O passeio da minha rua
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Ilustração RUI LAIGINHA |
A minha habitação, em prédio de seis andares da freguesia de Paranhos (Porto), tem direito a rua larga, estacionamento de automóveis em espinha, magnólias floridas e lancil separador da via do outro lado da rua. Para que o passeio deixasse de ser invadido por carros e jipes, a Câmara teve que colocar esferas e colunas metálicas, ao longo do passeio pedreste. Para isso, contribuiu a diligência do André, morador no primeiro andar, às entidades competentes:
– Qualquer dia, encostam ao prédio uma carrinha, partem o vidro da marquise, e levam a mobília! – desabafava nas reuniões de condomínio!
Como utente da via pública, sou cuidadoso da minha testada, retirando algumas latas e garrafas de bebidas de farras nocturnas, e não depositadas nos contentores, para não conspurcarem o meio ambiente. Melhor acção fez um comerciante de um rés do chão do prédio ao lado pondo, no vidro da montra, um letreiro de letras garrafais, onde se lia:
– Mantenha o passeio limpo. O wc do seu cão não é aqui!
Quando vi o apelo à limpeza dos detritos caninos sorri, com pouca fé do êxito do pedido. Mas como há sempre evolução …
A Câmara passou a disponibilizar, recentemente, sacos para as fezes, e os donos passaram a cumprir na recolha! Passear, o meu pequeno cão tequel dá outra satisfação. O “salsicha” nunca fez ou faz cocó no passeio, desce para a beira do lancil ou para terra dos locais ajardinados.
Viver em Paranhos vai sendo, cada vez mais adaptativo, a quem cresceu em aldeia transmontana, e viu tratar da sua testada, cheia de lamas no Inverno e de poeirada no Verão! Sair à rua nos meses frios de socos (diferentes conforme as idades e uso) e óptimos para a brincadeira de quebrar o gelo das poças de água!
Só o alferes, residente na casa em frente da minha, tinha o privilégio de ter um passeio empedrado, ao longo da casa, extravagância das residências de Vila Real, onde viveu como oficial do exército. Vê-lo passear, para cá e para lá cofiando o bigode retorcido, era o meu cinema de menino! Quando me descobriu a imitá-lo na “marquise” da minha casa, do outro lado da rua, foi o bom e o bonito!
No Inverno as lamas da rua eram cobertas por tojos, chamiça e giestas (mato retirado dos montes). Depois de curtido, o estrume era levado para os lameiros da fonte da Tenaria, e outro tapete passava a ocupar o local. Assim se podia passar para o passeio elevado do alferes, sem calçar os socos, quando se ia pedir os jornais à D. Mariquinhas do alferes. O Diário de Notícias chegava dois dias depois à sua casa, onde estava a caixa do correio do lugar.
Com o aproximar da Páscoa, a aldeia ficava escarolada, dentro e fora das casas. Para a vinda do Sr. Prior e do Compasso do Domingo de Páscoa tudo se alindava. As casas eram esfregadas, e até as escadas graníticas eram lavadas a escova e sabão macaco. A rua era atapetada de mato fresco. Parecia revestida de carpetes e não de mato silvestre!
Na festa de Santa Maria Madalena era outra loiça. A rua era varrida e borrifada, para não levantar pó, tanto aos dançarinos como à passagem da Procissão. Cada morador tratava com carinho a parte da sua rua. Esperamos que, cada vez mais, os passeios citadinos venham a ter mesmo carinho!
Por:
Gil Monteiro
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