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    Arquivo: Edição de 30-07-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Ensinamentos das eleições em Lisboa

    Quarta-feira, primeiro dia do mês de Agosto, terá lugar o acto de posse do novo Executivo camarário de Lisboa, cujo presidente será o socialista Dr. António Costa, ex-ministro de Estado e da Administração Interna, de cujo cargo se demitiu para se candidatar ao lugar que irá ocupar depois de uma campanha em que, como é de tradição, foram feitas as mais diversas promessas e omitidos perceptíveis objectivos. Mas o que importa nestas circunstâncias é que, contados os votos, está encontrado o presidente da Câmara de Lisboa para os próximos dois anos, bem como a restante vereação. E como é dos “livros”, cada um extrai dos resultados as conclusões que melhor favoreça a sua causa. Quando o desastre eleitoral é demasiado evidente, a solução passa, normalmente, por demissões e por iniciativas que possam devolver aos visados a autoridade política ensombrada, ou mesmo perdida, sem prejuízo dos “abutres” do poder se manterem de atalaia, na mira de devorarem a presa ferida.

    Os ganhadores, esses vêem em vitórias pírricas grandes sucessos, ao ponto de, tendo o candidato António Costa recolhido o voto de apenas 11% dos eleitores inscritos, o seu mandatário afirmar que o “Partido Socialista obteve uma votação clara e [que] tem agora um mandato claro”. Perante tão inopinada declaração, dá vontade de perguntar se os 130.499 eleitores que votaram em outros candidatos, são menos representativos da vontade colectiva lisboeta que os 57.907 que preferiram o Dr. António Costa. Não será mais honesto olhar para os resultados do sufrágio autárquico de 16 de Julho e concluir que os lisboetas mandaram os políticos às “malvas”? Que quiseram e conseguiram dizer-lhes que estão fartos das suas “maroscas” e dos “redondos” discursos, que regra geral são peças estereotipadas para enganar os cidadãos e continuarem a fazer a política do interesse próprio, do partido e dos amigos, muito antes e bem acima do interesse público?

    A euforia dos que estiveram e estão com a candidatura de António Costa pode muito bem esconder algo muito mais inquietante para os verdadeiros interesses da cidade de Lisboa: referimo-nos ao famigerado novo aeroporto da capital. Na verdade, a desfaçatez política é bem capaz de não se coibir de vir dizer-nos que, tendo António Costa ganho as eleições, deve entender-se que nos resultados está implícita a vontade dos lisboetas em verem sair da cidade o aeroporto da Portela, quando todos os outros candidatos, que averbaram mais do dobro dos votos do vencedor, disseram durante a campanha, de forma bem clara, que se bateriam pela solução Portela + 1, por ser a que melhor serve a cidade.

    A democracia ganharia muito se a “lição” dada pelos 328 207 eleitores que se recusaram a participar no “festim” político-partidário fosse, por todos quantos fazem da política a sua profissão, aproveitada para deixarem de manipular os resultados, passarem a respeitar a vontade dos cidadãos, a expressa e a intuída, aproveitando as funções no Executivo para, definitivamente, servirem o bem público de forma responsável e transparente, acabando com os mantos diáfanos que têm servido para esconder práticas de gestão irresponsável e suspeitas de corrupção, compadrio e peculato, com as inevitáveis consequências de terem transformado a Câmara numa entidade sufocada pelas dívidas, asfixiada pelos milhares de funcionários e assessores que custam ao erário público cerca de 80% do orçamento, conduzindo-a para a desconfortável situação de, quando comparada com outras suas congéneres, ser preciso juntar os “ayuntamientos” de Madrid e Barcelona para encontrar um rácio “per capita” equivalente ao lisboeta. Infelizmente, para desgraça de Portugal e dos portugueses, o que se passa em Lisboa é mais o paradigma das nossas autarquias e menos uma excepção no universo do Poder Local.

    Mas as eleições em Lisboa trouxeram para a agenda política um outro tema: o relacionado com as candidaturas de independentes. Com efeito, o facto de ter havido candidatos independentes ressuscitou a polémica quanto à correcta caracterização como tal, de candidatos anteriormente identificados como dirigentes ou militantes partidários, havendo quem defenda que, atendendo ao seu curriculum político, não deverem ser assim classificados, antes o deverem ser como dissidentes dos respectivos partidos. Os que assim entendem, chamam à colação os casos de Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, Helena Roseta e Carmona Rodrigues, todos figuras conotadas com os partidos que lhes conferiram notoriedade pública. E neste turbilhão de polémica, não falta quem advogue uma reflexão sobre se a lei deve ser mantida ou se alterada, argumentando que o seu alcance tem vindo a ser pervertido, na medida em que apenas candidatos “zangados” com os partidos dela se têm aproveitado.

    Ora, consciente de remar contra a maré, entendemos que, se alguma alteração houver a introduzir nas actuais leis eleitorais, não deve ser para impedir a candidatura de independentes, antes deverá tomar a direcção de “barrar” o caminho aos partidos e alargar o âmbito de candidaturas independentes a outras eleições. E explicamos porquê.

    Nas democracias liberais, o primado consiste no poder residir no Povo, que o delega em pessoas ou organizações por si escolhidas. Logo, o que deve ser assegurado é que os eleitores possam ter a possibilidade de delegar o poder que neles reside, na pessoa, ou nas pessoas que entendam melhor servirem os seus interesses enquanto cidadãos. Consequentemente, o “esbulho” da sua liberdade, operado quando se impõe que em determinada eleição somente candidatos propostos por partidos políticos são admitidos, deverá ser objecto de reparação, para que o desiderato da liberdade eleitoral seja verdadeiramente alcançado.

    Assumiu-se como “tabu” considerar que não há democracia sem partidos políticos, axioma que está por confirmar. Para tanto bastará reflectir nas eleições presidenciais e nas candidaturas que têm surgido onde são permitidas. E o sucesso que têm obtido. E não se diga que não são candidaturas independentes, pela simples razão de que, quando se queira concluir que alguém é ou não independente, deverá perguntar-se: independente de quê ou de quem? Quando se proceder assim, logo se encontrará a respectiva resposta. Nos casos citados, os “independentes” libertaram-se da tutela (para não lhe chamar ditadura) partidária, para exercerem um direito de cidadania e corresponderem a anseios que, se prevalecesse o poder das máquinas partidárias, milhares de eleitores ter-se-iam visto privados de conferir o seu voto ao candidato da sua opção.

    A abstenção já é, geralmente quem “ganha” as eleições. E tornar-se-á verdadeiramente preocupante se a “válvula” de escape da actual lei deixar de existir, sendo legítimo admitir as piores consequências para o futuro da democracia se a tentação dos “aparelhistas” sair triunfadora. Imperioso é, pois, alargar a todas as eleições a permissão de candidaturas independentes dos partidos políticos, e não o seu contrário.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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