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    Arquivo: Edição de 15-05-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Queda da Câmara de Lisboa: causas, consequências e ensinamentos

    A Câmara de Lisboa, ou mais rigorosamente o Executivo da autarquia municipal lisboeta, acaba de "cair" por causa da renúncia de todos os vereadores e substitutos do PS, da CDU, do Bloco de Esquerda e da maioria dos eleitos do PSD, restando, apenas, o presidente e mais uns poucos vereadores eleitos na sua lista, insuficientes para constituírem quórum deliberativo, tendo como consequência a inoperacionalidade do executivo, com efeitos jurídicos às zero horas do dia 10 de Maio de 2007, acontecimento do qual a democracia e o Poder Local beneficiarão se dele se extraírem alguns ensinamentos.

    Sendo os executivos camarários eleitos por sufrágio universal, directo e secreto, em listas plurinominais apresentadas por partidos políticos, coligações de partidos ou por grupos de cidadãos eleitores, com a conversão de votos em mandatos feita de acordo com o método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, por aqui não haveria nada de estranho relativamente a outras eleições. Acontece, porém, que os únicos titulares de órgãos executivos do Estado português, eleitos directamente por voto popular, são os municipais, razão por que uma vez eleitos, nada nem ninguém os remove dos respectivos lugares, salvo algumas situações tipificadas na lei que, na prática, não têm qualquer efeito por virtude de, quando os processos judiciais chegam ao seu termo, já os mandatos terminaram há muitos anos. É esta bizarra norma que proporciona espectáculos deprimentes como o que se tem vivido na Câmara de Lisboa, com o legislador insensível aos danos que o sistema causa às populações e às finanças públicas, caso contrário, teriam aproveitado a última revisão da Constituição da República Portuguesa para eliminarem do nº. 3 do art. 239º a referência "sendo designado presidente [do executivo municipal] o primeiro candidato da lista mais votada…"organizando este mesmo número de forma a compatibilizá-lo com o art. 187º, com as necessárias adaptações, naturalmente.

    As consequências da relutância dos deputados em adaptarem a legislação que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais são bem visíveis no Município de Lisboa: vereadores eleitos compelidos a renunciarem aos mandatos; presidente a ser empurrado "borda fora"; os superiores interesses dos munícipes preteridos em benefício dos jogos partidários que não conhecem limites, não se coibindo, inclusive, de reclamar a renúncia dos membros da Assembleia Municipal onde não se regista qualquer dificuldade de funcionamento. Não deixa de ser sintomático que os apologistas da "queda" da AM, para que houvesse eleições intercalares para ambos os órgãos municipais, não se dêem ao trabalho de equacionar o que diriam se o problema tivesse surgido no órgão deliberativo e se lhes fosse solicitado que renunciassem para que houvesse eleições para a Câmara e para a Assembleia. Se um dia tal evento surgir, será interessante ler e escutar o que dirão os que agora afanosamente reclamam a "implosão" da AM.

    É PRECISO

    REGULAR

    OS EXECUTIVOS

    AUTÁRQUICOS

    Ainda como consequência do anacronismo legislativo, teremos eleições intercalares; um período de mais de dois meses em que a autarquia se manterá praticamente imobilizada, dado os limitados poderes de actuação da comissão administrativa nomeada pelo Governo, e um novo executivo com menos de dois anos de mandato pela sua frente, numa câmara onde abundam os problemas de difícil solução e escasseiam os meios financeiros como são: uma dívida superior a mil milhões de euros, o caso Bragaparques, os prémios pagos e os milhões de euros entregues a clubes de futebol pela EPUL, a gestão da Gebalis sob investigação da PJ, o loteamento de Alcântara sob suspeita, as dúvidas sobre os loteamentos no Vale de Santo António e dos terrenos do Sporting, o inusitado peso que as remunerações têm no orçamento, o desmesurado número de assessores e de prestadores de serviços, etc. Por estas e outras razões, não causará estranheza eventuais dificuldades dos partidos em conseguirem entusiasmar candidatos de elevado gabarito, sendo de recear que, mais uma vez, o lugar fique disponível para terceiras, quartas, quintas ou mais indesejáveis escolhas. Tudo isto facilmente evitável, mas que o não será enquanto os presidentes dos executivos autárquicos forem eleitos por sufrágio directo.

    Como se infere, teria sido de grande utilidade se já tivéssemos modificado a lei que regula a eleição dos titulares dos executivos autárquicos por forma a que problemas como os surgidos no executivo lisboeta não exigissem eleições intercalares e fosse possível constituir "equipas" gestionárias coesas e da confiança do presidente, objectivo alcançável com duas simples iniciativas legislativas. A primeira consiste em alterar o já citado art.239º da CRP para que os presidentes de câmara e de junta de freguesia deixem de ser eleitos por sufrágio directo. A segunda reside na necessidade de modificar o art. 11º da Lei Orgânica 1/2002 de 14 de Agosto, a fim de que as equipas dos executivos sejam escolhidas pelos presidentes designados, cabendo à AM a sua ratificação e de eventuais alterações, bem como a aprovação do respectivo programa para o mandato. Para a AM fica reservado o espaço privilegiado para dirimir as diferentes posições subjacentes às políticas municipais, dando a este órgão dignidade e competência para, efectivamente, tornar exequível o desiderato constitucional do órgão executivo municipal ser perante ela responsável. Se a “crise” que se vive na maior autarquia nacional servir para sensibilizar os decisores políticos da urgência que há em alterar as regras de eleição dos titulares dos órgãos executivos do Poder Local (incluindo os presidentes, principalmente), o sacrifício dos autarcas que se viram compelidos a renunciar ao mandato para que foram eleitos terá valido a pena. Igualmente, a visível amargura do Prof. Carmona Rodrigues no momento em que anunciou ir comunicar à AM e ao governador civil que o executivo camarário deixou de ter condições de funcionar e deliberar validamente – para efeitos de marcação de eleições intercalares – poderá encontrar um lenitivo por ter servido os superiores interesses nacionais. Se assim não acontecer, então o Poder Local continuará a privilegiar os mesquinhos interesses partidários; os executivos camarários manterão o seu anacrónico funcionamento de coexistirem no seu seio os que têm interesse em resolver os problemas do concelho e os que se afadigam para que nada se faça ou se faça mal, caldo propício para que gente competente não nutra a mais leve vontade de participar nesta contra naturam governativa, que tem ainda como indesejável que, quando o presidente precise de substituir um vereador com formação de economia, tenham de suportar um licenciado em filosofia, por exemplo.

    VOTOS

    No momento em que escrevemos estas linhas não se conhece quem virá a encabeçar as listas dos maiores partidos tradicionalmente concorrentes à autarquia alfacinha. Façamos votos que os "estados-maiores" consigam convencer gente competente e bem preparada para enfrentar com sucesso os grandes e graves desafios que os esperam, para bem dos lisboetas e afirmação do Poder Autárquico, que bem precisa que nele se cumpra a Lei de Gresham.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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