que eles próprios aprovam e, em consequência, introduzam no artigo 11º do citado diploma legal uma alínea d) em que estipulem qualquer coisa como: Sempre que as contas de um partido ou coligação, quer se trate de campanhas eleitorais ou do funcionamento da instituição, sejam objecto de aplicação de coimas por desrespeito à legislação aplicável, acrescerá a sanção de suspensão dos benefícios previstos no artigo anterior pelo período compreendido entre um mínimo de dois anos e um máximo de quatro para as contas do partido e de dois actos eleitorais para as contas das campanhas, salvaguardando que qualquer recurso contencioso não terá efeitos suspensivos.

    A medida proposta poderá numa primeira leitura parecer excessiva, mas se reflectirmos nos contributos que dela a democracia poderá beneficiar, certamente que lamentaremos que ela não tenha sido tomada há mais tempo. Com efeito, se o fosse, teríamos poupado ao Tribunal Constitucional muitos recursos consumidos; os partidos de há muito que teriam interiorizado que as leis são mesmo para cumprir; o Presidente da Comissão Europeia não se via na necessidade de dar explicações aos parlamentares europeus sobre o que se passou nas finanças do PSD quando era seu presidente; uma importante empresa nacional e o PSD não viam os seus nomes citados nos media pretextando-se que aquela pagou e este recebeu ilegalmente 233 mil euros, arriscando-se uma e outro a pagar coimas compreendidas entre quatro mil e um milhão de euros; o secretário-geral do PSD à época dos acontecimentos, não se veria na necessidade de ficar a dever aos seus pares parlamentares a solidariedade manifestada ao negarem autorização para que prestasse depoimento no processo em causa, situações estas relatadas num jornal diário da nossa comunicação social. Ao referir-se o citado caso, não se pense que é o único que suscita dúvidas relacionadas com o financiamento dos partidos por parte de entidades privadas. Infelizmente abundam na comunicação social relatos de comportamentos dos políticos que suscitam as maiores interrogações.

    Os deputados que tão disponíveis se têm mostrado para aumentar as subvenções públicas para os seus partidos, suportadas pelos impostos dos contribuintes, com o argumentário de que a qualidade da democracia e o seu aprofundamento exigem que os portugueses suportem os custos do funcionamento das referidas instituições políticas e das campanhas eleitorais, deveriam ser pressurosos em introduzir na lei do financiamento dos partidos mecanismos simples mas eficientes que, de uma vez por todas, acabassem com esta “novela” em que se transformaram as contas dos partidos, as censuras do Tribunal Constitucional e, afinal, a impunidade dos infractores, o descrédito da classe política e a promiscuidade entre o poder económico e o político. É tempo de abandonarmos o nacional porreirismo e de o substituirmos por comportamentos de respeito pelas instituições que representamos, para que a profecia de Saramago jamais se realize e o Presidente da República tenha razão.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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