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    Arquivo: Edição de 30-05-2007

    SECÇÃO: Destaque


    Foto MANUEL VALDREZ
    Foto MANUEL VALDREZ

    Homem de palavra

    Conheci pessoalmente D. António Ferreira Gomes em 1973, tinha eu 17 anos. Nesse ano ingressei no Seminário Maior do Porto - Sé - e comecei a frequentar a Catedral nas principais solenidades litúrgicas em que D. António presidia à então chamada "Missa pontifical"D. António era também uma visita assídua do Seminário.

    Ainda hoje tenho viva a memória da celebração do dia 1 de Janeiro de 1974, em que a Sé se encheu de gente ansiosa por ouvir a palavra lúcida e destemida daquele Bispo profético que tão bem sabia ser e ensinava a discernir os "sinais dos tempos". Estávamos nos últimos tempos do regime do Estado Novo más eram bem poucas as sentinelas vigilantes que como o Bispo do Porto eram capazes de perscrutar o horizonte cerrado e dizer da noite que estava a chegar a alba.

    Lembro especialmente, após o 25 de Abril de 1974, os tempos turbulentos do "PREC" - como se dizia - em que a voz serena e livre de D. António FerreiraGomes se fazia ouvir por entre alaridos e confusões. Com a franqueza e desassombro que eram seu timbre, denunciou os atropelos da liberdade que sob pretexto da mesma e dando expressão, na verdade, a sentimentos mesquinhos se traduziam em saneamentos arbitrários: "Ontem era necessário balir com as ovelhas; hoje é necessário uivar com os lobos. E o pior é que os lobos mais raiventos são as mesmas sabujas ovelhas da carneirada de ontem". Pela mesma época reflectia com agudeza sobre a necessária distinção entre libertação e liberdade. O processo de libertação de uma tirania ou de emancipação de uma tutela nem sempre conduz a uma liberdade genuína. Quantas vezes é um mero mudar de tirano, de patrão, de tutor! Só será bom o processo de mudança que conduza efectivamente a mais e melhor liberdade, mais e melhor democracia.

    Destas memórias emerge, vertical e alta, a figura do venerado prelado como um homem da palavra e um homem de palavra. Foi essa a sua grande força, a sua arma invencível. Temia as palavras ociosas e delas fugia como o diabo da cruz. Recusava-se a açoitar o ar com palavras que valessem menos que o silêncio - e estou a citar de memória uma expressão sua. E sempre se pôs todo e inteiro na palavra que dizia. Para ele, o homem está na palavra. Porque se o homem não está na sua palavra, pura e simplesmente não está em nenhures, não é, não faz jus à definição plena de homem.

    Por: P.e João da Silva Peixoto (Pároco de Ermesinde)

     

     

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